“Tenho poucas manias. Escrever é uma delas. Eu crio manias em cima dessa mania. Só escrevo roteiro com fonte courier. E literatura, fonte verdana. Daí eu respiro, paro em frente a folha branca, ameaçadora, estendo as mãos e agito os dedos nervosamente pelos teclados. Enfim, sai uma primeira frase. Acredito que ganhei o caminho e me levanto da mesa, tomo um banho, porque só escrevo se eu estiver limpa e com a franja imperiosamente penteada. Quando acerto muito na produção, resolvo logo ir para o bar. Sento lá na mesa, toda entusiasmada, sei que faço parte da confraria. As vezes grito: hoje quem paga sou eu. Com todos à minha volta, amigos, desconhecidos, cachorros perdigueiros e mulheres de batons comunistas vermelhos, penso: tudo isso é muito chato. Começo a me coçar. Saco meu caderno do bolso e rabisco. Em poucos minutos estou no táxi. Num tom de urgência, peço uma caneta pro motorista e reclamo que a minha já não presta mais. Saio batendo a porta do carro e as vezes esqueço de pagar. Sento em frente ao computador e recomeço de onde parei, com as devidas anotações. No começo, é proibido falar com os outros e atender telefone. Mas, assim que eu tenho a história já posso ligar pros meus amigos do bar e convidá-los para terminarem a noite na minha casa. E é assim, no meio da festa, que eu me divido entre o texto e os acontecimentos reais. Todos vão embora e eu continuo. Horas e horas mexendo e remexendo. Se eu tenho a história, posso escrever na banheiro, em casamentos e funerais, a menos que o padre não fale muito. Quer dizer, escrever é muito difícil. Porque é difícil começar, tomar coragem. Mais difícil é parar. A melhor parte é olhar o feito, e depois dormir, vinte das vinte e quatro horas do dia. E acordar com um semblante melhor do que o dos gatos.”
Fonte: http://michellaub.wordpress.com (23/10/2012)
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