Em outubro de 1983 ingresso na CMTC-Companhia Municipal de Transportes Coletivos, a maior empresa de transporte público sobre pneus do mundo. Como ocorrido noutras vezes, não sou registrado como bibliotecário. Me colocaram como Encarregado de Administração, de modo a compatibilizar com a remuneração requerida. Entrei achando que ia trabalhar com Seishun, que ocupava o cargo de vice-presidente. Mas logo no primeiro dia ele me disse que eu trabalharia com Gilberto, na Diretoria de Desenvolvimento. Uma nova área criada há pouco para dinamizar a velha empresa. Na conversa que tive com Gilberto, vimos que a CMTC não dispunha de uma biblioteca técnica. Tinha uma biblioteca jurídica, de tamanho razoável, só para atender os advogados, que eram mais de 300. Ficava no 3º andar ao lado do Departamento Jurídico.
É óbvio que uma empresa de transporte público precisa de uma biblioteca especializada em transportes, e essa ficou sendo minha tarefa. Fiquei instalado no espaço da biblioteca jurídica ao mesmo tempo que “chefiava” a bibliotecária e o auxiliar existente e providenciava a organização de uma biblioteca técnica. Meu cargo de chefia entre aspas se justificava porque a bibliotecária estava lá há anos e eu fui orientado a me harmonizar com ela, exercendo uma supervisão light. Neste particular não houve problema algum, a Marilda era uma funcionária exemplar e não colocou nenhuma objeção à minha chegada. Eu, por outro lado, nunca fui um chefe nos moldes tradicionais, de modo que nossa convivência transcorreu numa boa.
Enquanto adquiria livros, revistas e publicações em geral para compor o acervo, procurei as colegas bibliotecárias da CET, METRÔ, ANTP, FEPASA, RFFSA, DERSA e IPT no intuito de criarmos uma comissão de bibliotecários especializados em transporte público, junto a APB-Associação Paulista de Bibliotecários. A APB mantinha essas comissões temáticas com reuniões semanais em sua sede, na Rua 13 de Maio, a 150 metros da sede da CMTC. Assim foi criada em 1984 a CBITU-Comisssão de Bibliotecários em Transportes Urbanos, com a finalidade de intercambiar experiências e material bibliográfico. Um dos primeiros trabalhos foi a edição mensal de um “Sumário de Periódicos”, onde divulgávamos os sumários das revistas estrangeiras assinadas pelas bibliotecas integrantes. A publicação era editada em xerox pela CMTC e distribuída, numa certa quantidade de exemplares, às empresas. As bibliotecas das empresas, por sua vez, distribuíam o Sumário de Periódicos entre seu corpo técnico, os quais solicitavam cópias dos artigos de interesse.
A experiência do Sumário foi interessante. Durou pouco mais de um ano, mas não progrediu devido a dificuldades operacionais. Na época não tínhamos computadores e todo o trabalho era feito manualmente e distribuído via correio. A intenção era promover uma economia com assinaturas de revistas estrangeiras através de um sistema cooperativo (a CBITU), onde as empresas adquiriam a assinatura de apenas algumas revistas. Juntando todas as empresas e todas as revistas, teríamos o uso compartilhado de um bom acervo de revistas importantes. Mas economia de recursos nunca foi uma preocupação das empresas públicas, e assim o Sumário de Periódicos foi encerrado. A CBITU continuou com suas reuniões semanais, intercambiando publicações, informações e experiências, enquanto não surgia outro projeto cooperativo.
Nesse meio tempo, Gilberto mantinha freqüentes reuniões com Gaetano Ferolla, antigo funcionário, já aposentado, da CMTC. Fiquei sabendo que eles tramavam a criação de um museu do transporte público. Em fins de fevereiro de 1985 ele me chamou e deu uns 15 dias de prazo para “criar” uma biblioteca para o museu. Foi um “Deus nos acuda” para encontrar, adquirir os livros e publicações e organizá-los para compor o acervo da biblioteca do museu, que seria inaugurado no mês seguinte. Corri os sebos de São Paulo e encontrei alguns livros, muitos deles não sobre transportes, mas sobre a história da cidade de São Paulo. Em contato com Waldemar Corrêa Stiel, autor do livro História dos Transportes Coletivos em São Paulo, conseguimos mais alguns livros específicos; em bancas de revistas antigas consegui alguns exemplares sobre o transporte público em São Paulo. Faltava encontrar um exemplar de 1962 da revista “Quatro Rodas”, contendo uma extensa matéria sobre o primeiro ônibus fabricado no Brasil, o “Mamãe-me-leva”. Sem dúvida, um documento importante para a Biblioteca do Museu. Encontrei-a após vasculhar durante meio dia uma enorme pilha de revistas antigas numa banca do Largo São Francisco.
Para a inauguração, consegui junto a Diretoria da Biblioteca Mario de Andrade, alguns exemplares de livros sobre a história São Paulo e seus transportes apenas para demonstração; elaborei um “folder” apresentando a Biblioteca e seu pequeno acervo, para distribuição aos visitantes. Em 20 de março de 1985 foi inaugurado o Museu com toda pompa e circunstância exigida para o momento, com a presença do Prefeito Mario Covas e demais autoridades locais. A pequena sala da biblioteca trazia “todo” seu acervo bem espalhado, e eu postado diante deles na condição de bibliotecário. Seis anos depois, em setembro de 1991, passou a ser chamado de “Museu do Transporte Público Gaetano Ferolla, com o falecimento de seu mantenedor.
Enquanto isso, a CBITU, na busca do que fazer além do intercâmbio mantido entre seus membros, partiu para outro trabalho: fazer um grande levantamento dos projetos e estudos publicados no âmbito das empresas de transportes urbanos e trabalhos apresentados em eventos (congressos, seminários, simpósios, reuniões etc.). Demos um nome pomposo ao trabalho – "Documentação Nacional dos Transportes Urbanos" e estabelecemos que para sua realização seria preciso o apoio e patrocínio institucional. O trabalho durou em torno de um ano, contando com a participação direta de todos os (as) bibliotecários (as) integrantes da CBITU. Logo após iniciado, fui buscar apoio junto a EBTU-Empresa Brasileira de Transportes Urbanos e CODEDOC/MT-Coordenadoria de Documentação do Ministério dos Transportes, em Brasília.
Saí de Fernandópolis, junto com meu filho Juliano de 7 anos; fomos até São José do Rio Preto, de carro; pegamos um pequeno avião até Ribeirão Preto, e daí partimos para Brasília num minúsculo avião lotado com apenas sete pessoas contando com o piloto e co-piloto. Fomos num vôo baixinho, que dava para ver os automóveis nas rodovias numa velocidade um pouco menor que o avião. Em Brasília, procurei o apoio e participação da CODEDOC para dar um aspecto oficial ao projeto, bem como de suporte informacional, o que obtive prontamente. Na visita à EBTU, na busca de patrocínio editorial ao projeto, levei comigo o Juliano e passei meia hora conversando com o Diretor de Planejamento com um olho nele e outro no Juliano que ficava correndo pela grande sala e mexendo no que encontrava. Como se vê, foi uma visita em busca de apoio editorial, mas pouco profissional. Não obstante o fato, a EBTU, interessada em maior visiblidade, topou editar o projeto. Faltava apenas o patrocínio financeiro para custear o trabalho dos bibliotecários e despesas com correio e materiais. Quem poderia financiar o projeto? A FINEP-Financiadora de Estudos e Projetos, é claro. Botei gravata e paletó numa das pouquíssimas vezes em minha vida profissional, e fui até o Rio de Janeiro conseguir o patrocínio.
Para concluir sobre o projeto, terminamos o levantamento, mas a EBTU foi extinta logo em seguida. Procuramos outras empresas interessadas na edição e não encontramos. Assim, o único resultado concreto que o projeto rendeu foi um artigo que eu publiquei na Revista de Biblioteconomia de Brasília (vol. 17, nº 1 pp. 89-98, jan./jun. 1989) relatando todo o trabalho. Tal publicação serviu, também, para prestação de contas à FINEP, que exigia a entrega de algum produto decorrente do projeto. Mas nessa época eu já estava no 14º emprego, tema do próximo capítulo.