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A casa
Margarete Hülsendeger
Há duas formas para viver a sua vida.
Uma é acreditar que não existe mlagre.
Outra é acreditar que todas as coisas
são um milagre
Albert Einstein
Sem estrelas, o céu parecia mais negro que o normal. O vento soprava forte, levantando as folhas do chão e sacudindo os ramos das árvores. Fazia frio.
Com a ventania, o portão de ferro da casa abriu-se com um rangido. Logo na entrada, uma casinha – parecendo de bonecas – com a porta pintada de vermelho era mantida fechada. No entanto, pelo lado de fora, no chão, resguardados do vento, ardia uma vela vermelha e pedaços de carvão, em um defumador, queimavam exalando um cheio forte a ervas.
Logo adiante, outra porta dava passagem para um jardim. Rosas, jasmins, crisântemos, alamandas e gerânios estavam dispostos em diferentes canteiros, formando um corredor florido e perfumado. Pequenas lâmpadas colocadas entre as flores e os arbustos quebravam, com um pouco de luz, a escuridão da noite. Os únicos sons eram os do vento e dos pequenos insetos movendo-se entre as plantas. De resto, tudo era silêncio.
Em meio ao jardim existia uma escada de pedra. Seus degraus eram estreitos e gastos pelo uso contínuo. Descendo, a paisagem se alterava. No lugar dos roseirais encontravam-se mudas de hortelã, manjericão, alecrim e arruda. Em vez de jasmins, crisântemos, alamandas e gerânios, vistosos tomateiros, pés de couve e de alface. Ao perfume das flores misturava-se o aroma das verduras e ervas.
Mais à frente, outra escada de pedra. Subindo, outra porta. Ela dava passo para uma sala. Velas de diferentes tamanhos e cores iluminavam de forma difusa o ambiente. Nas paredes brancas, vários quadros, representando guerreiros, deuses e deusas com as mais variadas expressões, encontravam-se pendurados. Sobre cada pintura havia uma pequena prateleira onde vasos com flores eram mantidos.
No centro da sala, um altar se erguia. Nele, imagens em gesso e resina, descansavam sobre uma toalha branca. Vasos contendo crisântemos brancos, amarelos e azuis enfeitavam o lugar. Espalhadas sobre um tapete vermelho havia várias bandejas contendo doces, frutas, enfeites, flores e velas.
De repente, o silêncio da noite foi quebrado pelo som de um tambor: tum-tum, tum-tum, tum-tum...
As imagens, sobre o altar, permaneceram rígidas em suas posições. Tum-tum, tum-tum, tum-tum. Dentro da sala, algo invisível, imaterial, começava a se mover. Tum-tum, tum-tum, tum-tum. As luzes das velas tremeram. Tum-tum, tum-tum, tum-tum. A sala ficou carregada de uma energia provocando vibrações estranhas nas paredes. Tum-tum, tum-tum, tum-tum. Os guerreiros e guerreiras dos quadros davam a impressão de que a qualquer momento começariam a dançar. As chamas das velas tremeram mais uma vez. O som do tambor ficou mais forte. Tum-tum, tum-tum, tum-tum. Um clarão iluminou as paredes brancas da sala. Tum-tum, Tum-tum, Tum-tum. O tambor parou. As bandejas estavam vazias.
Na noite escura, o vento gelado continuava soprando. Porém, na casa, tudo, novamente, era silêncio.
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Margarete Hülsendeger
Cronista e contista gaúcha, colabora regularmente com as revistas "Entretextos", "Virtual Partes"; os sites "Argumento. Net", "Portal Literal" e "Tiro de Letra
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