“Acordo e escrevo cedo, de preferência, no mesmo local em que trabalho, o escritório que montei em meu apartamento, no Centro de Curitiba. Antes de redigir meus contos, tenho o hábito de estruturá-los à mão, do começo ao fim, em blocos de papel barato e letra inadvertidamente cifrada, herança, vício ou defeito da minha época de repórter de rua. Só depois que planejo toda uma narrativa, sento ao computador, os esquemas rabiscados ao alcance do olho. Bebo água, e muita. Durante um dia de trabalho — quando consigo tirar um dia para isso, algo raro —, tomo várias xícaras de café. Durante o processo, um exagero: o que escrevo vira o assunto da casa. E um perigo: esqueço de comer, invariavelmente. Mas a fome não me atrapalha. Ouvir música, por outro lado, bloqueia minha escrita. Como sou músico, é difícil me concentrar noutra coisa quando há música, boa ou ruim, por perto. Prefiro o silêncio, claro. De qualquer forma, morando a duas quadras da Boca Maldita, no coração de uma cidade grande e às vezes histérica, me contento e consolo com uma quietude apenas relativa. Preciso, muitas vezes, escrever com as janelas fechadas e, dependendo do barulho que se faça lá fora, de propaganda política a brigas entre flanelinhas, com as persianas também, no escuro da manhã. Se estiver quente — e o calor curitibano é camarada —, um ventilador debaixo da mesa resolve. Se estiver frio e úmido, paciência. Superstições, quem me dera tê-las e escrever protegido da própria vaidade, colares de figas e conchas no pescoço, pingentes de ferradura, crucifixo numa orelha, incenso na outra, e a tela do computador interditada à burrice.“
Fonte: http://michellaub.wordpress.com (23/10/2012)
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