“Minha escrita se divide basicamente em dois registros, cada um com suas manias específicas. Poesia: costumo escrever à mão, em folhas A4 já usadas do outro lado, quase sempre despojos de algum concurso literário do qual fui jurado. Para assinalar que este texto do verso não está valendo, risco a folha de cima a baixo, com um único traço tenuemente oblíquo. As primeiras anotações, porém, costumam ser feitas em qualquer pedaço de papel que eu tenha à mão, mas com alguma predileção por guardanapos, papéis higiênicos e bordas rasgadas de páginas de revistas ou jornais. Contudo, já anotei expressões ou versos inteiros, a serem desenvolvidos posteriormente, em extratos bancários, bulas e caixas de remédio e mesmo, com alguma dificuldade, em sacos plásticos. Gosto que minha poesia tenha sua origem nessa materialidade algo bruta e reles, em meio aos restos disso que podemos chamar, não sem ironia, de ‘nossa civilização’. Crítica: tudo começa em anotações normalmente realizadas em folhas A4 (também recicladas) dobradas ao meio para caberem dentro dos livros que estou lendo. Ultimamente, também tenho feito muitas anotações na rua, enquanto caminho, em pequenos cadernos (costumo ter canetas específicas para cada caderno: no meu atual caderninho amarelo Tamoio, só uso hidrográficas Stabilo de ponta média vermelha, verde ou cinza). Todas essas notas são depois transcritas num arquivo .doc (e não .docx) de nome idêntico ao do texto que tenho de escrever, mas seguido da palavra ‘materiais’ entre colchetes (por exemplo, se o arquivo principal se chamar ‘CURTIUS Num instante de perigo’, o arquivo-base será ‘CURTIUS Num instante de perigo [materiais]’). A versão inicial do texto, ainda muito rudimentar, resultará da montagem desses materiais. Desde meados deste ano, só tenho escrito textos críticos na fonte Garamond corpo 12. A entrelinha tem de ser simples. O zoom deve estar em 210%. Preciso também que o Houaiss eletrônico esteja aberto numa janela à direita das janelas do Word – e que ninguém esteja olhando por cima do meu ombro (se estiver sentado ao meu lado, sem problemas). Manias finais: costumo levantar e caminhar pela casa quando um texto empaca, e lavo as mãos seguidamente enquanto estou escrevendo – mesmo que o computador esteja limpo e minhas mãos impolutas.”
Fonte: http://michellaub.wordpress.com (23/10/2012)
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