“É de se supor que um sujeito que leva onze anos entre a publicação de uma novela e um romance não tenha qualquer ritual para escrever – já que, também como se pode imaginar, não há exatamente um rotina de trabalho. Ou que, ao contrário, tenha todas as manias possíveis e imagináveis – o que faz dos preparativos para a escrita uma rotina que eventualmente não deixa tempo para a escrita. Queria ser Bartleby para não escolher nada, mas aqui tenho que marcar as duas opções. Quando acho algo para trabalhar, um fiapo de ideia, e em geral é fiapo mesmo, vem o ritual particular: fico me alimentado de leituras, as mais diversas, quase sempre de não-ficção, que só na minha cabeça podem nutrir aquela sugestão para ficção. Não é pesquisa, é vagabundagem mesmo – que inclui muita caminhada na praia matutando as conexões possíveis e impossíveis entre essas leituras e, eventualmente, a forma de uma frase. Escrever, propriamente, escrevo em qualquer lugar – quem trabalhou ou trabalha em redação consegue se isolar sem silêncio ou carneirinhos em volta – e, ultimamente, em caderninhos que sempre colecionei e, sabe-se lá porque, pouco usava. Neles, misturo tudo: lista de tarefas do dia, contas, compromissos de trabalho, ideias, citações copiadas e até trechos quase prontos. Um dia, sem muito aviso, tudo isso vai se juntar a arquivos de Word e emails. E aí começa o trabalho.”
Fonte: http://michellaub.wordpress.com (23/10/2012)
"Como tenho pouca regularidade, tenho pouca clareza sobre um 'processo'. Do amor ausente foi rápido e doloroso, escrito em quatro meses, movido por uma crise pessoal e por uma vigilância para me afastar ao máximo da linguagem jornalística — o que fez bem e mal ao livro. Se um de nós dois morrer foi produto de outras vivências com a literatura e acho que aí se desenhou uma forma de trabalho: ainda que sem fazer “pesquisa”, eu tenho uma fase pesada de acumulação de leituras. Quando está ruim de segurar tanta referência, de toda ordem, começo a botar no papel, desordenadamente e quase sempre a conta-gotas — e, para minha própria surpresa, muitas vezes à mão, em caderninhos. Em O que é a filosofia?, o Deleuze e o Guattari dizem que a criação de conceitos obedece a três etapas: a imanência, a insistência e a consistência. Eu diria que escrever para mim é imergir-se em referências de toda a ordem (criar um campo de imanência), insistir que dali vá sair alguma coisa com vida própria e, finalmente, trabalhar para alicerçar situações e personagens.
(Fonte:
Rascunho (Curitiba), em outubo de 2011.
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