Volta para a capa
Como escreve?
Ana Maria Machado

– Antes de começar a escrever, você precisa de uma gota para transbordar?

A imagem aquática é mais ligada à fonte. Penso naquela terra que está embebida levemente úmida,e de repente vai começando a correr um filete dela. Esse filete vai engrossando e segue o seu fluxo. Escrever é como descer numa onda. Não sou surfista, mas já desci em onda. Fiz as minhas experiências com prancha.

– Você disse que escrever é como descer numa onda. Como é isso?

Você tem que ficar esperando que ela encha, para descer. Você não pode correr na frente da onda. Não pode se atrasar em relação à onda. Você tem que entrar na onda, no momento bom dela. E precisa deixar ela te levar. Sem querer controlar a onda. Porque se você quiser assumir o controle, ela te enrola.

– A onda embrulha você?

Exatamente. Então, você tem que aproveitar a força que ela te dá. E o máximo que você pode fazer é envezar, para um lado e para o outro. Mas você precisa aproveitar aquele turbilhão que vem e canalizar aquilo numa força que te faça chegar lá. Sabendo também que não tem garantia nenhuma de que vai chegar. Quando você parte numa onda, nada te garante que você vai ficar pelo caminho. Essa é a grande emoção de escrever. Você começa uma descida cega.

– Sem saber para onde vai?

É. Essa imagem é muito forte para mim.

 

Fonte: Lector, Rio de Janeiro, no 8, agosto de 1995.

Prossiga na entrevista:

Por que escreve?

Onde escreve?

Crítica Literária

Biografia