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Memória

Encontros com Darcy Ribeiro

                                                                                         Rodolfo Konder

 

Darcy Ribeiro não é penas um etnólogo mundialmente respeitado- o que já não seria pouco, principalmente por se tratar de um cientista brasileiro. Ele também é um educador de projeção internacional, neste pais favelado. Mais do que isso. Darcy é um excelente ensaísta, justamente comparado ao mestre mexicano Octavio Paz  pelo jornalista e professor Paulo Sérgio Pinheiro. Mais ainda: é um líder político hábil, hoje na direção nacional do PDT. E, não obstante tantas atividades bem sucedidas e absorventes, revelou-se ficcionista de primeiro time - fato confirmado com a publicação de Utopia selvagem.

A mais recente criação de Darcy é uma fábula travessa, uma história tão absurdamente brasileira que se torna logo versal e indispensável. O tenente do exército Gasparino Carvalhal,  também conhecido como Pitum ou Orelhão, preto do Sul, vai combater numa guerra ao Norte, sempre em busca do Eldorado, e cai prisioneiro das Amazonas. Entre elas, vive a experiência singular de ser procriador único. Mas de repente, tido já por frouxo e covarde, ele é expulso para uma terra de índios - e conhece duas freiras, que lhe dão um avental para que se cubra, pois andava nu sem perceber.

A aventura do preto gaúcho é um salto, um mergulho na alma brasileira, alguma coisa tão marcante, tão divertida e autêntica, tão polêmica e irreverente, que lembra Macunaíma, exige a criatividade de um Mario de Andrade e a força dos grandes autores picarescos. Darcy joga no caldeirão desta fábula as lendas, os sonhos, as indagações do ensaísta, os panfletos do dirigente político, todos os falsos pecado do lado de baixo do Equador. O resultado é uma mistura incandescente, uma obra de fogo que arrebata o leitor.

Conheci Darcy no exilio, em Montevidéu, em 1964. O ex-chefe da Casa Civil de Jango discutia. debatia, analisava o processo que nos afastou do País, sempre empenhado em desvendar seus segredo mais profundos. Trabalhou lá fora em projetos de grande importância. pesquisou, escreveu. Voltou ao Brasil para retomar seu lugar de intelectual infatigável, vencendo todas as batalhas - inclusive contra o câncer. Hoje, de pé como um gladiador invencível, o educador, o cientista, o político nos presenteia com sua terceira obra de ficção (já nos dera antes Maíra e O mulo). O denominador comum entre os muitos livros e os diversos Darcys que coexistem milagrosamente, brasileiramente na mesma pessoa, é o amor à liberdade. Acima e além de tudo o que escreve de bom, paira Darcy Ribeiro, o personagem mais importante de Darcy Ribeiro, defensor dos direitos e da dignidade dos homens - principalmente dos brasileiros.

 

Konder, Rodolfo. Nosso rio barrento e torturado. São Paulo: RG Editores, 2010. p.55          

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