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Dicionário de Mario Ferreira dos Santos

MOEDA

  É mister, examinemos, previamente, as diversas modalidades de troca, essas operações econômicas, pelas quais os indivíduos e grupos de indivíduos fornecem-se, reciprocamente bens e serviços. Numa sociedade primitiva, a troca é feita sob a forma de um escambo direto de um produto ou de uma prestação de serviços, por outro produto ou por outra prestação de serviços. Esse ato se decompõe, geralmente, em uma venda e uma compra. Com a introdução da moeda, que, no grupo econômico, é um bem que substitui, que representa outros, a troca pode ser feita entre o produto ou a prestação de serviços, pela moeda que pode representar, até certo grau, produtos e prestações de serviços.
   Todos sabem, pois, que a moeda é uma coisa que recebemos em troca de uma mercadoria ou de um serviço prestado, ou que damos em troca de mercadorias ou serviços. Assim, a moeda se torna também uma mercadoria, um sinal representativo concreto. As diversas modalidades de troca tomam o nome de venda, empréstimo com juros, aluguel, depósito e contrato de trabalho.
   Hoje, todos manipulam tão quotidianamente a moeda, que ela, por si só, é conhecida de todos. Sempre se lê nos manuais que a moeda é uma «mercadoria», que serve de «intermediário nas trocas» e de «medida comum dos valores». Que nos leva a pensar tudo isso?
   Realmente foi uma mercadoria na origem. O homem não a inventou. O fato constante de receber uma mesma mercadoria de uso corrente e de fácil conservação como pagamento nas trocas, transformou essa mercadoria em moeda, mercadoria-moeda.
   Posteriormente, ela foi recebida, não por si mesma, mas pela nova troca que ela permitia, tornando-se intermediária das trocas.
   Essa mercadoria trocava-se com todas ou quase todas as outras. Ela, por isso, servia de medida comum de valores.
   Assim tivemos, nas comunidades mais primitivas, o sal, as conchas, o couro, o gado, e mais próximo a nós, os metais preciosos.
   No entanto, nós vemos hoje instrumentos monetários que não tem caráter de mercadoria, como os bilhetes inconvertíveis em metal, que chamamos moeda fiduciária, moeda de confiança (fidutia, em latim significa confiança). Temos ainda hoje exemplos de moeda abstrata, como a chamam alguns economistas, que é a moeda escritural, a que é registrada nos lançamentos de uma conta para outra, de um crédito para um débito, sem necessidade do transporte de notas de uma caixa para outra, como se observa entre os bancos, entre as empresas ligadas entre si, etc.
   A existência de uma moeda fiduciária e de uma moeda escritural, já em nossos dias, nos mostra desde logo que não podemos considerar como essencial (e nesse caso como invariante) do conceito de moeda o ser uma mercadoria.
   A moeda, como todos os conceitos da Economia, tem um sentido, um significado peculiar a cada lanço do progresso dos estudos econômicos. Se no principio foi ela essencialmente uma mercadoria, hoje já não o é, porque conhece variações no seu conceito.
   Que seja ela um instrumento de troca e medida comum dos valoes não resta dúvida.
   Entretanto, além de um instrumento de troca e de medida comum de valoes, quem a recebe aceita-a como meio de pagamento, a titulo definitivo.
   Pode a moeda ser conservada por muito tempo em poder de quem a tem e, dessa forma, pode transformar-se num instrumento de poupança. A conservação dessa moeda por muito tempo traz consigo grandes problemas.
   Há, também, os casos em que fica estipulado pagar um devedor em certo tempo a um credor uma soma de moeda. Essa soma é para o credor uma soma futura. Essa a razão por que alguns economistas consideram que também tl'm ela um papel de acumulador de valor. Dessa forma, pode-se apontar e enumerar as funções da moeda, tais como:
   1) instrumento de troca ou intermediário de troca;
   2) medida comum de valores;
   3) instrumento de pagamento;
   4) instrumento de poupança ou acumulador de valor;
   5) sinal de crédito, de capital, de dinheiro, etc.
   Em suma: sinal de todo valor econômico.
   ANÁLISE - Não se pode compreender nem estudar a moeda sem considerá-la sob seu aspecto intensista e extensista; sem observar seus aspectos qualitativos e heterogêneos e os quantitativos e homogêneos. A moeda é um conceito da Economia e a Economia dá-se na vida, tem suas raízes no que constitui a matéria de outras disciplinas. Estudá-la, por exemplo, apenas sob um dos seus muitos aspectos, autonomamente, é tomá-la abstratamente. Se fixarmos aspectos separados (abstratos, portanto) não devemos, contudo, deixar de conexioná-los entre si, procurando a maior concreção possível, a fim de podermos construir uma visão geral, ampla e segura, do conceito de moeda.
   Iniciemos, portanto, essa análise:
   Concluímos, depois dos estudos já feitos genericamente, que há três espécies de moeda:
   a) moeda-mercadoria (metais preciosos, por exemplo);
   b) moeda fiduciária;
   c) moeda escritural.
   Analisando essas três espécies, podemos ver que estas cumprem sua função como Intermediárias de trocas, como também servem como instrumento de pagamento, como acumulador de valor, ainda como medida comum de valores. como sinal de todos os valores econômicos. Contudo, há diferenças no funcionamento dessas três espécies. Uma moeda metálica pode ser preferida como meio de pagamento a uma moeda papel. O papel moeda foi considerado durante muito tempo como uma mera promessa de pagamento; isto é, o portador" tinha direito a receber seu valo" correspondente em espécies metálicas. Por outro lado, uma moeda fiduciária pode ter um poder de compra variável, enquanto a moeda metálica tem um poder estável. Além disso, a moeda metálica pode ser preferida para a poupança (tesourização, que já. estudamos) .
   Não são poucos os economistas que consideram que só a moeda metálica pode corretamente corresponder a uma comum medida de valores.
   Nessa função é que se usa a expressão padrão monetário.
   Admitamos uma mercadoria que hoje é trocada por uma determinada quantidade de unidades monetárias. Essa mesma mercadoria, num futuro dado, é trocada mas por uma quantidade dupla de unidade monetária (o que se troca hoje por 5, troca-se amanhã por 10). Como instrumento de medida, a moeda cumpriu sua função. Mas, nesse período de tempo, seu poder de compra variou. Dessa forma, torna-se ela, que foi tão bom instrumento de medida, num mau instrumento de poupança. e num mau instrumento de pagamento para contratos a longo prazo; ou seja, num mau acumulador de valor.
   Por isso é que muitos dizem que a moeda é um padrão ”variável”.
   Vejamos ainda outros aspectos interessantes: dizem os economistas em geral que o poder de compra da moeda varia segundo é ela mais ou menos abundante.
   Aceita essa premissa, concluem que a moeda .é causadora das mudanças nos preços, por• ela fielmente registrados. Se tal se dá, não é ela um mau instrumento de medida?
   Tais raciocínios é que levam a afirmar que a moeda fiduciária e a escritural valem na base da sua conversibilidade em moeda metálica, em ouro própriamente é em relação ao metal que se fixariam os preços. Dessa forma, concluem, embora se dê uma moeda fiduciária e uma escritural, a moeda é essencialmente uma «mercadoria:..
   Oferece essa doutrina tradicional diversos fundamentos. Nós comparamos uma mercadoria a outra mercadoria. As moedas desprovidas de uma base metálica mostraram-se incapazes de conservar uma relação de troca estável com as outras.
   Não resta dúvida, e já o frisamos bem, que a moeda, no inicio, era uma mercadoria. Só depois se tornou um elemento intermediário habitual nas trocas.
   Mas essas moedas, com o tempo, tomaram um nome. Chamaram-se dracmas, denários, sóis, escudos, etc. E esses títulos não significaram apenas um nome. Adquiriram um significado e um conteúdo diferentes. Tais nomes deixaram de indicar um peso de metal, para expressar uma unidade monetária. O peso do metal mudou, mas o nome permaneceu o mesmo.
   Esse aspecto subjetivo não deve ser desprezado por quem deseja estudar Finanças, porque a moeda não é apenas em si, mas para nós.
   Há autores que afirmam constantemente que a moeda apenas não foi uma mercadoria e que é, ainda, mercadoria. Quer dizer: é ela sempre mercadoria. As mercadorias destinam-se ao consumo, já vimos, e a moeda destina-se à circulação.
   Ora, a mercadoria destina-se à satisfação de uma necessidade e, nessa função, alegam os economistas contrários, ela desaparece, não podendo, pois,funcionar de novo. A moeda destina-se a extinguir obrigações, a realizar aquisições, estando, portanto, sempre apta a reentrar no fenômeno econômico. Tem uma função dupla: a de reserva e a de medida. Se A deve a B a quantia X, e B deve a C a mesma quantia X, dando A a B em pagamento X, e B dando a C a mesma quantia X, vemos que a mesma moeda passou por várias mãos. Já com as mercadorias não se dá o mesmo. E alegam que é sofisma dizer que qualquer mercadoria, uma peça de fazenda, por exemplo, tenha o mesmo efeito. E o sofisma consiste em que essa peça de fazenda, ao passar por diversas mãos, perdeu sua sua função de mercadoria para transformar-se propriamente em moeda com força liberatória, que é um característico da moeda.
   As moedas reais, metálicas ou fiduciárias, podem ser classificadas em moedas principais e moedas secundárias. As principais são as que têm curso legal ilimitado; isto é, as que o devedor, de acordo e conforme com a lei, pode impor em pagamento ao seu credor qualquer que seja a importância da soma devida. Por ex.: entre nós, o cruzeiro. As moedas secundárias têm curso legal limitado, não podem ser impostas em pagamento senão numa soma determinada, e têm nas trocas um papel acessório, anexo ao que é desempenhado pelas moedas principais.
   Se as moedas principais são ouro ou bilhetes conversíveis em ouro, a moeda secundária, também chamada de moeda padrão. será o ouro. Se forem as principais em prata, a moeda secundária será prata. Quando as moedas principais são constituídas por bilhetes de banco não convertíveis (caso do Brasil), o país estará em regime de papel-moeda padrão (secundária) permaneça em circulação é imprescindível que seu valor intrínseco, o valor do metal que a compõe, seja igual ao valor nominal que lhe é atribuído por lei. Se o valor intrínseco é inferior, será ela uma mercadoria depreciada, de que todos procurarão desfazer-se, transformando-a em outras mercadorias. O mesmo se dá quando. a moeda padrão é um bilhete inconvertível.
   Quanto às moedas secundárias não tem qualquer importância que tenham elas um valor intrínseco inferior ao valor nominal, pois seu papel, como instrumento monetário, é reduzido, tirando elas o seu valor do fato de serem trocáveis por moedas padrões. São elas também fabricadas com metais comuns, o cobre, o bronze, o níquel e ligas, e raramente prata.
   Os bilhetes de banco, emitidos por bancos privados, podem circular entre as partes sem que o Estado torne sua aceitação obrigatória. Diz-se, então, que elas têm curso livre. Quando o bilhete de banco não é mais convertível por decisão governamental, mas deve ser aceito nos pagamentos, tem, então, curso forçado.
   O ouro e a prata - metais preciosos - com os quais se costumavam confeccionar as moedas, têm pouca dureza, e o atrito entre eles condiciona um gasto elevado (usura). Para evitar esse gasto, é que se fazem as ligas com certa quantidade de cobre, que dão maior dureza que o ouro ou a prata puros. A relação entre o ouro e o metal a ele ligado chama-se titulo ou teor da moeda, sendo expressa geralmente em milésimos. Assim, para 1. 000 partes temos 900 de ou'o puro, e expressa-se pela fórmula 900/1000.
   A cunhagem da moeda cabe hoje ao Estado e este, devido às suas costumeiras dificuldades financeiras, tem abusado de seu direito, e no intuito de obter recursos, modificado a relação entre o ouro e a liga. Toda vez que tais abusos se processaram, isto é, quando em um pais circulam peças do mesmo valor nominal, mas de valores intrínsecos diferentes, as peças que têm mais valor intrínseco desaparecem da circulação. São elas tesourizadas, enquanto as moedas mais fracas permanecem em circulação. Essa constatação é conhecida pelo nome de lei de Gresham, e ela se enuncia freqüentemente pela frase: a moeda ruim expulsa a boa. A boa moeda é, por isso, guardada preferentemente, enquanto a má continua em circulação.
   Como já dissemos, o tema da moeda é mais adequado às Finanças, No entanto, são tais as influências e as relações que ela mantém com a Economia, que não bastam os aspectos que acima estudamos. Os dias de hoje, após a segunda grande guerra, são ricos em novos ensinamentos e grandes experiências têm sido feitas que merecem um estudo concreto com outros fatos.
   Queremos frisar, contudo, alguns pontos. Impõe-se que consideremos a moeda em sua relação estreita com a produção, s0bretudo nos países em que a moeda tem curso forçado e não é convertível, bem como sua relação com 8.8 experiências modernas.
   A moeda deve facilitar as trocas, e falha quando não o faz. Ela se deprecia quando ultrapassa a quantidade necessâr1a à troca. Mas, também, ela se deprecia por fatores de ordem qualitativa, quando a moeda não merece a confiança.
   Tais temas, sobretudo no tocante à nossa economia, são importantíssimos, porque entre nós se realizam as mais precipitadas experiências, esquecendo nossos homens públicos de tomarem em consideração fatores subjetivos. A distribuição da moeda, através naturalmente do crédito, é um dos problemas mais sérios do Brasil, porque, entre nós, é o crédito mal orientado. Não se trata de valorizar ou desvalorizar a moeda, trata-se de fazer que ela cumpra sua função econômica, que é facilitar a troca. Se ela realiza essa função, ela vale. Todas as outras tentativas artificiais redundam em grandes prejuízos. Ora, precisamente não é isso o que a nossa moeda apenas faz. É verdade que não podemos também examinar melhor este ponto sem que primeiro estudemos o mecanismo dos preços que, no Brasil, talvez seja o seu maior problema econômico e que é menos atacado de frente, devido aos poderosos interesses criado, que impedem qualquer ação benéfica em bem do pais, sacrificado sempre em beneficio de grupos reduzidos. Tais temas não podem ser desprezados, porque atravessamos um momento grave da nossa história, ao qual teremos um papel a desempenhar, grande ou pequeno, elevado ou ridículo, dependendo apenas de sabermos e querermos de uma vez para sempre enfrentar aqueles que tudo fazem para destruir um melhor futuro de nossa terra, ávidos de lucros imediatos e esquecidos dos interesses do pais, e mais ainda, inimigos até desse futuro.
   SISTEMAS MONETÁRIOS – A moeda pode ser considerada como moeda-mercadoria, como fiduciária e como escritural.
   Os sistemas de moeda metálica caracterizam-se pelo emprego simultâneo de diversos metais. A moeda de banco caracteriza-se, então, pela sua convertibilidade em um ao menos desses metais,
   A maior parte da moeda, hoje, é feita de papel, e apenas a moeda divisionária, para trocos, é feita de metal ou de ligas metálicas, de caráter acessório.
   O uso do metal como moeda vem de um longo passado. Usou-se o cobre, o chumbo, a prata, que circulavam em forma de lingotes, avaliados segundo o seu peso.
   Finalmente, as moedas foram cunhadas, isto é, marcadas com um sinal de valor, não necessitando, naturalmente, ser mais pesadas para a sua avaliação, ou pelo menos permitindo que a sua aceitação fosse mais fácil, cumprindo, assim. sua finalidade, que é facilitar trocas.
   Hoje não se usa como moeda corrente o ouro nem mesmo a prata, substituídos pelo papel-moeda, que facilita mais o transporte. Desnecessário se torna dizer dos motivos da escolha dos metais como moeda, pois já o explicamos anteriormente.
   Os antigos sistemas monetários são essencialmente sistemas de moeda metálica. O Estado comprava metais, amoedava-os, e tarifava as espécies. Posteriormente, como já vimos, admitia-se a cunhagem livre. Recebia o Estado os lingotes dos particulares e os restituía sob a forma de moeda cunhada. Devolvia-se peso por peso, cabendo ao Estado uma pequena parcela para cobrir as despesas da cunhagem, dando-lhe o titulo ou teor da moeda, expressa, geralmente, em milésimos, pois se toma como referência o quilograma. Assim, quando se diz ouro de 900 milésimos ou 900/1000, quer significar que em 1.000 partes da liga monetária há 900 partes de ouro.
   O metal escolhido como a base de um sistema monetário se chama metal-padrão.
   Onde é apenas um metal que serve de padrão, temos o monometalismo. Em regra geral é o ouro. Quando há dois metais (ouro e prata, por exemplo), temos o bimetalismo ou sistema de duplo padrão. O monometalismo temos na Inglaterra, e o bimetalismo, tivemos na França, na Suíça, no México, etc. Na Índia tivemos o monometalismo, mas apenas da prata.
   PAPEL-MOEDA - Pode-se distinguir três espécies de papel-moeda:
   1) Certificados, como os gold and silver certificates dos Estados Unidos. São declarações impressas em papel, que não são moeda papel, senão na forma exterior, pois representam, estritamente, o ouro ou a prata que se encontra nas barras depositadas no Tesouro. Os portadores do certificado têm a faculdade de fazer devolver contra a entrega do mesmo a quantidade de moeda neles declarada, sabendo o portador que tem direito a ser reembolsado em seus bilhetes.
   2) Bilhetes garantidos, como os bilhetes de banco e os de Estado, quando trazem urna garantia especial. No inicio, o bilhete de banco era apenas uma promessa de pagar e não uma moeda. Permanecia convertível, isto é, o portador estava autorizado a pedir o reembolso em metal nos guichês dos bancos. Dessa forma, o bilhete aproximava-se ao certificado americano.
   Mas sucede que a emissão geralmente é superior ao encaixe de moeda e se todos os portadores reclamassem, simultaneamente, a conversão de seus bilhetes em espécie, não seria possível atende-los. Há, assim uma diferença entre a emissão e o encaixe.
   Neste caso, diz-se que há bilhetes em descoberto.
   3) Os bilhetes inconvertíveis em moeda metálica. Estes merecem a denominação de papel-moeda propriamente. É já uma forma degradada das anteriores, usada e abusada pelo Estado, que lhes dá curso-forçado. Dá-se o nome de inflação (de inflar, inchar) quando a emissão dêsse papel inconvertivel está além das necessidades normais da troca (e realmente só ai).
   Essa moeda inconvertível é moeda apenas dentro do território do Estado, onde tem curso forçado, sem o mesmo valor fora desse território, razão pela qual sofre o risco de flutuar o seu valor sem limites em relação às moedas estrangeiras. Na realidade, essa flutuação depende da capacidade de troca dessa moeda. Ela vale pelo que ela pode dar em troca, quando oferecida para uma troca. Por isso, esses regimes de papel moeda se caracterizam pela instabilidade.
   Após a guerra de 1914-18, verificou-se que a maioria dos paises não tinham reservas suficientes para garantir e estabilizar a moeda circulante. Procurou-se. então, aberturas de crédito, isto é. obter de outras moedas, aceitar uma paridade e, portanto, uma troca, a fim de garantir a moeda sem lastro suficiente.
   Tal processo, no entanto, não pode levar à disposição de créditos ilimitados, por isso tal funcionamento supõe um equilíbrio aproximativo das trocas internacionais.
   O funcionamento de um sistema monetário é caracterizado, sobretudo, pelas condições nas quais se estabelecem as relações com outros sistemas monetários.
   Hoje as regulações internacionais se operam, tanto quanto possível, pela compensação, graças à negociação de letras de câmbio (trocas comerciais), assegurando, assim a estabilidade da moeda como procedeu a A1emanha hitlerista, mantendo o valor do marco por uma troca organizada, pelo equilibrio cuidadoso da importação e da exportação.
   Para alcançar isso, exercem os Estados modernos um grande controle nessas trocas, tendendo sempre ao maior equilíbrio ou a um saldo favorável sempre que possível.
   Tais temas, porém, ultrapassam o campo propriamente da Economia Política, cabendo seu estudo às «Finanças» e à «Administração Pública», por serem matérias que dizem mais respeito ao objeto dessas disciplinas.
   A MOEDA E O BRASIL - Realmente, há neste sector, uma grande divergência de opiniões e as teorias têm, sido as mais antagônicas, a ponto de qualquer economista que queira tomar uma posição e defender uma tese encontrar a seu favor conspícuos autores, de cujas obras poderá extrair os elementos argumentativos que desejar para a defesa da sua posição. Enão, se quiser ter o apoio de autoridades as terá na quantidade desejada, porque, neste ponto, a Economia como as Finanças estão povoadas das teses mais desencontradas, defendidas por homens de renome e de prestígio na matéria.
   Vamos alinhar as diversas maneiras que se têm proposto para considerar o que é moeda, que compendiamos dos diversos tratados que tivemos oportunidade do compulsar.
   Assim a moeda é:
1) riqueza;
2) um produto;
3) um direito que confere um poder de compra;
4) um intermediário de trocas (Aristóteles, Say);
5) um facilitador de trocas;
6) um símbolo (protéico);
7) um instrumento de atividade econômica;
8) intermediário de trocas ou apenas intermediário de avaliações (Colon, Gonard);
9) instrumento de liquidação de dividas recíprocas (CasseI);
10) meio de arbitragem entre os preços das mercadorias, tomadas duas a duas (Walras);
11) um crédito garantido sobre o «estoque» de metal precioso, que serve de cobertura à emissão dos bilhetes de banco;
12) um instrumento de consumo e não de poupança;
13) um instrumento apenas de poupança;
14) reservatório de valor (Rist);
15) soma do poder de aquisição;
16) crédito sobre a produção;
17) direito abstrato de comprar;
18) unidade de conta;
19) instrumento de transporte de reservas;
20) medida comum de valores e dos serviços (Trudrys, Perreaux);
21) instrumento de pagamento (Stigl, Permotte);
22) dinheiro (É mister distinguir moeda e dinheiro. A moeda, como numerário, é representativa do dinheiro. Este tem um valor estável, e aquela, não. É verdade que são poucos os economistas que fazem distinção entre moeda e dinheiro, e estes mesmos fazem-na apenas relativamente. Gostaríamos de mostrar aqui as diferenças mais profundas que há entre ambas, mas já estamos no terreno propriamente das Finanças e inicio da Economia. Contudo, oportunamente as distinções que se tornarem necessárias, teremos ocasião de chamar a atenção para elas);
23) um instrumento de troca (Guignabaudet, Nogaro, Nogelle);
24) um instrumento de troca e de crédito;
25) mercadoria (Marx, Withers);
26) meio de compor a troca (Ronnbertel) ;
27) mercadoria-standard (Chappey);
28) poder de compra (Pose);
29) valor abstrato (Triers);
30) matéria, além de medida e poder de compra (Rivain);
31) convenção;
32) valor constituído, ou seja: síntese do valor de uso e do valor de troca (Proudhon);
33) expressão do trabalho;
34) capital;
35) instrumento de conta;
36) direito (Gael Fain, Lansburg) ;
37) representante do valor;
38) sinal de valor;
39) fração da renda global de um pais determinado, efetivamente consumida durante a unidade de tempo (Mattricn) ;
40) um. instrumento de circulação (Gauwes);
41) o instrumento marcado pelo poder soberano (Jeoves);
42) apenas um crédito (Baudin, Aftalion) ;
43) valor juridicamente instituído (Knapp).
   Poderíamos ainda alinhar outras, mas, propriamente, já estão contidas nesses enunciados. Algumas parecem iguais, mas apresentam, contudo, certas nímias distinções que não deixam, contudo, de carecer de importância. Até agora foram estas as conceituações que nos foi possível coligir da matéria, mas estamos certos de que deve haver ainda muitas outras, que não nos ocorrem ou que nos passaram despercebidas, como ainda outras que desconhecemos.
   Vê desde logo o leitor que não é possível discutir Economia, fundando-nos em autoridades. Assim como na Filosofia a única autoridade é a demonstração o a demonstração o rigorosa, também deveríamos exigir o mesmo para a Economia. É verdade que há os literatos do filosofismo. que fazem filosofia, expressando as suas vivências pessoais, e não saem do campo do assertórico. E alguns até se projetaram como grandes filósofos e fizeram, e fazem escola. O não se ter compreendido que em Filosofia a única autoridade é a demonstração rigorosa, como o é também na Matemática e na Lógica, e que na Ciência experimental é a experiência, segundo regras e providências rigorosas, é causa de tanto trabalho filosofista, de tanta literatice famosa, de tanta confusão. É natural que para conhecer isso tudo, nem uma vida, nem um milhão de vidas é o bastante para tal. Mas para saber-se demonstrar uma a uma as teses fundamentais da Filosofia, uma vida é mais que suficiente. Quando os pitagóricos, indevidamente apontados como cultores da autoridade, diziam diziam autos ephas, (ele mesmo falou), que se traduziu pelo Magister dixit latino, e pelo o mestre disse, no vernáculo, não se referiam à pessoa de Pitágoras. O mestre é a verdade, é a demonstração. Assim como nós dizíamos ao demonstrar um teorema de geometria Q. E. D., quod est deemonstrandum, o que cabia demonstrar, como fecho da demonstração, os pitagóricos diziam autos ephas, o mestre disse, o mestre-verdade, a demonstração falou verdade; ou seja, é ela a autora da demonstração, pois a demonstração é criada pela verdade. Era essa a autoridade e não um homem, mesmo que esse homem fosse Pitágoras, o menos conhecido dos filósofos, o mais falsificado, o mais incompreendido, mas o que realmente iniciou a Filosofia e não o filosofismo, e o que presidiu com seu espírito todas as grandes criações filosóficas posteriores, mesmo a daqueles que julgavam não segui-lo. Estes apenas faziam uma caricatura das suas idéias, e defendiam outras que nada mais eram que as verdadeiras idéias do mestre de Samos. É o que demonstramos em nosso ”Pitágoras e o Tema do Número”.
   Vamos, primeiramente, ver o que a moeda não é, para depois vermos o que ela poderia ser, e, finalmente, se possível, o que ela realmente é.
   Como nesta obra desejamos apenas trazer as contribuições mais importantes da Economia para o estudo dos temas sociais, não nos será possível realizar a critica dialética que desejaríamos fazer em torno dos temas principais desta matéria senão na medida e na exigência da matéria em exame. Talvez um dia se tivermos força para tanto, e tempo suficiente, tentaremos realizar esse trabalho tão necessário, que consistirá em tratar a Economia pelo método dialético concreto. Será então uma Filosofia Concreta da Economia, seria tratar esta a modo philosophico, não porém ao modo do filosofismo, mas ao modo da filosofia positiva, da filosofia concreta, aquela que demonstra o que afirma e não apenas se funda em asserções. Contudo, isso não impede que, por ora, possamos fazer alguma coisa, dentro da orientação desta obra e nos limites de nossas forças.
   Mathieu: “Até para os que estão animados da mais irredutível hostilidade em relação à dedução e à especulação puras, é difícil negar que apenas a obser~ vação não pode conduzir ao menor resultado prático se ela não é precedida, de uma certa intuição, e se não é ela acompanhada, ao menos vagamente, de uma idéia preconcebida: a hipótese”.
   Examinando-se as concepções da moeda, pode-se desde logo verificar que a todas cabe alguma positividade, porque realmente a moeda, de certo modo, é tudo quanto nas diversas concepções foi definida. Contudo, o que não ressalta com a mesma evidência é a afirmação pura e simples de ser apenas o que afirmam,. ao negarem o que outros propõem. Há, assim, verdade no que afirmam, e falsidade no que negam.
   De início, sem dúvida, a moeda foi uma mercadoria, contudo não é apenas uma mercadoria, já. que esta de qualquer modo que for, poderia ser tomada como moeda, pois podemos considerar o valor de todas as coisas econômicas segundo uma determinada, por exemplo, dizer quanto é em trigo um sapato, um chapéu, um terno de roupa, etc. Enquanto mercadoria, a moeda é riqueza, um produto, um intermediário de compras, um intermediário de trocas, um direito sem dúvida, um instrumento de atividade econômica, um facilitador de trocas e de operações econômicas dessa espécie, um crédito, um instrumento de consumo e também de poupança, um reservatório de valor, uma soma de poder aquisitivo, um crédito sobre o que possa produzir, um direito de comprar, uma unidade de compra, um instrumento de transportes, de reservas, uma medida de valores e de serviços, uma unidade de conta, um instrumento de pagamento, um poder de compra, expressão do trabalho, capital, um instrumento de circulação, etc. A moeda é tudo isso. Mas, quando se procura saber o que uma coisa é não se indicam, quando a estudamos filosoficamente, apenas as suas funções, a utilização que pode ter, o papel que pode desempenhar, o significado que tem, mas, sim, o que é, o que é em sua essência. Ora, tudo quanto é acidental numa coisa é proporcionada à sua essência. Neste caso, a essência da moeda tem de estar em proporção com tudo quanto ela pode representar, pode atualizar, pode ser, pode significar. Precisamente, na caracterização nítida da sua essência, é que os economistas encontraram a maior dificuldade, pois é. ai que as divergências surgem, é ai que os caminhos divergem e se entrecruzam, é onde as controvérsias brotam e as dificuldades aumentam a ponto de situar a Economia numa situação, como aquela de que falava Montesquieu: não é que os economistas sejam pequenos, é que a sua ciência é demasiadamente grande para ser alcançada por eles.
   Inúmeras têm sido as obras que se escreveram sobre a moeda, e não haveria tempo a ninguém que quisesse acompanhá-las, nem memória possível para reter tantas idéias e opiniões. Só nos resta procurar outros caminhos e esses são os que nos oferece a filosofia concreta. É mister dispor o tema da moeda seguindo as providências dialéticas daquela filosofia, porque se não for ela capaz de nos dar um sentido claro do que realmente ela é, teremos de esperar que outros mais poderosos o façam, já que até aqui nada se conseguiu trazer que pudesse ser julgado como definitivo.
   Em primeiro lugar, é mister que se compreenda que podemos entender a economia em sua atividade sem a moeda. Há povos que tiveram e têm. organização da vida econômica sem usá-la, nem conhece-la. Desse modo, não é imprescindível para que haja uma vida econômica que a moeda exista. A sua ausência não ausenta a possibilidade da atividade econômica. Portanto, a produção e o consumo.como extremos da vida econômica, não a implicam necessàriamente.
   Se não é algo essencial à Economia é, portanto, acidental, algo que acontece àquela. Se pensarmos em sua gênese, notamos que nasceu ela com uma finalidade; ou melhor, impõe-se ao homem como um meio de facilitar a própria atividade econômica. primeiramente facilitando as trocas fundamentais entre o produtor e o consumidor e, a seguir, representando uma poupança, tanto de um como de outro, servindo, depois, de crédito, tanto para um como para outro e, finalmente, recebendo um valor. Quando, com uma chancela jurídica de seu valor. Quando mercadoria, valia o que ela era em sua ensidade econômica; como papel moeda, o valor que ela significava.
   Como mercadoria, valia o que valia, com as alterações de valor da própria matéria econômica que era. Desse modo, a moeda, como mercadoria. com valor intrínseco, era, materialmente, o que sua matéria. econômica era e valia, e, formalmente, era um instrumento econômico, que significava em sua unidade a unidade de valor econômico de qualquer operação em sua especificidade.
   Ora, sabemos que a moeda cunhada tinha um valor permanente no inicio, o valor da matéria que possuía, ou seja relativamente à permanência de valor desta. Mas os governos, que sempre têm grandes dificuldades monetárias, dispõem. menos de moeda do que gastam, usaram o recurso, a principio bem desonesto, de mudar o titulo da moeda, ou seja de diminuir a matéria valiosa; por meio de combinações ou por diminuição da mesma, embora mantendo o mesmo valor que expressava, segundo o nome que possuía. Vê-se que era distinguível um valor real e um valor nominal. O valor real é o que a moeda cunhada tem segundo a matéria que possui, e nominal, o valor do nome que recebe. Assim, se a moeda é escudo, e é de ouro, o valor real do escudo é o valor do ouro em sua proporção com outro metal, ou seja, o seu titulo, e o nominal é o valor do escudo tomado como significado econômico. Ora, como o valor nominal não mais corresponde ao anterior valor real, mas ao atual, esse escudo se desvaloriza. Conseqüentemente, a moeda valoriza ou se desvaloriza consoante o grau de significabilidade que tem ela em relação ao valor real. Esta é uma verdade simples, mas segura, e que teria de perdurar, naturalmente, na consciência dos economistas, como perdurou, e como tal é insofismável.
   Mas, então, por que há tanta celeuma em tõrno da moeda em nossos dias?
   Pela simples razão de que a moeda hoje usada não é mais, ou apenas não é, a moeda de valor intrínseco, mas a moeda de valor extrinseco, o papel-moeda. Esta aponta a um valor e seu valor é valor de significabilidade, e não propriamente a matéria que a compõe. Não vale por esta, mas pelo valor que ela indica. Ora, se o valor que ela indica permanece o mesmo e o papel-moeda também permanece na mesma quantidade, ela vale o que ela vale. Mas acontece que o Estado, com as suas proverbiais dificuldades financeiras, necessita pagar o que gasta e o que deve e tem de fazê-lo por meio de papel-moeda e como o seu débito é escriturado em unidades desse papel-moeda, a solução mais simples é emitir mais papel-moeda e assim pagar o débito que tem. Essa emissão, sendo um aumento de papel-moeda. redunda numa diminuição da significabllidade real do mesmo, embora sua significabilidade nominal permaneça a mesma. Diz-se, então, que a moeda se desvalorizou. Vimos o modo de desvalorizar-se a moeda cunhada e, agora, o modo de desvalorizar-se a moeda-papel.
   A proporção é, portanto, simplíssima:
   aumento de papel-moeda sem aumento do significado real; desvalorização da moeda;
   aumento do papel-moeda com proporcionado aumento do significado real: paridade da moeda;
   permanência da quantidade de papel-moeda, com aumento do significado real: valorização da moeda;
   aumento do papel-moeda, com aumento maior do significado real: valorização proporcional da moeda.
   Vê-se, portanto, que falta descobrir qual o significado real da moeda ou seja: que valor o papel-moeda significa.
   Colocado o problema assim já não consideramos mais; ou melhor, deixamos para trás, todos os aspectos acidentais da moeda, para nos preocuparmos agora pelo que é da sua essência.
   Sendo o papel-moeda um significante de valor econômico, vejamos o que se exige de essencial para um significante. O termo genérico que se dá é sinal, Mas os sinais podem ser arbitrários ou naturais, ou seja: os primeiros são aqueles que significam convencionalmente, os segundos são aqueles que têm uma analogia com o significado, como demonstramos em nosso “Tratado de Simbólica”, e são os símbolos. Há muitos filósofos que confundem símbolos com sinais. Realmente, o símbolo é genericamente um sinal, mas especificamente se caracteriza pela analogia que tem por participação com o significado. Essa participação, como vimos naquela obra, é formal ou pode ser real. No caso da moeda-mercadoria esta tem um valor econômico em si mesma, e a sua participação com a economia seria real. Teria um valor análogo a qualquer outro valor econômico em si mesma, e a sua participação com a economia seria real. Teria um valor análogo a qualquer outro valor econômico, Quando se trata do papel-moeda, temos de distinguir o convertível e o não-convertível, O convertível tem uma analogia com o valor econômico, porque significa uma matéria de valor econômico e o não-convertível tem um valor não real, mas abstrato, como o diriam alguns economistas, e nós diríamos então um valor de significação quanto a um significado de valor econômico, Enquanto se trata da moeda convertível, as dificuldades não são tão grandes, mas quando se trata de moeda não-convertível é mister precisar qual o valor econômico ao qual ela se refere ao significá-lo. Como não é um valor determinado especificamente, pois não significa café, cacau, algodão, trigo especificamente, significa genericamente tudo isso, segundo a sua unidade de valor, podemos traçar o seguinte esquema.:
   a) a moeda-papel convertível significa, segundo sua unidade, o valor econômico, tomado também unitàriamente, da matéria que significa;
   b) a moeda-papel inconvertível significa o valor unitário tomado abstratamente do valor econômico.
   Neste último caso, a moeda-papel inconvertível vale o que ele vale. Assim o cruzeiro só vale o que o cruzeiro significa em valor econômico tomado abstratamente.
   E qual é esse valor econômico, então? Como não é uma moeda lastreadoa por um determinado bem econômico de valor, como era o ouro, ou a prata, como vimos ao examinar os sistemas metalistas, só pode significar o que o pais produz econômicamente. O valor do cruzeiro, portanto, é proporcionado à produção, o que pode produzir ou o que com ele se pode comprar.
   Neste caso, quem lastreia o cruzeiro é a produção nacional. E como essa produção se destina ao mercado interno e ao mercado externo, seu valor é dado pelo valor do que produz, segundo o mercado interno e o externo.
   Não é de admirar, portanto, que exerçam ação valorativa ou desvalorativa no cruzeiro as variações que sucedam no mercado interno como no externo.
   Ora, o que se dá com o cruzeiro dá-se com qualquer outra moeda da mesma espécie, ou seja moeda-papel não convertível. Que vale o dólar? O que com o dólar se produz em relação ao mercado ao qual se destina a produção. Se com dólar se pode adquirir tudo, vale tudo, na sua proporção; se com cruzeiros se pode adquirir pouco, na sua proporção, vale esse pouco.
   Tome-se por exemplo o valor do cruzeiro numa determinada época; ou seja, considere-se o cruzeiro em circulação e se compare com a produção nacional.
   Nesse caso, a produção se é X e os cruzeiros em circulação são 1.000, o valor do cruzeiro seria X/1.000. Toma-se aqui uma unidade determinada de tempo e a produção considerada nesse lapso de tempo, digamos um ano.
   Se no ano seguinte, emitiram-se mais cruzeiros e a produção permaneceu a mesma, o cruzeiro se desvaloriza, pois teríamos, no caso de 2.000, X /2.000, e a desvalorização seria de 50 %; ou seja, o cruzeiro, como meio de compra, comprará. apenas a metade, porque os preços subiram na proporção da desvalorização. Longe de nós querermos aqui, com tais exemplos, dar a entender que consideramos a Economia capaz de ser matematizada de modo tão rigoroso. Queremos apenas indicar uma proporcionalidade, salvante as diferenças. que se observam nos fatos sociais, que não permitem a matematização, que é aplicável aos fatos físicos. Nestes, ainda, essa matematização não tem também uma precisão absoluta.
   O que dissemos aqui com tanta simplicidade é, contudo, a. verdade econômica e financeira, e tanto o é que todas as tentativas de valorizações artificiais, ou por meio de artifícios jurídicos ou por providências despóticas do poder estatal, não conseguiram modificar esse panorama.
   Note-se que nem com o brutal e omnímodo poder soviético, conseguiu o governo russo impor um valor artificial ao rublo. Com todo o aparelhamento policial, com campos de concentração, pelotões de fusilamento, não pode impedir a desvalorização do rublo e o mercado negro. E não pode, porque a Economia pode ser entravada, obstaculizada, prejudicada pela politilca, mas os valores econômicos criam-se econômicamente e não por providências meramente políticas.
   Volvendo ao tema da moeda inconversível, verifica-se que o valor dela é proporcionada ao montante do valor da atividade econômica. Precisemos, porém, o que desejamos dizer. É comum falar-se na renda nacional, considerando-se incluso nesse conceito tudo quanto é produzido num pais, num determinado período de tempo. À primeira vista, o conceito é claro. Mas desde o momento que se procura precisá-lo, transparecem-se grandes dificuldades, e neste sector há tremendas controvérsias entre os economistas, bem como reconhecem a grande dificuldade em determinar estatisticamente essa renda nacional, global, que inclui toda a atividade econômica de um pais.
   Sem dúvida é assim. Mas é mister reconhecer que devemos entender como atividade econômica tudo quanto se refere ,à produção de bens e de serviços e o consumo correspondente. Nesse caso, verificar-se-ia que a significabilidade da moeda inconvertível é bifronte, pois tanto vale o que com um cruzeiro se pode produzir e o que com um cruzeiro se pode consumir e com o que com um cruzeiro se pode prestar em serviços.
   É desde logo patente que a precisão nítida, matemática, precisa do seu valor, torna-se praticamente impossível, ante a variância imensa dos fatos econômicos e a heterogeneidade das operações e da acidentalidade correspondente às mesmas.
   E as razões são várias, e entre elas podemos salientar as seguintes: se a emissão da moeda inconvertível destina-se diretamente ao consumidor, este poderá poupá-la e poderá empregá-la para adquirir bens de que necessita. Neste caso, a procura aumenta na proporção dessa destinação. Conseqüentemente, os preços são estimulados a subir (Note-se que falamos em estimulo, porque, como salientamos ao estudar o mecanismo dos preços, o fator psicosomático e outros fatores com raízes psicológicas atuam, no aproveitamento do interesse do comprador e a visão de lucros maiores leva ao aumento dos preços, ,á que estes não sobem apenas pelo mecanismo entre oferta e procura, como demonstramos ao tratar de tais' temas). Essa moeda das mãos dos intermediários tende a dirigir-se para o produtor e estimula, por sua vez, a produção, enquanto os preços permanecem na posição que alcançaram. Aumentando-se a oferta, dá-se o inverso, não numa proporção rigorosa, mas relativamente à capacidade de compra do consumidor, tendendo os preços a descerem. Dentro desses fluxos e refluxos, atua a economia chamada liberal, dizem todos economistas. Mas, se se observarem os fatos, tal não se dá sempre nem precisamente assim, porque há muitos recursos que procuram burlar a lei da oferta e da procura, que, como toda lei econômica, não tem a rigidez mecânica e matemática em sentido quantitativo que os economistas costumam emprestar-lhe. Ademais, o Estado pretende também intervir na modificação dessa lei, como a história de nossos tempos está cheia de exemplos, tabelando preços (sempre inutilmente), vendendo produtos a preços baixos (solução que é apenas provisória e não soluciona nada), oferecendo subsídios, primas, etc., que também não solucionam, porque são retirados de disponibilidades que faltarão em outro lado e que, de qualquer forma, são pagos indiretamente pelo povo.
   Ao examinarmos a inflação e a deflação, mostramos que a solução deflacionária também não soluciona. Ao contrário, cria problemas maiores, porque precipita a insuficiência de meios de pagamento em relação aos bens econômicos oferecidos, resultando dai uma perturbação no equilíbrio entre a produção e o consumo. Há economistas que aconselham a retração de crédito. Para esses senhores, a redução radical do crédito levaria a muitos industriais e comerciantes a liquidarem seus estoques, forçados a obterem numerário suficiente para atender seus compromissos, o que os levaria a baixar os preços, e o consumidor levaria então uma vantagem. Mas tal medida revela desde logo que belo espírito de economistas há em tais senhores. Se o produtor é obrigado a vender sua mercadoria com lucro mínimo, ou nenhum, ou até com prejuízo, não é só ele que perde. Ou será que tais senhores ainda não compreenderam que há uma solidariedade na Economia que não permite separar-se realmente um aspecto da vida econômica de outra? Se tal acontece, desde logo há um “resfriamento” no ímpeto produtivo. Crescem as perspectivas de riscos e os capitais tornam-se mais dificilmente mobilizáveis para a produção. Por outro lado, há o “mirramento” de certas atividades econômicas, e ademais o lucro não deve ser jamais compreendido como a perda de um lado a favor do outro. O não se ter tido uma noção clara do que ele é realmente, e do que deve ser o lucro, levou a tanta confusão na Economia e nas idéias sociais, que mais de uma centena de milhões de homens já perderam a vida devido a idéias tão estúpidas, que levaram a chacinas das mais cruéis que registra a História. É o que mostraremos no futuro, em outras obras nossas.
   Também há economistas que aconselham ao consumidor diminuir o consumo para forçar a baixa de preços. Mas tais soluções não são econômicas, são políticas. E não se deve confundir Economia com Política. Podem elas trazer resultados provisórios, não, porém, definitivos. Se o consumidor consome menos, priva-se de valores de que necessita, os estoques se abarrotam, os pedidos dos produtores decresce, a produção diminui, o desemprego aumenta, e termina o consumidor por não dispor de meios de pagamento nem para comprar o que já lhe custa menos. Essa solução gera outro ciclo vicioso com suas conseqüências críticas, perigosíssimas, além de criar clima para agitações sociais e para estimular ainda mais a demagogia, cujos cultores espreitam em todas as esquinas qualquer pretexto para logo entrarem em cena como salvadores da situação.
   No entanto, a estimulação da produção é mais benéfica, porque ela fará aumentar a oferta, ao mesmo tempo que aumentará os meios de pagamento dos consumidores, e trará, como conseqüência, a redução de preços, a valorização da moeda, se não houver emissões, ou mesmo quando as haja, sejam apenas destinadas a aumentar a produção e a tudo quanto atua em consonância com esta, como transportes, aumento de energia elétrica, construção de silos, entrepostos, higiene, etc. O financiamento correto da produção é um financiamento indireto do consumo, e s6 há equilíbrio econômico onde há equilíbrio entre produção e consumo.
   Naturalmente, para que os preços não baixem de modo a prejudicar a produção, como poderia acontecer num excessivo financiamento da mesma, deverá este ser dosado nas proporções requeridas, ou, então, num desejo amplo de desenvolvimento do pais, deverá ser acompanhado de um imediato financiamento do consumo, como se pode realizar através do sistema de crediário, do financiamento das empresas crediaristas, e também pela realização de obras (não suntuárias) por parte do Estado, que se destinem a melhorar as condições da produção. Desse modo essas emissões não seriam inflacionárias, porque estariam perfeitamente compensadas pelo aumento da produção e das condições que lhe são necessárias.
   Além disso, e aqui está o mais importante, é mister cuidar da produtividade, do índice de intensidade da produção. Esta deve ser uma das maiores preocupações dos organismos interessados na mesma. E quais são esses organismos? O Estado com seus políticos e seus burocratas? Não; mas, sim, as chamadas classes produtoras. Estas é que devem cooperar para a solução deste problema de magna importância. Sem o aumento de produtividade, a produção, por si só, não realizará o equilíbrio desejado. Um aumento de produção sem aumento de produtividade implicaria um aumento de mão de obra, conseqüentemente alta desorientada de salários, e conseqüente aumento do custo de produção, e todo o plano cairia em frangalhos.
   Poderíamos ainda construir muitos outros comentários, fundados no que acabamos de expor, mas nada mais faríamos que deduzir o que já está contido em nossas exposições, e seria até desmerecer a capacidade crítica e de investigação do próprio leitor.
   Resta-nos, assim, volver ao tema, mas atingindo outros aspectos: a moeda é, pois, o significante do valor econômico proporcionado ao montante global da atividade econômica de um país num determinado período de tempo.
   Não dissemos tudo. Um povo, que tem uma moeda, pode tê-la convertível ou não. Pode ainda gozar de créditos maiores ou menores ou não. Pode dispor de reservas de valor econômico ou não. Neste caso, sua moeda dependerá ainda das reservas de valor que possua, e incluiríamos nesse conceito o crédito que dispõe. Então daríamos este enunciado final: a moeda é o significante do valor econômico, proporcionado ao montante global da atividade econômica de um país num determinado período de tempo e às reservas de valores econômicos que o mesmo possua.
   Esses valores econômicos, que constituem sua reserva, dependerão de fatores não só econômicos, mas também políticos, históricos, sociológicos, éticos, etc., porque a sua mobilização dependerá de tais fatores, que poderão favorecer ou obstaculizar a sua atualização.
   Há um fato importante na valorização ou desvalorização da moeda: o salário.
   Há salários solváveis e salários insolváveis. São solváveis aqueles que são pagos para a produção de bens de certo modo reprodutivos, e insolváveis os que se referem aos que não o são. Não é fácil estabelecer o grau de reprodutividade. O que se paga ao soldado é um salário insolvável, pois o exército é um consumidor quase puro e realiza pequena produção. O salário, que se paga a um vendedor de seguros de vida, é insolvável, como o é o que se paga ao funcionário público não reprodutivo.
   Contudo, o salário de um vendedor, de um pracista, é de certo modo insolvável mas também não o é de outro, porque ele presta serviços ao consumidor e ao produtor, aproximando-os e estimulando as relações econômicas, e favorecendo o estimulo à produção e ao consumo.
   O volume dos salários insolváveis e a sua percentagem sobre a produção é um dos fatores mais terríveis de encarecimento dos preços e de desvalorização da moeda. Foi do que tratamos ao estudar a inflação e a deflação, pois estes temas podem ser estudados separadamente do da ,moeda, mas devem ser concrecionados com este, se desejamos ter uma visão mais nítida da realidade econômica. Ali apontamos, no caso brasileiro, alguns fatores maiores e menores, que atuam para agravar o processo inflacionário, e que são inflacionários aqui e em qualquer outro pais do mundo onde se dêem.
   Ao examinarmos, há pouco, a moeda inconvertível, poderia parecer à primeira vista, como aliás parece para muitos economistas e financistas, que só a moeda convertível oferece a garantia desejada, o equilíbrio que se pretende para a vida econômica de um pais. Ora, o Estado está sempre faminto de numerário, e desejará obtê-lo à custa de empréstimos, e quando não os consegue por este meio, procurará a emissão, mesmo que essa seja controlada por um instituto independente, porque há. sempre o recurso do Estado decretar a inconvertibilidade, ou pelo menos a suspensão da convertibilidade dos bilhetes, como o faz constantemente, quando se encontra em tais apuros. Sem dúvida, recorrer à inflação é sempre prejudicial. Mas o Estado recorre à inflação para aumentar os meios de pagamento. É realmente um mal, mas mal maior é haver carência de meios de pagamento em relação' aos bens econômicos ofertados, o que decorre do desequilíbrio entre a produção e o consumo. Na verdade, a inflação não é o melhor remédio, mas é o que surge logo aos olhos do governante inexperiente. É fácil considerá-lo um mal, pois sem dúvida é. Mas basta acaso apenas condená-lo? Não é mister encontrar outro recurso que frente à dificuldade? Qualquer economista pode dizer que a inflação é um erro. Mas quem não sabe disso? O que se quer é o remédio que cure. E qual é o que o nosso economista oferece? O maior problema de toda organização econômica é a falta de correspondência entre o crescimento do volume dos meios de pagamentos e o crescimento do volume dos bens econômicos disponíveis. O verdadeiro problema a resolver é o desequilíbrio observado, e não a preocupação de maior ou menor emissão de moeda. O que é mister é que os meios de pagamento possam absorver todos os bens econômicos disponíveis, e que haja bens econômicos proporcionais, do contrário a crise é maior e mais perigosa.
   Os que mais atacam a inflação são freqüentemente aqueles que oferecem soluções muito piores. Se a inflação é um mal, o remédio que propõem mata mais depressa. É dever do economista estudar os meios de evitar a inflação, e conseqüentemente seus males, mas o dever maior é procurar o melhor remédio. Não basta apenas querer evitar a inflação, que não nasce por geração espontânea, mas por imposições de desequilíbrio econômico. O que é mister é descobrir o remédio para tais desequilíbrios.
   Não se trata de banir para sempre a inflação, mas sim de impedir o desequilíbrio entre os meios de pagamento e a produção. Enquanto o remédio real, específico, não for achado, o reato é literatura, é promoção de teorias e argumentação sofismática, quando não se propõe, como muitos fazem, a morte do doente para acabar desde logo com a moléstia.
   Muitos economistas julgam que a única solução é a baixa dos preços, que seria obtida pela ação combinada do Estado e das organizações privadas, ou, para alguns liberalistas, deixar que as coisas sigam o seu caminho (laissez faire, laissez passer), de modo que a crise se resolva por si mesma pela baixa dos preços e pelo desaparecimento das empresas menos aparelhadas para resistir a concorrência. Mas essa solução é brutal, e traz prejuízos vários que precisamos saber se são ou não evitáveis. Se são, por que iremos preferir uma solução dessa espécie? Não haverá outros métodos capazes de alcançar os mesmos resultados, sem necessidade de tantas conseqüências desastrosas? Mas procuraram essa solução? Não julgaram que a única era a que propunham? Ou então o recurso da inflação, que por sua vez também deixa um caminho semeado de injustiças e prejuízos? Não revela tudo isso que ainda estamos numa fase empirista da Economia Politica?
   Quando funcionava o sistema do padrão-ouro, o estoque monetário real sofria um aumento relativamente .pequeno de ano para ano. Mas, ao mesmo tempo, o estoque das mercadorias disponíveis crescia numa proporção muito melhor, devido ao progresso técnico. Estava-se, então, no caso em que o volume de moeda crescia menos que o volume da produção. Os meios de pagamento não eram então suficientes para dar vasão à produção, e as crises provenientes dos estoques abarrotados eram inevitáveis, pois os produtores não conseguiam colocar tudo quanto produziam. Processavam-se, então, as crises c1clicas da produção. Disso não se precatavam devidamente os economistas, e as crises se sucediam de tal modo; que já se estabelecia serem elas inerentes ao regime capitalista, como o proclamavam os socialistas, como Marx, e muitos capitalistas. Há uma literatura imensa em torno do assunto e tudo decorria de não verem os economistas a realidade do que se dava. E por quê? Por que jamais esclareceram devidamente os termos econômicos, e quando os termos não são claros, não são claras as idéias que tais termos desejam referir-se. É o que temos mostrado e ainda mostraremos.
   Não se tinha uma teoria lúcida, clara, precisa das crises e, conseqüentemente, também não se tinha possibilidade de alcançar meios técnicos capazes de resolver tais crises. E o que se fazia? As práticas mais rudimentares e primárias foram usadas: emissão de moeda além do lastro, da cobertura, o que foi feito já abusivamente, a organização de um crédito sobre os estoques abarrotados, ao qual faltava. a realidade e a base verdadeira. Desse modo, é verdade, aumentaram-se os meios de pagamento, mas esse aumento foi feito de modo abusivo e prejudicial, e deslocou-se a crise de um lado para outro, continuando a permanecer a mesma que surge do desequilíbrio entre os meios de pagamento e a produção.
   Os remédios não curavam, mas apenas retardavam os instantes catastróficos, e a crise irrompia, posteriormente, mais intensa ainda.
   E qual a solução? Encontraram-na os economistas? A resposta é uma só: não. O remédio não foi encontrado. Então sobreleva-se a dúvida: não será essa crise inerente ao regime de produção e de distribuição em que vivemos? Ou então resta a outra pergunta: poderão os economistas encontrar um remédio realmente eficaz? Se podem, por que demoram tanto em encontrá-lo?
   Pois bem, em face de tais acontecimentos, a teoria dos que julgam que o padrão ouro resolveria as crises esquecem-se que o padrão ouro não as evitou, e foram elas que fizeram abandona-lo de vez. Há não poucos decênios atrás, era verdadeiro tabu o padrão ouro. Nem de leve suspeitavam muitos que desse ser ele posto à margem. Se à moeda subitamente se lhe tirasse o lastro, a cobertura que a garantia, passaria a ser um mero papel pintado, sem valor algum. Contudo, os fatos negaram as previsões. Moeda papel sem cobertura continuou valendo, embora menos é verdade, mas continuou valendo. E por quê? Porque com elas pagavam-se dividas e impostos e porque pagavam-se dividas e impostos foram aceitas como meios de pagamento para os produtores e salariados.
   Afirmamos que se o padrão ouro oferece algumas vantagens, oferece inúmeras desvantagens, e não resolve por sua vez o problema.
   Desaparecida a cobertura metálica, como vimos, não desaparece o valor da moeda. Por outro lado, não são suficientemente convincentes as razões que apresentam os defensores do padrão-ouro, ademais dos fatos demonstrarem que se podem regular as transações sem tal espécie de moeda, quer internamente, quer externamente. Ainda mais: não impede a emissão abusiva, não evita a inflação.
   Não podemos nos excluir de duas realidades:
   A Produção que gera a Oferta.
   O Consumo, que gera a Procura.
   Ante as grandes dificuldades que oferece a vida econômica, não é de admirar-se que se pergunte por que meio se poderá regularizá-la. Qual o organismo que poderá realizar essa função? Na verdade, não há tal organismo, porque o Estado não é capaz de fazê-lo. Ao contrário, perturba ainda mais e agrava muito mais os problemas que surgem.
   Há economistas que acreditam que basta apenas o aumento da produção para que logo surjam, como por milagre, os meios de pagamento, como Lansburgh.
   É verdade que o aumento da produção cria aumento de salários e outras rendas, mas por si só não tem sido capaz de realizar esse desejo. E por quê? Porque nem tudo são rosas. As injustiças sociais continuam, o enriquecimento exagerado de uns se realiza em detrimento de outros; ademais a produção é irregular, muitas empresas perecem, há desemprego, perturbações políticas não cessam e, sobretudo, ninguém está satisfeito, há uma ânsia universal de mais, agudizam-se os desesperos. Em suma, uma série de fatores extra-econômicos atuam na Economia. A crise, que se instala no mundo inteiro, tem raízes que vão além do campo da Economia, porque não é só de Economia que vive o homem.
   Mas qual é o valor da moeda? O valor subjetivo? Não. O que pode interessar à Economia é o valor objetivo, o valor de compra, de aquisição. E esse valor é dado pela renda, como vimos e não pela moeda em circulação, que é apenas o numerário e que não se deveria confundir com aquela.
   Afirma-se que a alta dos preços é uma decorrência do aumento das emissões, da circulação monetária. No entanto, nem sempre se verifica isso, mas o contrário, o aumento dos preços antecede as emissões, como se viu na França em 1919 e 1920, e também naquele pais de 1926 a 1929: um aumento na circulação sem a correspondente alta dos 'preços. Dando-se a alta dos preços, é natural que as despesas do Estado aumentem e, conseqüentemente, o déficit orçamentário, o qual, não tendo cobertura por meio de empréstimos ou por aumento de arrecadação, é coberto por meio de emissões. No período de 1936 a 1937, houve outra alta de preços na França, tendo havido apenas dois anos depois um aumento na emissão. Alguns economistas concluem que o aumento dos preços é que provoca o aumento das emissões, e não o contrário. Outros exemplos semelhantes a estes verificaram-se na Inglaterra, onde de 1919 a 1920 os preços elevaram-se a 44%, enquanto a circulação teve um acréscimo de apenas 9%. O mesmo se deu na Suécia, na Noruega e na Itália. Na Alemanha, nesse mesmo período, houve uma alta de 111 % nos preços com um acréscimo apenas de 18% na circulação. Depois de 1920, observou-se uma baixa considerável dos preços sem qualquer redução correspondente da circulação.
   Na Alemanha de 1920 a 1921, os preços baixaram de 23%, enquanto a circulação aumentou de 38%. No período negro de 1921 a 23, na Alemanha, os preços subiram 430 vezes mais, enquanto a circulação aumentou apenas 44 vezes.
   Monsieur Pleven, no discurso que fez na Assembléia francesa em março de 1945, disse estas palavras: “Uma política financeira eficaz deve interessar-se menos pelo sintoma, que é a circulação monetária, do que pela causa profunda, que é a separação entre as rendas monetárias e a produção. Na verdade seria mais fácil fazer uma operação de aritmética elementar, aplicar a idéia simplicíssima de que a deflação é de algum modo o contrário da inflação, e que depois de haver emitido tanta moeda, bastaria retirá-la da circulação para retornar-se à situação anterior... em toda parte onde se intentou utilizar a deflação como meio direto de provocar uma baixa dos preços, sem se agir de antemão sobre o equilíbrio fundamental do orçamento e da economia, em toda parte e sempre, a tentativa malogrou”.
   Alguns economistas anotam que realmente se observa que em certos países, e em certas circunstâncias, a emissão de papel moeda produz uma alta de preço, mas assinalam que esta alta se deve a causas estranhas à injeção, na circulação, de um numerário superabundante. Por si só, o numerário não aumenta os preços. O que aumenta é a desproporcionalidade da renda em relação à produção.
   Se observamos o caso brasileiro, notar-se-á que há um aumento da casa de 3% ao ano na população, e que a produtividade deveria ter um aumento muito superior a esse índice para que a renda nacional se mantivesse estável. Mas os aumentos que se verificam são nas cifras, e não realmente na produtividade. A inflação realizada pelo Estado nada mais ê do que um empréstimo indireto e violento, porque é unilateral, não sendo consultada a sua vitima, o povo, e ainda emite moeda falsa por boa. A distinção, que se deve fazer entre o numerário e a renda, está em que o numerário poderá ser suficiente para todas as transações na quantidade que forem, mas a renda pode ser insuficiente para absorver toda a produção disponível.
   Também pode acontecer que os meios de pagamento (a renda global) seja suficiente para absorver a produção, como se dá nos Estados Unidos, mas isso é evitado. Por essa razão, há ali tantas promoções de venda, tanta propaganda para forçar o consumo. E por que se impede? Impede-se por meio da preocupação constante do problema internacional, porque, do contrário, a população americana, se não tivesse que pagar tantos esforços de auxílio à defesa nacional (onde se dá um consumo puro, sem reprodutividade), bem como auxílios aos diversos paises mais necessitados, a procura nos Estados cresceria de tal modo que os preços fatalmente subiriam e com eles as reivindicações salariais, o desequilíbrio maior do orçamento, a necessidade de inflação e toda a série de desequilíbrios sociais e políticos, que tudo isso acarreta. A guerra-fria, de certo modo, mantém mais equilibrada a Economia americana, embora pareça que não.
   Não há uma equivalência entre os meios de pagamento e a produção, embora muitos economistas pensem o contrário. E tal se dá porque há a poupança e nem todos compram tudo quanto podem comprar, nem pagam tudo quanto devem.
   Em face das inúmeras teorias sobre a moeda, depois de se haver posto de lado aquelas concepções que apenas se fundavam nos aspectos acidentais e não captavam as suas verdadeiras propriedades, que são as fundadas na sua essência; depois de se considerar tudo quanto se disse e se escreveu sobre o assunto, o que se pode concluir é que a verdadeira garantia de uma moeda é constituída pela massa de bens econômicos disponíveis que, por meio dela, se podem adquirir. Referimo-nos à moeda e não ao numerário. Quanto a este seu valor é proporcionado à moeda ( ou melhor dinheiro), que ele representa.
   Se as emissões de papel moeda tendem a financiar o consumo é mister financiar a produção para evitar que os preços subam.
   Quanto ao aumento dos preços, é mister não esquecer que estes não surgem apenas das emissões, pois sem elas podem eles subir, como elas podem ser a conseqüência da alta dos preços. Há muitos fatores que provocam a alta dos preços, como já estudamos, e muitos podem ser desviados.
   Se a inflação é um mal, a deflação é um mal ainda maior. O que jamais se deve fazer é privar a nação de meios de pagamento, sem os quais não é possível nenhuma economia mais ou menos estável.
   Pensar-se que se é capaz de construir neste lanço da história do homem uma economia totalmente estável, é uma ingenuidade. As crises são inerentes ao homem e conseqüentemente à economia do homem. O que se pode fazer é atenuar seus males, suas conseqüências perniciosas, e isso não é apenas conseguido através de medidas estatais, mas com o apoio de todos num grande ato de cooperação.
   Contudo, se o que se tem chamado socialismo não tem sido também capaz de resolver as crises econômicas, há um regime que pode conseguir aminorá-las: é o cooperacional.
   Um dos preconceitos mais comuns de nossa época, que só tem servido para prejuízo do homem, é julgar que devemos de uma vez para todas desterrar de nossos olhos os ideais. Mas tudo surge de não se ter claramente ante a mente o que significa ideal. Ideal é a perfeição não realizada fàticamente, e que nunca o será por nenhum ser finito, contingente, limitado. Assim, a sabedoria ideal é a sabedoria perfeita, o saber sem deficiências de mínima espécie, o saber imediato, capaz de penetrar o último mistério de todas as coisas. Esse saber é para nós um ideal. Jamais o homem o alcançará na sua plenitude, mas dele pode aproximar-se a pouco e pouco, através do seu esforço constante e da sua constante devoção ao trabalho intelectual. Também é assim a saúde ideal, a vida ideal e todas perfeições que somos capazes de captar. O que é capaz de ser alcançado realmente por nós, por nossos meios, por nossas próprias deficiências não é o ideal, mas apenas uma aproximação dele. Um estado que dele participa.

  Realmente, toda ciência tem um ideal, e a Economia tem um: a sociedade economicamente perfeita. Mas, essa sociedade jamais existirá. Já se foi a época das utopias renascentistas e das quimeras socialistas. Estamos agora na era da realidade social. O progresso humano pode seguir subindo mais degraus, mas jamais alcançará a meta final dessa escada que escala a infinitude.
   E que poderá levar o homem a essa revolução permanente, essa revolução que não violenta os degraus, porque os degraus se vingam, propiciando as quedas espetaculares, essa revolução que se processa aos poucos, com passos de pomba, avançando hoje aqui, amanhã ali, sem os saltos acrobáticos que geram retornos inesperados, essa genuína revolução permanente é aquela que o ideal alimenta, inspira e guia.
   Tudo isso nos vem à mente em face de financistas e economistas, que julgam a Economia capaz de encontrar a fórmula mágica que resolverá por fim o problema da moeda, e que fará o equilíbrio perfeito entre os meios de pagamento e a produção. Tal é um ideal, mas faticamente jamais será alcançado, embora possa o homem aproximar-se desse equilíbrio perfeito. Para tal é mister que saiba ele realizar esse equilíbrio, que exige um organismo capaz de realizá-lo, que só pode ser constituído pelos interessados num grande organismo social, e jamais o Estado, que é o menos competente para tais coisas, embora seja todo-poderoso.
   Jamais se encontrará a forma perfeita, porque ante o dinamismo e o cinematismo da vida social e econômica, e a quase impossibilidade de manter estatísticas perfeitas, o equilíbrio estável, estático, é impossível, e só um equilíbrio dinâmico é possível!.
   Nenhuma ciência afirma que é possível alcançar o tipo ideal em plena faticidade. A Medicina sabe que é impossível a saúde absoluta; sabe a Psicologia que são impossíveis os tipos psicológicos perfeitos; sabe a História que jamais desvendará a verdade dos fatos. Só economistas e financistas crêem em fórmulas mágicas, só eles sabem como farão a plenitude humana, e o malogro acompanha quase sempre seus atos, suas experiências. suas realizações.
   O problema da moeda tem a sua fórmula dinâmica de equilíbrio, sem magia, e que consiste apenas no que pode realizar entre os meios de pagamento e a produção. E esse equilíbrio será dinâmico e nunca estátíco. Também é outra ilusão julgar que poderemos alcançar uma sociedade humana sem crises. Já demonstramos em “Filosofia da Crise” que aquela é inerente ao ser humano, que é um ser de crise, e que dela jamais se separará. Nunca chegaremos a essa sociedade ideal. Ela apenas nos está a exigir a aproximação constante. É uma promessa que ultrapassa as nossas forças, mas suficientemente forte para desafiar o nosso brio.
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