“Nos meus primeiro livros, eu tinha um ritual curioso: eu somente conseguia escrever com caneta e em folhas de papel jornal (aquele amarelado, que hoje nem sei se ainda se encontra nas papelarias). Se fosse um papel branquinho, eu travava. Se eu sentasse diante do computador, mais bloqueado eu ficava. Até que comecei a escrever meu primeiro romance. Lá pela página 100 do manuscrito, naturalmente redigido numa caligrafia hieroglífica, pensei: depois eu vou ter de passar tudo isso a limpo e, ainda por cima, entender o que eu escrevi meses atrás? Então, o ritual foi extinto, e as idéias passaram a fluir normalmente diante do teclado e do monitor. Mas um outro ritual, que vinha da mesma época, permaneceu. O cinema tem uma influência muito grande no meu trabalho e eu levo isso aos detalhes: eu escrevo sempre ouvindo trilhas sonoras instrumentais de filmes. Não adianta colocar um jazz, uma música clássica, uma MPB. Não funciona. Tem de ser trilha de filme. Mas suspeito que esses rituais acabam sendo tentativas de manter sob controle meu maior problema: a indisciplina. O trabalho no qual obtenho minha sobrevivência (que, claro, não é a literatura) ocupa os meus dias quase inteiros. A maior parte do tempo que sobra dedico à minha família. O que resta é disputado entre escrever, ler, ver um filme, encontrar com amigos, não fazer nada, etc. E nos raros momentos em que consigo me obrigar a me sentar para escrever, preciso o tempo todo fiscalizar minhas mãos para que o mouse não abra a internet, vá organizar pastas de arquivos ou fique simplesmente brincando com a setinha do cursor na tela.”
Fonte: http://michellaub.wordpress.com (23/10/2012)
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