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Almanach Literário

Astrologia e política

Manuel Bandeira

   Tenho um amigo que é astrólogo, numerologista e quiromante. Acredita ele piamente que vivemos, os homens, na sujeição inapelável dos planetas. Astrólogos há, é verdde, que entendem de outra maneira: os astros inclinam, não obrigam. Mas para o meu amigo não tem de guereguerê: os astros obrigam. Segundo a sua doutrina, a vida seria horrível de viver se não houvesse na lei fatal a confortadora ressalva de poder o homem aguardar com paciência o momento propício no curso regular dos planetas. Casar-se um velho com um broto, candidatar-se um general a presidente da República - tudo pode dar certo ou errado, depende da posição de Saturno ou da conjunção de Marte e Vênus, tudo é movimento planetário.

   Devo dizer que não faço fé na astrologia, nem muito nem pouco. Mas gostaria de conversar e discutir os seus problemas com meu amigo Às vezes mesmo recebo umas pancadas de susto, quando uma ou outra expressão, minha desconhecdia, surge cabalísticamente na terminologia do astrólogo. Dizia eu um dia: "Mas fulano, você não vê que é absurdo ficarem todos os nascidos em certo mês sujeitos ao mesmo destino"? Ao que ele me respondeu: "Mas há os decanatos". Não procure a palavra nos dicionários, que não a encontram senão nos livros de astrologia: é o espaço de dez dias. Observei-lhe de uma feita que uma certa circunstância era dada por ele como desfavorável na minha vida e favorável na vida do presidente Café Filho. Meu amigo explicou: "É que ele tem, como presidente, poderosos aspectos. Beneficiou-se do trígono em Marte com Vênus, sabe lá o que é isso?" De fato eu não sabia nem o que era trígono. Trígono é o aspecto de dois planetas, cuja distância angular é de 130 graus. Parece que é formidável.

   Em outra ocasião comentávamos o gênio versátil, nervoso, trêfego de certo político. O astrólogo desculpou-o: "Coitado, não tem culpa, ele tem Mercúrio aflito!" Nunca na minha vida imaginei assim o deus da eloquência, do comércio e dos ladrões. Imaginava-o, sim, aligero, irrequieto, astuto. Aflito, nunca! Pois há um Mercúrio aflito, é uma calamidade. Pior só Lua aflita.

   Claro que neste momento de nossa vida política as informações do astrólogo importariam grandemente. Ontem puxei conversa sobre o assunto. Pois bem, saibam os meus prezados problemáticos leitores que as coisas estão pretas. Nem Juscelino, nem Etelvino têm chance. Juarez terá? Teria, se tivesse apresentado a sua candidatura quatro horas antes. Estaria então no trígono. Por quatro horas de dilação caiu na quadratura de Saturno, sabem lá o que é isso?

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Fonte: BANDEIRA, Manuel. Flauta de papel. Rio de Janeiro: Alvorada Edições de Arte, 1957.

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