Sumário
I. Prefácio – Fábio Lucas
II. Introdução – Luiz Antonio de Assis Brasil
III. Apresentação – Marcelo Maroldi
IV. Princípios – José Domingos de Brito: Dos mistérios da criação literária
Parte I
Depoimentos
Adolfo Bioy Casares - Agustina Bessa-Luís - Ahdaf Soueif - Alan Pauls - Alberto Moravia Anthony Burgess - Antonio Skármeta - Antonío Tabucchi - Ariano Suassuna Augusto Roa Bastos - Cabrera Infante - Camilo José Cela - Carlos Drummond de Andrade - Carlos Fuentes Daniel Bushatsky - Dean Koontz - Dias Gomes - E. E. Cummings - Érico Veríssímo - Ernest Hemingway - Ernesto Sábato - Fernando Monteiro- Fernando Sabino - Ferreira Gullar - Gabriel García Márquez - George Orwell - Glauber Rocha - Gore Vidal - Gunter Grass - Henry Míller Ian McEwan - Isaac Singer - Ismail Kadaré - J. M. Coetzee - João Cabral de Melo Neto - João Gilberto Noll - João Ubaldo Ribeiro - Jofre Rocha - John dos Passos - John Updike - Jonathan Franzen - Jorge Amado - José Eduardo Agualusa - José Saramago - José Sarney - Juan José Saer Julian Barnes - Julio Cortázar - Luis Gusmán - Manuel dos Santos Lima - Manuel Puig - Manuel Vázquez Montalbán - Marcelo Maroldi - Mario Benedetti - Mario Vargas Llosa - Mia Couto Moacir Amâncio - Moacyr Félix - Nadine Gordimer - Nelson Rodrigues - Norman Mailer Octavio Paz - Pedro Juan Gutiérrez - Pepetela - Peter Handke - Rachel de Queiroz Ricardo Piglia - Roger Vailland - Salman Rushdie - Susan Sontag - Tom Wolfe
Parte II
Bibliografia resumida
AYALA, Francisco – CÂNDIDO, Antonio – LINS, Osman – QUEIROZ, Carla de RIDING, Alan FUENTES, Carlos – MACSHANE, Frank – DOCTOROV, E.L. - BURUMA, Ian – DUARTE, Eduardo de Assis – ORWELL, George
I. Prefácio
Fábio Lucas
José Domingos de Brito tem-se proposto reunir pronunciamentos temáticos de escritores, historiadores, críticos e ensaístas na forma de dicionários de citações. Termina por oferecer ao leitor uma fonte de referências e, na verdade, de diversão com a matéria literária. Ao conjunto de pesquisas deu o título de Mistérios da Criação Literária.
Como é de se esperar, trouxe uma coleção com o subtítulo Literatura & Política. A Política, aqui, traz consigo um conceito amplo, especulativo, de estudo sistemático da praxis humana relativa à tomada ou à conservação do poder. Algo substancial à conduta da espécie. Uma técnica de relacionamento civilizado, já que não abandonamos o axioma de que o homem é um animal político.
Para tanto, supõe-se que o modo “político” de legitimar o poder depende da via consensual, mediante a qual um grupo se reserva o monopólio da força, ou seja, do poder coercitivo sobre os demais grupos sociais que integram a nação.
O grupo dominante, deste modo, propõe a organização e desenvolvimento do processo produtivo, dos modos e meios de disputar o poder político e das condições de uso do poder coercitivo (forças armadas).
O jogo político depende, para um bom resultado, de uma atmosfera psico-social apropriada para o seu exercício, e formas pacíficas de administrar os conflitos. Tenta apoiar-se nos intelectuais, cientistas e artistas, como fatores de integração e coesão da sociedade organizada.
Ora, organizar uma sociedade de carências múltiplas, na qual o escopo maior é lidar com a escassez de bens necessários à subsistência, significa limitar a acumulação excessiva de riquezas, redistribuindo-as aos grupos marginalizados pelo processo de produção. Volta-se ao velho projeto de busca da justiça social.
Como a sociedade humana tem-se revelado desigualitária na sua essência, violenta e excludente no comportamento, a fim de estabilizar o grupo dominante, minoritário, dissociado do grupo dominado, majoritário, as partes mais sensíveis a essa injusta organização, os escritores, não deixam de registrar, na criação literária, o espelhamento das turbulências que os atingem. Diagnosticam os males e, não raro, apontam saídas.
Outrora, nas epopéias e nas tragédias, modernamente, na ficção e nos poemas engajados, o despotismo é exposto de forma enérgica para os leitores. Assim como as forças do destino ou do acaso. Além da função estética, as obras literárias atingem camadas de finalidade moral, política, psicológica e social, conforme modelo de análise por nós apresentado no capítulo “O Estético e o Político” da obra Vanguarda, História e Ideologia da Literatura (S. Paulo: Ícone, 1985, pp. 108 e seguintes) .
Se investigarmos o período da Modernidade, quando a sociedade urbana e industrial se torna mais e mais complexa, veremos que a expressão literária, que exprime e consagra essa mudança, de situações inter-relacionadas cada vez mais emaranhadas e velozes, encontrará eco na sua formulação artística. Mudam-se também os temas, a cor local, as personagens e as representações.
Os contatos humanos com a natureza e com os semelhantes se adensam de conquistas materiais, mas também de conflitos e paixões. E a Linguagem e o seu processo de comunicação? Os avanços tecnológicos, a informática, a robótica e os meios eletrônicos da fase contemporânea alteraram as concepções de espaço e tempo das mensagens.
Na moderna História da Literatura é possível surpreender dois eventos traumáticos que ainda hoje inspiram a reflexão e o poder criador de poetas e ficcionistas: a Segunda Grande Guerra, de escala planetária, e, no caso brasileiro, o golpe militar de 1964. Também este, na preparação e duração de mais de vinte anos, não deixa de ser efeito do término da Grande Guerra e da Guerra Fria que se seguiu ao armistício de 1945.
A grande Literatura, com efeito, caminha passo-a-passo com os grandes eventos. Na tradição luso-brasileira, a grande matriz literária são Os Lusíadas, poema épico do Renascimento que faz transparecer, nos seus dizeres, a expansão européia, não obstante haver incorporado em seu texto parte da mitologia grega. Os Lusíadas, além dos valores literários, fiéis às exigências retóricas do Neoclassicismo, podem servir igualmente de fonte da História das Mentalidades, se submetido ao estudo das ruínas culturais e à coleta de tópicos não diretamente ligados ao relato causal-temporal. Ou seja, daquela função que Roland Barthes denominou “informante”.
É nessa linha que podemos colher assertos políticos, explícitos ou implícitos, na obra de diferentes autores. Na verdade, poucos singram ao largo da Política. É que a Política, como o Amor, costuma impregnar os textos da Literatura, já que a linguagem literária, por natureza, lida com emoções, mais do que com conceitos.
No pós-guerra, a Europa e os países que recebiam influência do pensamento europeu deixaram se envolver por duas correntes dominantes da Filosofia: o Existencialismo e o Marxismo.
Foi por intermédio do Existencialismo de Jean-Paul Sartre que se desenvolveu o princípio de que a narrativa é sempre comprometida, de que o homem não se desgarra do impulso vital, do projeto, ainda que a vida lhe seja um absurdo, já que a única certeza possível é a da morte, ou seja, da negação da vida. Todavia, a consciência da morte, em efeito retroalimentador, intensifica a vida, torna o tempo mais precioso e tudo se apresenta de forma urgente em face da situação-limite. O homem, com a morte na alma, é levado a decidir a cada momento, condenado à participação, a engajar-se.
A doutrina estatal do Comunismo da União Soviética procurou dar função catequética às obras literárias através do Realismo socialista, baseado na teoria do reflexo. Alimentou poemas e romances panfletários de composição elementar. Os chamados “romances do povo”, de baixa densidade estética. Curiosamente, da mesma têmpera se mostraram as obras anticomunistas, patrocinadas, na fase da Guerra Fria, pelos Estados Unidos e sua poderosíssima máquina publicitária.
Por que o envolvimento das artes literárias no jogo político? É que as Artes, em todas as situações, constituem uma das mais perfeitas modalidades de aprofundamento na análise da condição humana. As artes literárias são, ao mesmo tempo, refúgio das mentes atormentadas pelas dúvidas interiores ou agredidas pelo ambiente dos governos despóticos. Consolam as mentes enfermas, solidarizam-se com os perseguidos e, em dadas situações, carregam mensagens proféticas.
Mais do que quaisquer outras atividades, as Artes servem para emancipar o homem e torná-lo mais autônomo. O artista, na sociedade contemporânea, é o ser mais livre, pois, na estruturação do seu trabalho, independe de uma cadeia de fatores que limitam, por exemplo, os cientistas, os empresários, os políticos, os burocratas e os financistas. Sonhos e volições ganham asas abertas, podem ser saciados com a criação literária. Os autores alimentam a obra com os elementos de sua experiência e, simultaneamente, exprimem as aspirações da maioria. O seu produto contém um apelo. Cada leitor que captar a mensagem e conduzi-la ao cerne de suas indagações, sentir-se-á fortalecido na busca de auto-estima e identidade.
Daí o grande prestígio de que o escritor desfruta, ainda que a sociedade, como a brasileira, não esteja devidamente aparelhada para universalizar o consumo de obras literárias. No inconsciente coletivo brasileiro pesa a grande culpa de não ter-se alfabetizado em massa, enquanto, dada a situação histórica e a contingência de dependência cultural, ter-se massificado pelo mercado, ao qual, pela publicidade, foi conduzido em estado de rebanho. Sem crítica e sem o devido conhecimento de si, prematuramente coisificado, iguala-se à mercadoria que procura desesperadamente.
Tem-se como certo que as sociedades, de modo geral, apóiam-se em grupos sociais encarregados de ministrar-lhes uma interpretação do mundo. A essa camada social convencionou-se denominar intelligentsia. Quanto mais estratificada for a sociedade, portanto, menos sujeita a mobilidades, mais homogênea se revela a intelligentsia, cuja tendência é congelar-se numa casta. Bom exemplo será o clero medieval, encarregado de formular a visão de mundo do período.
Todavia, quando a mobilidade se torna freqüente, quer a horizontal (deslocamento para outros ambientes, em face da emigração), quer a vertical (por mudança de status; ascensão, no caso de capilaridade; e descenso, na hipótese de precipitação), os quadros intelectuais são afetados pela cena instável. Veja-se, por exemplo, o caso de Ouro Preto que, no século XVIII, oferece a primeira cultura urbana do país, organizada em torno da atividade-piloto da mineração. Escravos puderam comprar sua alforria e mulatos puderam tornar-se arquitetos, pintores, artesãos e músicos de relevo social. Irmandades se organizaram em corporações de ofício.
O Brasil recolheu, em razão da Segunda Grande Guerra, escritores do porte de Otto Maria Carpeaux e de Paulo Ronai, que muito contribuíram para a renovação dos estudos literários do país. Efeito, portanto, da mobilidade horizontal. No eixo vertical, paulatinamente, negros e mulatos ascenderam às camadas cultas, a ponto de nomes emblemáticos como Machado de Assis, Cruz e Souza e Lima Barreto adquirirem lugar de destaque na história literária brasileira. Intérpretes como Gilberto Freyre e Jorge Amado insistem em apontar os aspectos positivos da cultura mestiça, capaz de produzir gênios tão criadores quanto os melhores que nos são oferecidos pelas culturas etnocêntricas.
A extrema mobilidade contemporânea, tangida ainda mais pelos instrumentos eletrônicos de comunicação, golpeou o sistema literário, tornando inatingível a meta dos interesses comuns. Com isso, abalaram-se também as normas de conduta e as concepções de vida compartilhadas. A opinião pública se tornou um mar revolto ante as ondas gigantescas da publicidade, que, empurrando os figurantes para o estuário do mercado, tenta anular as iniciativas de emancipação criativa. Na esteira dos equívocos, escritores há que, para vencer econômica e socialmente, tentam introjetar os recursos retóricos da propaganda, adotando-lhe os modismos.
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Fábio Lucas é
Professor, Crítico literário e membro das Academias Paulista e Mineira de Letras.
II. Introdução
Luiz Antonio de Assis Brasil
Escritores, em geral, são desastrosos quando dão depoimentos. No que toca à política, preponderam ambivalências, meias-palavras, paradoxos, dislates de toda ordem. As entrevistas, quando chegam a esse tema, entram por um túnel sombrio; o escritor se exaspera, responde a primeira coisa que lhe vem à mente, radicaliza, quer ver-se livre da indigesta pergunta. O entrevistador percebe esse mal-estar, que pode degenerar em franca hostilidade; daí que passa de imediato a outros assuntos, restabelecendo a harmonia.
Tudo isso decorre do fato simples: a escrita é solitária, e o escritor jamais consegue uma entente confortável entre o individualismo do seu trabalho e as exigências do coletivo ao qual ele mesmo pertence. Alguns usam paliativos, tais como o engajamento ostensivo. Foi o caso de Sartre e, também, de Vargas Llosa. Com isso justificam-se com o coletivo e consigo mesmos. Outros, também ostensivamente, provocam a esquerda e a direita: Mario Quintana, por exemplo, escreveu um poema significativo, em A rua dos cataventos (1940), o qual lhe rendeu não poucos dissabores numa época de acirrado debate ideológico: Eu nada entendo da questão social / Eu faço parte dela, simplesmente / Eu sei apenas o meu próprio mal / Que não é bem o mal de toda gente. A necessidade de engajamento também fustigou outros intelectuais, como Érico Veríssimo. E para não ficar apenas nos gaúchos, posso pensar em Jorge Amado que, depois de abandonar sua posição à esquerda, viu-se alvo da patrulha stalinista.
Em suma: este é um tema tão importante quanto irresolvido. E assim ficará enquanto existirem escritores e enquanto existir a sociedade. O presente livro é uma demonstração cabal. O leitor poderá comprovar o quanto as declarações se opõem umas às outras; o quanto elas manifestam desagrado e, por vezes, repulsa. Em certos casos, o escritor torna-se um selvagem. Mas tudo isso tem origem no desconforto de que falei antes.
Um fato é certo: não temos como fugir da política, mesmo porque, sem ela, a alternativa é a ditadura – e isso ninguém quer, muito menos os escritores. Os escritores, para resolverem o caso, deveriam desdramatizar o assunto, e não exasperar-se com ele. Afinal, se o entrevistador perguntou, é porque há alguma razão. A resposta limpa, sincera e frontal é sempre a melhor mentira. O leitor que julgue. Boa leitura.
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Luiz Antonio de Assis Brasil
Escritor e professor titular da PUC/RS
III. Apresentação
Marcelo Maroldi
Podemos afirmar que a política e a literatura compartilham pelo menos uma característica interessante: ambas, em princípio, estiveram bastante distantes do cidadão comum. De certo modo, criou-se no senso comum a crença de que para ser tornar político ou escritor seja necessária alguma notoriedade, algum prestígio, um talento ou habilidade especial, de certa forma sofisticados, raros, presente em apenas parte da população em geral.
No caso da política, sabemos, além de vocação política, é preciso uma estrutura, financeira principalmente, de modo que os cargos políticos, embora a recente democracia permita, estiveram de fato distantes do cidadão típico, que apenas esporadicamente se elegeu. Assim, durante décadas, os cargos políticos estiveram sempre relacionados a poder, a condição financeira, e, dessa forma, longe do povo, que passou a considerá-los inatingíveis. Por isso, fizeram uma espécie de idolatria dos membros desta classe, tanto do ponto de vista econômico e social quanto cultural, principalmente.
Na literatura ocorre algo similar. Escrever um livro sempre esteve restrito a poucos e afortunados membros da sociedade, e, talvez mais ainda do que ocorra com a política, o cidadão, em especial o menos privilegiado intelectualmente, vê os escritores como pessoas sapientíssimas, inacessíveis, superiores até, pois, afinal, escrever um livro não é tarefa trivial. Claro que hoje em dia a tecnologia e o acesso a ela pelas camadas economicamente desfavorecidas mudaram significativamente e, assim, escrever (e publicar) um livro, ou mesmo financiar uma campanha política e se eleger, não são mais tão impossíveis e inalcançáveis. Porém, tal status permanece em relação a estes grupos – escritores e políticos, ainda supervalorizados pela sociedade, que, de certo modo, os enaltece e os coloca no topo da pirâmide social, em qualquer sociedade do mundo. E, claro, quase sempre estes assuntos foram pouco íntimos da população, sobretudo nos países em que a educação e a cultura não têm caráter emergencial e prioritário, expandindo ainda mais esta distância e maximizando o respeito (e admiração) aos representantes desses ofícios.
Ademais, destas duas atividades, a política e a literatura, podemos dizer que sempre estiveram próximas, quando não misturadas. A literatura ocupou-se da política em incontáveis momentos, não apenas jornalisticamente descrevendo e repercutindo os fatos políticos como criando ficções sensacionais, muitas baseadas no cenário político que vivenciavam seus escritores, alguns com caráter de protesto ou resistência, como, por exemplo, todos os livros que têm como pano de fundo os golpes militares na América do Sul ao longo do século passado. Além disso, a literatura sempre serviu de instrumento poderosíssimo para exaltar ou até camuflar acontecimentos de natureza política e as biografias de alguns membros da classe política. Certamente, não há uma ferramenta mais útil do que um livro para imortalizar os registros de uma vida ou de um período político. Além disso, um livro bem escrito pode reconstruir uma imagem ou confirmar um acontecimento importante, ainda que de maneira irreal.
Mas, ora, se a política parece conservar-se distante da população, não é de se estranhar que os livros limitados apenas à política não adquiram espaço significativo dentro de nossa sociedade. Talvez por isso a grande inclinação à produção de relatos que mesclem a realidade política e a ficção, ou a concentração em torno dos grandes acontecimentos e nomes essenciais do cenário político, como escândalos relevantes ou presidentes de república. À margem disso, qualquer literatura com caráter político estará restritiva à pequena parcela da população, principalmente em países como o Brasil, cuja população lê apenas 1,8 livros por ano, e, posso assegurar, não são livros relacionados à política, em nenhuma de suas formas.
Seja como for, a literatura ocupou-se intensamente da política ao longo da história do homem e possivelmente assim continuará, pois, é certo, tanto a política como as artes (literatura) são inerentes à realidade do ser humano e absolutamente indispensáveis em qualquer sociedade organizada, estejam estes assuntos unidos ou não. Na obra que se segue, José Domingos de Brito nos presenteia com uma valiosa seleção que contempla grande número de opiniões e teses sobre os dois assuntos supracitados, na sabedoria de expressivos nomes da política, literatura e do jornalismo brasileiro e mundial, principalmente. Glauber Rocha, Heminghway, José Sarney e tantos outros nomes dão sua visão sobre poder e autoridade, democracia, a arte da escrita e a literatura. São relatos fascinantes que cercam completamente os dois temas e enriquecem sobremaneira nossa compreensão destes
dois assuntos fundamentais de nossas vidas.
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Marcelo Maroldi
Escritor
IV. Princípios
J.D. Brito
Até aqui os mistérios da criação literária foram questionados com perguntas fundamentais: por que escrevo? (1) e como escrevo? (2) , e especulados sobre o relacionamento da literatura com seus filhos pródigos: o jornalismo (3) e o cinema (4). É hora de investigar seu relacionamento com o mundo, com a história, seu convívio social. Como a literatura se comporta? Como tem se comportado? Como deve se comportar no meio social que lhe dá existência efetiva? A literatura é um fruto social dos mais importantes e dos mais saborosos. Logo, não é descabido perguntar o que ela está fazendo aqui. Surgiu para quê? Tem alguma função social?
O tema já não é tão candente como até pouco tempo atrás, quando a Política ainda empolgava muita gente. O escritor não é mais cobrado por nada, por compromisso algum. Ele só é obrigado a escrever bem e empolgar o público ao qual se dirige. No entanto, persiste uma necessidade pela crítica e pelo público mais exigente, de uma reflexão literária no que se refere ao seu papel social. A discussão sobre o engajamento político do escritor não é nova e tem resultado em uma quantidade razoável de estudos e debates no meio acadêmico e fora dele. Nas entrevistas com os escritores, então, o posicionamento político é solicitado com alguma freqüência.
Na busca desse material encontramos um estudo de 1948, feito pelo conceituado crítico literário português João Gaspar Simões, que diz: “Para aqueles que afirmam hoje que a literatura é um instrumento de difusão de idéias reivindicadoras dos direitos dos oprimidos, é evidente que o escritor é um intérprete de um estado de espírito protestativo e que a sua missão não passa de subsidiária” (5). É isto: a literatura pode ser subsidiária se quiser. Se quiser, ela também pode ser mais que subsidiária. “Papel e tinta agüentam tudo”, já diziam os antigos. Vale a pena reparar nos diversos depoimentos, verificar como alguns autores, notadamente politizados, expressam uma opinião contrária ao envolvimento político da literatura; outros, colocam a política apenas como um dos temas, entre tantos, da literatura; e outros, repudiam a controversa mistura. O objetivo aqui foi exatamente este: reunir uma grande diversidade de opiniões na ânsia de conhecer melhor o pensamento dos escritores e, conseqüentemente, os tais mistérios da criação literária. Este tem sido nosso trabalho: recolher, organizar e divulgar os depoimentos e estudos. De certa forma estamos atendendo ao desejo do mestre Cyro dos Anjos, para quem os estudos sobre a criação artística não poderão seguir um único método, “mas hão de basear-se em depoimentos e reflexões dos próprios artistas” (6). Entre as tantas reflexões, a política certamente encontra um lugar de destaque entre os escritores. A especulação prossegue pela internet com perguntas sobre a crítica e teoria literária; o posicionamento da literatura referente à religião e à psicanálise; seu relacionamento com outras artes e ofícios; que conselhos os escritores podem dar aos mais jovens e assim por diante.
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1 - Brito, J. D. Por que escrevo? (Mistérios da Criação Literária, v. 1). 3. ed. São Paulo:
Novera, 2007.
2 - Brito, J. D. Como escrevo? (Mistérios da Criação Literária, v. 2). 2. ed. São Paulo:
Novera, 2007.
3 - Brito, J. D. Literatura e jornalismo (Mistérios da Criação Literária, v. 3). São Paulo:
Novera, 2007.
4 - Brito, J. D. Literatura e cinema (Mistérios da Criação Literária, v. 4). São Paulo,
Novera, 2007.
5 - Simões, J. G. Novos temas, velhos temas: ensaios de literatura e estética literária.
Lisboa: Portugália Editora, 1967.
6 - Anjos, Cyro dos. A criação literária: notas de leitura. Coimbra: Tipografia da
Atlântida, 1954 (Separata da Revista Filosófica ano IV, n. 12).
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José Domingos de Brito
Bibliotecário, Diretor de Documentação da UBE e editor do site www.tirodeletra.com,br
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