"Quando começo um romance, escrevo vários trechos que não me levam a parte alguma. Deixo-os de lado, prendo-os com tachinas em um quadro com a intenção de usá-los mais tarde. Bem no princípio de Common prayerescrevi um trecho sobre Charlotte Douglas, umas duas páginas das quais gostei, mas não encontrei um lugar para elas. Várias vezes peguei essas páginas e tentei encaixá-las em lugares diferentes, mas isso quebrou a narrativa; não cabiam em lugar algum, mas eu estava resolvida a usá-las. Finalmente, encaixei-as na metade do livro. É possivel livrar-se de certas coisas na metade do livro. As cem primeiras páginas são bstante difíceis, partiucularmente as quarenta primeiras. Você precisa se certificar que tem os personagens que necessita. Isto é o mais complicado... Tenho um ritual de trabalho: preciso ficar uma hora sozinha antes do janter, com um drinque, para conferir o que foi feito durante o dia. Não posso fazer isso no final da tarde, pois ainda estou muito ligada ao que acabei de escrever. E, também, o drinque me ajuda, me distancia das páginas. Então, passo esse tempo removendo umas coisas e acrescentando outras. No dia seguinte, começo por refazer tudo, seguindo as anotações feitas na véspera à noite. Quando estou realmente ocupada ocupada com o trabalho, não gosto de sair ou de ter convidados para jantar, pois nesse caso estaria perdendo esses momentos... Começo sem nada, sem pessoas, tempo nem história. Possuo apenas o sentido técnico do que quero fazer. Por exemplo: quero escrever um romance bem longo, 800 páginas. Quero um romance de 800 páginas precisamente porque acho que um romance deve ser lido de umasó vez. Quando se demora alguns dias ou algumas semanas para ler um romance, perde-se o fio condutor da história, as interrupções pertubam a história. Assim sendo, o problema é escrever um romance cujos filamentos sejam tão fortes que nada possa ser rompido ou esquecido. Imagino se não terá sido isso que García Márquez fez em seu O outono do patriarca. Não o quero ler porque é provável que ele tenha feito isso, mas dei uma só olhada e parece que foi escrito em um só parágrafo. Um parágrafo. O romance inteiro. Amei essa idéia... Eu preciso de uma hora sozinha antes do jantar, com uma bebida, para repassar tudo o que fiz naquele dia. Não posso fazer isso no final da tarde porque ainda estou muito envolvida com tudo. Além do mais, a bebida ajuda. Isso me remove das páginas. Eu passo essa hora removendo algumas coisas e adicionando outras. Então eu começo o próximo dia refazendo tudo o que fiz no anterior, seguindo as notas que tomei nesta hora. Quando estou realmente trabalhando, não gosto de sair nem ter ninguém para o jantar, senão eu perco a hora. E se eu não a tenho e começo o dia seguinte com somente algumas páginas ruins e nenhum lugar para ir, fico desanimada. Outra coisa que preciso fazer, quando estou perto do final do livro, é dormir no mesmo quarto que ele. Esse é o motivo de eu ir pra casa em Sacramento para terminar coisas. De alguma forma, o livro não sai quando você está dormindo bem ao seu lado. Em Sacramento, ninguém se preocupa se eu apareço ou não, eu posso simplesmente acordar e começar a escrever."
Fonte: Escritoras e a arte da escrita: entrevistas da Paris Review. R. Janeiro: Gryphus, 2001.