10º Emprego:
Cícero da Mata
Conforme visto no capítulo anterior, aqui começa a história da CET-Companhia de Engenharia de Tráfego. Em novembro de 1976 nos instalamos no prédio da Av. Nações Unidas, Naquela época, um lugar distante, mas que já apresentava sinais do que viria a ser anos depois com o Shopping Villa Lobos. Trata-se de um prédio de três andares ligados por uma larga escadaria central. É importante destacar esta escadaria, porque foi aí que, inicialmente, se instalou o Centro de Documentação e Informação-CDI, como veremos a seguir.
Ao chegarmos ao prédio, os setores foram se instalando e eu comecei a reunir os estudos e projetos desenvolvidos pela empresa. Em pouco tempo já tínhamos meia dúzia de armários cheios de documentos técnicos juntamente com alguns livros e revistas que começavam a chegar. Tais armários ficavam localizados na Superintendência de Projetos Especiais, chefiada por Seishun, mas precisávamos de um local apropriado para instalar o CDI. O acervo de documentos crescia rapidamente e não dispúnhamos do local onde alojar os armários. Reclamei com Seishun sobre o fato de ele ter determinado a criação da melhor biblioteca de engenharia de tráfego, mas que não dispunha de local para isso. Mostrei para ele a larga escada e falei, num tom de brincadeira, que poderíamos ocupar metade daquela escada com os armários. Ele riu e saiu falando:
- Sabe que não é má idéia!
Eu captei a mensagem e ocupei metade da escada com os armários. Depois chamei-o e mostrei como ficou instalado precariamente o CDI. Ele chamou o Diretor Técnico, Elmir Germani, e o presidente da CET, Roberto Salvador Scaringella, para verem a “beleza” de biblioteca que nós tínhamos. Com isso, em uma semana conseguimos outro local para o CDI e contratamos uma bibliotecária. No ano seguinte a Superintendência do Seishun estava superlotada de projetos e ele não podia mais me atender diretamente. Colocou o CDI subordinado a Assessoria de Projetos Especiais, chefiada por Gilberto Monteiro Lehfeld, nosso antigo colega dos tempos do Metrô. O Gilberto, com seu estilo alemão de gerenciar, tocou fogo no CDI e me fez trabalhar mais do que eu estava acostumado. Instituiu um “Informativo Dário” interno, para comunicar todos os eventos e fatos ocorridos na CET e no trânsito da cidade de São Paulo, e me obrigou a mandar todo dia uma notícia para o Informativo. Eu perguntei: Mas, Gilberto, e o dia em que não houver notícia?
- Você inventa! Oras
Não era apenas uma resposta curta e grossa, era uma ordem. Assim todo e qualquer novo documento ou publicação que chagava no CDI eu redigia um resumo e enviava ao Informativo. Depois ele criou um veiculo quinzenal para divulgar os projetos da CET intitulado “Notas Técnicas CET ” e me informou que a idéia era fazer com que os técnicos escrevessem sobre os projetos em andamento e que a biblioteca teria um importante papel nisso, fornecendo material informativo aos técnicos. Sergio Barnabé, que já havia criado o logotipo da CET, criou o logotipo da Nota Técnica. Para vencer a timidez e a falta de tempo dos técnicos, Gilberto contratou uma uma revisora e colocou um desenhista à disposição para ajudá-los. ueria que a cada 15 dias saisse uma NT e assim foi feito. Ao mesmo tempo, pediu para que eu redigisse uma “Nota Técnica” explicando o que era CDI, o que tinha como acervo e quais os serviços prestados. Desse modo, saiu a terceira NT em janeiro de 1978, e sua publicação periódica se mantém até hoje.
Assim, o CDI passou a ser utilizado intensamente pelos técnicos e ampliar seu acervo. Em pouco tempo passou a conter o maior acervo de informações sobre engenharia de tráfego no País. Passamos a receber as melhores revistas especializadas do mundo e as publicações seriadas dos grandes centros de estudos e pesquisas de tráfego da Europa e Estados Unidos. Em seguida Seishun criou outro veículo, agora mensal para divulgar mais detalhadamente os projetos da empresa: “Boletim Técnico da CET”. Para isto contratou um editor, Paulo Condini, que preparava os originais e encaminhava à gráfica. Esta publicação teve mais de 40 números e, além de servir como registro da tecnologia que estava sendo criada, ajudou bastante ao CDI adquirir revistas e boletins de entidades estrangeiras na base da permuta.
No ano seguinte estava programada a visita à São Paulo de um especialista francês em segurança viária, o Sr. Christian Gerondeau, o “Monsieur Securité”, presidente do Comité Interministériel de la Sécurité Routiére Antes disso, Gilberto – que seria seu cicerone – me pediu para fazer um grande levantamento bibliográfico, com ênfase em artigos de revista, sobre o tema. Fizemos o levantamento e, ao preparamos o volume, ele me perguntou onde seria colocado o índice analítico.
- No final da publicação, é claro!
Ele contra-argumentou que podia ser claro, mas era chato demais aquele “vai-e-volta” do índice ao texto e vice-versa,, caso o leitor quisesse consultar diversos documentos. Ficou pensativo por um instante, mas logo deu um soco na mesa.
- Encontrei! O índice vai ficar no verso da “orelha” da publicação
Realmente, sua descoberta foi fenomenal. Preparamos o índice e colocamos no verso da “orelha”, que ao ser desdobrada, permitia a consulta simultânea ao índice e ao conteúdo da publicação. Demos o nome de “índice orelha” e mais tarde redigi um artigo sobre a descoberta, que foi publicado no Boletim da ABDF-Associação dos Bibliotecários do Distrito Federal. A invenção de um novo local para o índice agradou no meio bibliotecário. Eu cheguei a utilizá-lo em publicações de outros lugares onde trabalhei, e 12 anos depois resolvi reescrever o artigo, rebatizando a invenção como “índice de consulta simultânea”, e publiquei-o na Revista Ciência da Informação (vol. 21, nº 3, 1992), do IBICT-Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (http://revista.ibict.br/index.php/ciinf/article/view/1314/945).
Por essa época eu passei a me envolver com o movimento associativo dos bibliotecários. Conheci algumas pessoas da Biblioteca da Fundação Getulio Vargas e outras bibliotecárias mais politizadas, como a Miriam Botassi e Vera Tokairim. Na Biblioteca da GV começamos a ter algumas reuniões com a intenção de criar uma associação profissional, o primeiro passo para a criação do Sindicato. Em novembro de 1979, numa Assemblíea ocorrida na sede do Sindicato dos Gráficos, criamos a APBESP- Associação Profissional dos Bibliotecários do Estado de São Paulo, com estatuto e diretoria, onde eu fiquei como tesoureiro e Oswaldo como presidente. Miriam e Vera não entraram na chapa devido ao passado recente, de serem "subversivas". A abertura politica ainda não estava tão consolidada e elas tinha receio de participar de qualquer atividade politica.
A CET continuou crescendo e o CDI ampliando o acervo e incorporando novas revistas especializadas. O setor já podia ser dividido entre Biblioteca e Arquivo técnico, que mantinha organizado o acervo de “produtos da casa”. Em 1979 foi criado o CETET-Centro de Educação e Treinamento de Trânsito, na Av. Marquês de São Vicente, para onde o CDI foi transferido, ocupando uma grande área com sala de leitura, balcão de atendimento, etc. A partir daí o setor toma novo impulso e passa a ocupar um lugar destacado na estrutura da empresa, bem como a se tornar aquilo que Seishun premeditou no inicio da empresa: uma grande biblioteca especializada em engenharia de tráfego.
Tudo corria muito bem, até que em agosto de 1980, ao chegar no trabalho sou barrado na porta pelo segurança, que me pediu o crachá e falou que eu, junto com muitos outros funcionários, estávamos despedidos. Eu demorei a acreditar no que estava ouvindo. Após me recompor, perguntei se eu não podia, ao menos, entrar para pegar meus pertences. Ele me deixou entrar acompanhado de um estafeta para se certificar que eu pegaria apenas o que me pertencia. Limpei as gavetas e ali mesmo telefonei para a sede. Queria avisar o Seishun do ocorrido. Ele atendeu o telefone numa sala que dava para ouvir o burburinho de gente falando alto.
- Mas você também!?
Pois é, eu também junto com ele e mais umas 80 pessoas haviam recebido o cartão vermelho. Já disse que este foi o emprego mais importante em minha vida profissional até mesmo devido a esse incidente. Fiquei tão decepcionado com o modo como fui demitido que a partir daí nunca mais encarei outros empregos da mesma maneira. Por uma casualidade, Gilberto retornou em 1993 como presidente da CET. Nesse cargo deu uma atenção especial ao CDI e impulsionou a informatização dos serviços e acervo da Biblioteca. Em seguida o CDI foi realocado em outro setor na empresa, denominado "Núcleo da Gestão do Conhecimento e da Documentação Técnica–NCT". Um nome apropriado para o órgão que no início proporcionou a gestação do conhecimento na área de engenharia de tráfego, e hoje faz a gestão.
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