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Cinema
Juan José Saer

"Quanto às relações do cinema com a literatura, há uma anedota que diz: ‘Você leu a Crítica da razão pura? Não, mas vi o filme’. O cinema se tornou uma espécie de substituto da cultura. Costumo dizer que agora o cinema não é uma arte, mas um tema de conversação à mesa. Em Paris não se pode conversar sobre um tema mundano sem falar de um filme de Woody Allen. Ele me parece uma pessoa das mais respeitáveis, mas já começaram a compará-lo com Bergman. Se a minha geração tinha Bergman e a geração atual tem Woody Allen, estamos fritos... Voltando ao que é importante (vejo que os entusiastas de Woody Allen começaram a rir...), creio que nos anos 1930 o cinema efetivamente influiu na linguagem literária e em muitas outras. Exerceu uma influência interessante na narrativa, gerando uma filiação que abarcou desde os primeiros romances noir aos primeiros escritores comportamentalistas norte-americanos, os quais passaram a ter influência sobre a ‘geração perdida’. Muitos textos da geração perdida têm o enfoque do romance comportamentalista em sua maneira de respeitar o ponto de vista. Esse enfoque teve uma influência muito grande no romance francês do pós-guerra, em Sartre,

Camus etc., e chegou até o nouveau roman. Creio que aí houve efetivamente uma influência decisiva da linguagem cinematográfica, num momento da evolução da linguagem narrativa que levou às teorias do ponto de vista, que nos anos 1960 eram muito difíceis de transgredir. Escrevi todo um romance para me desembaraçar disso, Glosa, no qual volto ao narrador totalmente onisciente. Para isso havia que criar uma retórica nova, que permitisse introduzir a terceira pessoa sabendo-se que o autor daquele romance estava a par de todos os debates sobre o ponto de vista. De resto, sou um bom telespectador de ficções: vejo os faroestes e as séries de televisão mais rasteiras. Posso assistir ou ler qualquer coisa, posso ler os romances mais abominavelmente mal-escritos e malfeitos de Agatha Christie, mas quando alguém quer escrever tem de ser consciente de seus alcances".

Fonte: Novos Estudos (CEBRAP), São Paulo, nº. 73, novembro 2005.

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