"Eu nunca penso sobre o assunto antes. Ele sempre vem com algum jogo formal já determinado. Eu nunca falo 'vou fazer um poema sobre esse tema ou preciso escrever um poema sobre isso'. Esse exercício voluntário, do assunto vir primeiro, não existe muito. Agora, muito raramente um poema vem instantaneamente. Sempre aquilo é matéria-prima para um retrabalho de montagem e de eliminação. Acho que eu trabalho mais por subtração do que por adição. Faço e depois elimino muito. Normalmente, eu trabalho com muitos rascunhos. Gosto de trabalhar no computador e no papel, escrever à mão, corrigir no computador, imprimir de novo e corrigir à mão. No meu caso, tenho uma necessidade de ver materialmente o poema. Não fico trabalhando mentalmente e depois a coisa vem pronta. Eu preciso de todas as alternativas, de todas as rimas que me vêm à cabeça sobre aquele assunto para ir escolhendo. É um trabalho material mesmo... Muitas vezes quando é para ser cantado, sei que é para ser cantado logo ao fazê-lo. Quando é para ter algum recurso visual, aquilo já vem um pouco impregnado de um pensamento gráfico. Porém, tem coisas que eu fiz só para serem lidas, mas que acabei musicando meses depois. como também tem letras de canções que viraram poemas autônomos, como fiz nesse livro. Retirei um fragmento de uma letra de música e deu o poema 'o seu olhar'. Essas coisas acontecem pois também aí há essa intersecção entre terrenos que pertencem ao trabalho com a palavra em si. Existe um diálogo entre as atividades. Mas, em geral, o destino da coisa já vem impregnado na origem dela, seja letra de música ou poema. Às vezes, eu já faço letra e música juntos";
Fonte: revista Cult (S.Paulo), nº 4, nov. 1997 - Heitor Ferraz
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