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Memória

 

Encontros com Darcy Ribeiro

Luis Fernando Vitor

     Conheci Darcy em 1961. De lá pra cá, vivemos uma relação de amor-ódio-reparação, como só os amigos que se amam podem ter. Eu sempre me espantava com a sua personalidade, com o seu comportamento: inteligente, criativo, passional, arrogante, narcisista, dono da verdade, trabalhador incansável, autoritário, terno, meigo, criança necessitada de colo. O melhor executivo que conheci (e olha que eu tenho muito tempo de janela nesse métier).

     O Darcy debatia e questionava tudo e todos; do que conhecia muito bem, ao que nada sabia. Eu me lembro que num almoço com ele e Claudinha, sua mulher, nós discutimos acerca da psicanálise. Ele me questionava o fato de estar deitado no divã do psicanalista, afirmando que não havia qualquer traço de ciência na psicologia e seus métodos freudianos. Como eu falava na importância das fantasias e dos sonhos como ferramentas do psicanalista, me contou um sonho seu, que se repetira algumas vezes. Sonhava ele que, num país africano, ele se encontrava no alto de um tobogã com a água descendo em cachoeira, ao lado de Oscar Niemayer. Os dois se masturbavam e seus espermas desciam misturando-se a água e, na sua base, um grupo de mulheres africanas enchiam as mãos e passavam na vagina, engravidando-se. Qual o significado desse sonho? Peguntou-me.

     Evidentemente eu não era - e não sou - conhecedor da matéria. Nem neófito no assunto. Mas me pareceu claro o seu sonho: a sua esterilidade, a sua admiração pelas pessoas inteligentes e criativas, a sua ansiedade em mudar o mundo. E eu disse tudo isso para ele. Emudeceu, ficou pensativo e disparou: "Eu nunca mais conto qualquer sonho para você". E nunca mais questionou, pelo menos na minha presença, a psicanálise.

     Sonhador apaixonado, dedicava-se às suas criações com uma força inexpugnável. Dos seus amigos, em cada momento de suas obras, ele exigia considerações críticas, idéias novas. E não adiantava somente juízo de valor. Esse fazia ele.

     Darcy foi um grande Homem. Um Homem Brasileiro, pelos séculos afora. Eu me sinto gratificado por ter convivido com ele.

     Quando assumiu a cadeira na Academia Brasileira de Letras, fez questão de tirar uma fotografia comigo. Quando me enviou a foto, trazia uma dedicatória, que guardarei como relíquia, que é uma radiografia do Grande Darcy: "Você era meu filho, agora é meu irmão. Daqui a pouco vai ser meu pai (eu pareço nas fotos de barbas brancas, mais velho que ele).

     Eu, tenho certeza, fui tudo isso para ele.

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Fonte: Correio Braziliense, 23/02/1997.

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Luiz Fernando Vitor foi Presidente do BRB-Banco de Brasília