“Não tenho nenhuma mania ou superstição para escrever, apenas dois processos bem diferentes. Poesia acontece de um jeito mais anárquico. Ao longo do tempo percebi que os melhores versos surgem quando eles querem. Não adianta forçar a barra. Mas como tenho alguma familiaridade com a prática zen, procuro me manter concentradamente distraído ou distraidamente concentrado o tempo todo. Os versos vão surgindo sem hora marcada e em qualquer lugar, no trânsito, no metrô, no banho, em conversas com amigos ou mesmo desconhecidos, às vezes até em sonhos. Vivo fazendo listas também de palavras antipoéticas que gostaria de usar em poemas. Por exemplo: moquifo, cafofo, bangue bangue, espelunca, mísseis. Tenho dezenas de cadernetas com retalhos de versos e palavras que depois vou trabalhando, ajustando à minha linguagem. Não sou de reescrever. Sou de escrever. Trabalho muito as cadências sonoras, os ritmos, a pulsação – e a minha medida é a própria pulsação sanguinea. Com a prosa é diferente. Quando estou escrevendo uma história curta ou uma narrativa mais longa, consigo me disciplinar. Aí, escrevo diariamente, quase sempre de madrugada. Mas até hoje não tenho a menor ideia de como os livros surgem. Quando começo uma narrativa, nunca sei como ela vai terminar. Vou escrevendo e tudo começa a acontecer. Não planejo os capítulos, não tenho escaninhos, nada disso. É como se fosse uma massa altamente condensada que, de repente, explode e vai se expandindo. Escrevendo prosa eu me divirto. Poesia é mais cansativo. Prazeroso, mas cansativo.”
Fonte: http://michellaub.wordpress.com (23/10/2012)
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