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Biografia profissional

1º Emprego:
                      Aprendiz de Vitrinista

Cícero da Mata

              É o que está registrado na Carteira Profissional de Menor, como empregado na Casa dos Presentes, uma fina loja onde se vendia porcelanas, prataria, lustres, faqueiros, bibelôs e diversas utilidades domésticas para presentes, muitas das quais importadas. A clientela escolhia o produto e mandava entregar na casa do agraciado em pacote de presente, é claro. A loja pertencia ao Grupo A.C. Bellizia, uma empresa de joalheria e relojoaria com filiais na Rua São Bento, Av. São João e Barão de Itapetininga. A sede ficava no 8º andar do Prédio Martinelli, onde também mantinham uma fábrica de relógios despertadores. A loja ocupava uma esquina com grandes vitrines de uns quatro metros de frente para o Largo São Francisco e uns cinco metros de frente para o largo ao lado. A entrada pomposa, de portas largas de vidro, ficava exatamente na esquina deste local, onde hoje não há nem sombra do que existia em 1965. Agora o local é um prolongamento do Largo e serve como poço de ventilação do Metrô.
              Auxiliar o vitrinista era uma das minhas funções. Não era a que tomava mais tempo. Só uma ou duas vezes por semana era requisitado pelo vitrinista para ajudá-lo no remanejamento das mercadorias e colocação de outras. A maior parte do tempo era mesmo exercendo a função de auxiliar de expedição e fazendo pacotes de presente para os clientes, atividade que era disputada pelos auxiliares porque sempre rendia caixinha. Os clientes ficavam debruçados no balcão vendo-nos fazer o pacote. Aí, então, caprichávamos na colocação dos fitilhos coloridos, nas dobraduras atravessadas do papel, na colocação do durex, que não podia aparecer na face externa do pacote de jeito nenhum. Quando percebia o cliente observando o capricho, sabia que dali ia sair uma boa caixinha, e, assim ampliava o esmero.
             Auxiliar de expedição é a pessoa responsável pela busca da mercadoria no estoque. A vendedora anota o pedido do cliente, que pode ser apenas uma ou diversas mercadorias, e entrega ao auxiliar para ele expedir aquele pedido. Ele busca a mercadoria nas prateleiras de estoque, prepara a embalagem com serragem ou papel de jornal, acomoda os produtos na caixa e, por fim, faz o pacote de presente sempre na vista do cliente.

              Esse trabalho de preparar pedidos, buscando as mercadorias no estoque veio se repetir no emprego seguinte de um modo casual. Outro trabalho frequente era fazer a entrega dos presentes à domicilio. Numa camioneta, eu e o sr. Pirilo saíamos pelos bairros chiques de São Paulo entregando pacotes de presentes. Muitas vezes levávamos a marmita e, na hora do almoço comíamos na rua embaixo de alguma árvore, pois os pacotes haviam de ser entregues no mesmo dia. Eu gostava desse serviço, porque além de passear pela cidade, que eu não conhecia, ainda recebia gorjeta dos clientes. Certa vez entregamos uns pacotes na casa da Maria Esther Bueno, campeã mundial de tênis.

             Aos sábados trabalhávamos até 1h. da tarde, e o sr. Silvio, o gerente, fazia uma enquete para saber quem ficaria até mais tarde para lavar a loja. Esse trabalho extra era muito disputado pelos auxliares, porque era pago na hora, às 16:30, quando, invariavelmente, concluíamos toda a limpeza. Para isso, ganhávamos cinco cruzeiros, uma ajuda substancial para cair na gandaia no fim de semana. Naquela época não havia balada, era gandaia mesmo.

              Em março de 1966 fui transferido para a "Joiafada", a loja de jóias do Grupo localizada na Barão de Itapetininga, quase esquina com a Praça da República. Era uma boutiqe de jóias e relógios caros; uma pequena loja muito elegante, onde só entrava madame, que eram atendidas sentadas numa poltrona. Aparentemente foi uma mudança para melhor, mas foi só na aparência. Aqui eu tinha que me vestir melhor: camisa dentro da calça, sapato engraxado e cabelo penteado. Quanto a salário, não me lembro de melhoria alguma.

             O serviço era totalmente diferente. Trabalhavam apenas quatro pessoas (eu incluso), e meu serviço era limpar os vidros da vitrine e dos balcões, varrer a loja, servir cafezinho à alguma cliente mais conhecida e, de vez em quando, fazer pacotes quando o Moreira, o balconista, deixava. Se o cliente era conhecido, ele mesmo - um puxa-saco do gerente e dos clientes - fazia questão de fazer o pacote. Se era um desconhecido com aparência mais simples, ele mandava eu fazer o pacote. De modo que ali era o gerente, o avalista, o balconista e eu; logo, não havia perspectivas de progresso. Se eu quizesse me tornar balconista, por exemplo, talvez devesse esperar o Moreira morrer ou sair do emprego. Mesmo assim, isso não me garantia uma promoção. Assim, em março de 1966, parti para o segundo emprego.

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