"Não chego a pensar que a crítica literária seja uma ciência. Mas acho que deve tender a se aproximar dos métodos de indagação científica. Observe que a ciência também não se faz sem crítca. Pelo contrário, exige uma constante e infatigável vigilância do espírito crítico. A meu ver, o comportamento do crítico diante das obras e dos problemas literários deve ser o mesmo do cientista em face dos problemas que a natureza e a ciência lhe propõem. No fundo, a crítica literária não joga com outra coisa senão com os fatos literários, e estes, indiscutivelmente, são suscetíveis de uma análise e uma compreensão semelhantes à compreensão e análise científica. É verdade que não há leis regendo a crítica literária, e este é um dos requisitos para a caracterização de uma ciência. Mas não nos esqueçamos que há leis regendo uma série de outros fenômenos que se traduzem em literatura, e cujo conhecimento permite compreender e explicar melhor a obra literária: leis sociais, psicológicas, históricas etc. Evidentemente, o puro impressionismo não resolve coisa alguma. A crítica exige, para ser realmente crítica, uma objetividade incompatível com semelhante sistema. Na minha opinião, compenentrar-se da realidade literária que o livro traz é que é o papel do crítico, e a meu ver ele deve submeter-se à obra analisada e explicá-la para depois reagir. Também não aprecio o dogmatismo na crítica literária, pois para que esta pudesse ser dogmática, seria preciso que existissem dogmas literários e eu não só não conheço como não aceito qualquer dogma. O que há são umas tantas verdades consideradas adquiridas, mas que no fundo estão sempre em jogo. A respeito, nada mais elucidativo que um exemplo de Bertrand Russel: na verdade, não podemos diaer que o Sol nasce e nascerá todos os dias; o que podemos dizer - observa o notável filósofo - é que até hoje ele tem nascido diariamente. Mas quem nos afirma que isso sucederá amanhã?"
Fonte: SENA, Homero. República das letras. R.Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.