|
Segismundo Freud, médico austríaco, foi o fundador da psicanálise. Nos primeiros anos de sua profissão, trabalhou na clínica do famoso professor francês Charcot. Este fizera uma descoberta sensacional: por meio da hipnose produzia sintomas de histerismo. Na pessoa adormecida, apenas a uma ordem, produzia artificialmente manifestações de paralisia, queimaduras, etc.
A hipnose consiste em pôr uma, pessoa em um sono artificial e transmitir-lhe outra vontade, bem como idéias alheias. O hipnotizador é quem transmite essa vontade e essas idéias.
Afirmava Charcot que o histerismo era uma enfermidade psicogênica, isto é, uma enfermidade com origens não corporais, mas anímicas, da psique.
Freud, voltando de Paris para Viena, encontrou-se com seu amigo Bleuer, um médico austríaco, que havia descoberto um meio de curar os histéricos.
Hipnotizando uma paciente, Bleuer mandou-a que tirasse de seu subconsciente recordações de fatos relacionados com o seu mal. Ela relatou então certos fatos ocorridos na infância, dos quais não se recordava em estado normal, depois de passado o sono hipnótico.
E observou Freud que cada vez que a enferma relatava essas recordações, iam desaparecendo, um a um, os sintomas da enfermidade.
Chamavam a esse método de “método depuratório ou catártico”. (Katharsis, em grego, depuração).
Freud, entretanto, não se satisfez com esses sucessos e prosseguiu investigando. Observava que as curas obtidas pelo método catártico eram ainda imperfeitas e pouco duradouras, porque os sintomas, passado algum tempo, retornavam.
De Viena voltou novamente para a França, onde trabalhou com o professor Berhens. Este procedia diferentemente em parte, de Charcot.
Por persuasão, fazia o enfermo recordar, quando em estado consciente, do que se passara durante o sono hipnótico artificial. Freud concluiu, então, que podia obter a cura de enfermos, desde que fizesse voltar à consciência certas representações inconscientes.
Procurava, assim, tornar consciente o subconsciente, por meio da persuasão. E deste modo, a psicanálise se constituiu num método para curar enfermidades nervosas, e foi através de suas experiências e de suas curas, que Freud pôde construir sua teoria.
Observou que os pacientes, quando falavam, narravam muitas coisas de maneira desordenada. Procurou, por entre as palavras, descobrir o que havia de mais importante e que lhe pudesse dar o fio para chegar a descobrir a causa da enfermidade.
Em vez de hipnotizar os pacientes, deixou-os falar à vontade. Estava convencido de que todos os fatos descritos pelo paciente tinham um sentido, e era questão de tempo apenas para que, do subconsciente, surgisse o essencial que lhe permitisse descobrir a causa da enfermidade.
Compreendeu, assim, que muitas coisas que sucedem com os sãos têm sua explicação psicanalítica. Por exemplo, um menino perde um caderno de colégio, ou alguém esquece de devolver um objeto. Esses esquecimentos não são puramente ocasionais. Há uma razão atrás disso tudo: o menino “tinha interesse” em perder o caderno, o adulto em esquecer de devolver o objeto. No entanto, tais fatos não são conscientes. O que levava a tal esquecimento era algo de subconsciente.
Freud estudou esses pequenos erros, esses atos falhados, palavras trocadas, que na vida diária cometemos todos nós. Por exemplo, num discurso, alguém em vez de dizer “o honroso discurso do orador que me precedeu”, dissesse “o horroroso discurso do orador que me precedeu”, seria um lapso que revelaria as verdadeiras intenções de quem o pratica. A psicanálise teve em Freud seu grande iniciador. Várias doutrinas decorrem da sua escola. Entre as mais famosas citam-se as de Alfred Adler, Carl Gustav Jung, Wilhelm Reich e Steckel.
DOUTRINA DA PSICANALISE - O fenômeno da vida é um fenômeno de assimilação e de desassimilação. Duas constantes bio1ógicas dirigem os homens, assim como todos os seres vivos:
a) Conservação do indivíduo: alimentação, etc.;
b) Conservação da espécie: reprodução.
Na vida se dá uma troca de energia entre o homem e o ambiente. Para assimilar, para alimentar-se, o homem retira do ambiente as energias necessárias, em forma de frutos, alimentos, água, ar, etc., que não pode tirá-las de si mesmo. Por outro lado, o homem devolve ao ambiente, ao mundo da natureza que o cerca, o que recebe (desassimilação). Devolve em parte. Compreende-se, portanto, a relação.
Meio ambiente
Homem
Meio ambiente
Quando o homem retira do meio ambiente uma certa quantidade de energia, fá-lo pela alimentação. Devolve o que não necessita, o que por motivos vários não pode reter. Quando essa devolução ( desassimilação) é regular, há equilíbrio na relação. Quando essa desassimilação vai além, acarretando a saída dos elementos necessários, há. depauperação, velhice, etc.; quando a assimilação é maior, há desenvolvimento, crescimento. Na vida do homem há. três fases:
a) nascimento, infância;
b) mocidade, idade adulta, média;
c) velhice, morte.
Na primeira, a assimilação é maior, na segunda, equilibrada, na última predomina a desassimilação. Chamam os fisiologistas “metabolismo” (da palavra grega metábole, que significa mutação) esse fenômeno geral de troca. «Anabolismo» na primeira fase e «catabolismo», na última. O que se dá com a vida física do homem, se dá, também, com a vida psíquica. Porque esta depende daquela. Examinando o feto, vê-se que este no ventre materno, vive sem ambiente. A assimilação e a desassimilação são feitas, pelo organismo materno, por intermédio do cordão umbilical. Nada se oferece ao psiquismo da criança, a não serem os fenômenos da vida de relação, fenômenos puramente vegetativos da vida. Não há, nessa fase, propriamente consciência. Todos os fenômenos psíquicos são inconscientes.
O feto vive “feliz”, nirvânicamente, como se não vivesse. Existe ai, exclusivamente, o “id”, que forma a viga mestra do nosso psiquismo. É ele que, desdobrando-se depois, vai dar lugar à formação do nosso “Eu”.
Esse “id” prossegue pela vida afora. É ele que, posteriormente, centraliza os impulsos cegos, os instintos, etc. Nascendo isolado, em si mesmo e para si mesmo, entregue a si mesmo, sobre si mesmo. Essa vida paradisíaca que vive o “id”, no ventre, é rompido pelo NASCIMENTO - O feto, que vivia sem ambiente, tem, de momento, um ambiente. Este é o mundo, que se lhe opõe agressivamente.
Impõe-se uma adaptação brusca. Por exemplo, no ventre materno, há um equilíbrio térmico, mas após o nascimento a temperatura é diferente; a respiração, que antes não existia, a alimentação que ora deve ser feita, quando antes não havia senão pelo meio materno, etc., tudo isso obriga a criança a adaptar-se à nova vida ou perecer.
Tudo modifica a vida de relação da criança sob o seu aspecto fisiológico. Identicamente se modifica o seu aspecto psicológico.
PSIQUISMO - O psiquismo infantil, que antes era pobre, é agora enriquecido de novas imagens, que lhe oferece, dadivoso, o ambiente. Vai adquirindo, aos poucos, a noção de espaço e a noção de tempo, das quais anteriormente não necessitava.
O ”id” tem que se adaptar a nova vida. E, para adaptar-se, transforma-se parcialmente, sem se aniquilar. Do seu arcabouço surge uma nova modalidade, que se adapta à nova existência. É o “Ego”. É a parte que sente, dos sentidos, a parte que age, que ordena os movimentos. Antes, na vida fetal, não tinha em movimento os sentidos. Não ouvia, não via, etc. Não ordenava movimento nos membros, etc., porque lhe era desnecessário mover-se.
Agora, fora do ventre materno, vê, ouve, mexe os braços, o corpo, etc. O “ego” é, portanto, como disse ilustre psicanalista “uma membrana de defesa”. É a membrana que o “id” forma para a sua luta contra o meio ambiente, contrário, agressivo.
Na fase do “id”, fase fetal. ainda no ventre materno, o psiquismo é chamado de psiquismo arcaico. Fizemos notar, que, ai, a consciência é como se não existisse.
Em contato com o ambiente agressor, o “id” (psiquismo fetal) adapta-se bruscamente pelos sentidos, pelo movimento. Novos elementos o enriquecem. Todos os fenômenos psíquicos passam-se então no “id”. O “ego” é, como vimos, a parte aparente da personalidade, a consciência, a que possui os órgãos de percepção, de atenção, de memória, de raciocinio, etc. Nas relações entre o meio ambiente e o homem, podemos observar:
O equilíbrio é o meio têrmo. Quando a troca de energia é normal, há equilírio, tanto no mundo físico, como no mundo psíquico, onde se dá o mesmo.
O mundo psíquico é simplesmente uma modalidade do mundo físico.
Tomemos o homem por centro. Havendo excesso de carga no homem, torna-se necessário, para a conquista do equilíbrio, que essa carga saia, se exteriorize. Se há excesso de carga no homem, deve escoar-se para o meio ambiente.
Pois bem, impulso (triebe) é o nome que se convencionou dar em Psicanálise a essa exteriorização.
No ventre materno, o feto está em equilíbrio, embora receba muita carga, sem, entretanto, descarregar. O equilíbrio máximo só vai tê-lo com a morte.
Na vida, portanto, o equilíbrio só é atingido instantaneamente.
Os impulsos têm por finalidade:
a) defender-se do meio, pela agressão, etc.;
b) aquisição de energia do ambiente e sua conservação, para aumento da energia individual.
CLASSIFICAÇÃO DOS IMPULSOS - Assim vemos dois grupos. Num, luta-se contra o meio, para retirar dele o necessário para a vida orgânica, internamente, pela nutrição, e, externamente, pela reprodução.
Assim, os impulsos tendem para a destruição ou para a construção. Dai chamaram-se:
a) impulsos de morte; e
b) impulsos de vida.
A estes últimos Freud chamou de libido.
PRAZER-DESPRAZER - Esses impulsos obedecem a dois principios:
a) principio do prazer-desprazer;
b) principio da repetição.
A estabilidade é desejada pelo homem. Todo movimento que tende para a estabilidade provoca prazer. Todo movimento que tende para a instabilidade provoca desprazer.
Até certo limite da estabilidade, há prazer. Pelo aumento posterior da carga, vem a instabilidade, e manifesta-se o desprazer.
Uma excitação agradável, continuada, torna-se desagradável.
Há um momento intermédio de indiferença. Os impulsos de vida, impulsos sexuais, a libido têm tendência para o prazer.
SOBRE A REPETIÇÃO - Os fenômenos naturais são regidos por um grande principio, o principio da repetição. O dia sucede à noite, a noite ao dia. Na natureza, em todos os fenômenos, observa-se a repetição.
É o principio da repetição que nos explica o prazer das crianças em ouvir contar novamente as mesmas histórias; dos africanos gostarem do batuque, que repete, indefinidamente, o mesmo ritmo, etc.
CENSURA - Os impulsos de morte tendem para a volta à vida mineral, a vida inorgânica. a vida das coisas que compõem o universo; os impulsos de vida, para a reprodução da espécie.
A libido, impulsionada pelos princípios do prazer-desprazer e pelo da repetição, tende a exteriorizar-se em atos reprodutivos da espécie, em atos ou preparatórios ou finais, ou, ainda, quando não se deu o acabamento físico e psíquico do agente, como na fase prepuberal, infância, etc., em atos sexuais primitivos. Ora, esses atos, manifestados em gestos, em atitudes, etc., encontram a oposição do meio ambiente que reage contra eles.
A criança, ao manusear os órgãos sexuais, é injustamente repreendida pelos pais. A criança, ao observar os fenômenos de ordem sexual, encontra as restrições violentas dos parentes ou pessoas próximas.
A necessária educação, que deveria ser dada ordenadamente, regulada, dosada, é substituída, energicamente, pela proibição pura e simples. .
O “ego” é formado pelo “id” em contato com o ambiente. A necessidade de se defender, adaptando-se bruscamente e a aplicação do aparelho-sensitivo receptor (olhos, ouvidos, tacto, etc.), tudo vem enriquecer o psiquismo arcaico da criança, aumentando-lhe os conhecimentos.
Os impulsos do “id” tendem a se exteriorizar, passando pelo “ego”.
Mas o meio ambiente é oposto. O “ego” oferece, então, uma resistência tenaz a esses impulsos. Essa resistência é o que Freud chama censura, palavra aproveitada da mesma que significa a ação policial contra os jornais. onde se viam publicadas em branco as notas julgadas inconvenientes, etc.
RECALCAMENTO - Dá-se o recalcamento (outro termo empregado por Freud) quando a vitória da censura é completa, não vindo à tona do “ego”) nenhuma manifestação do impulso censurado. Fica como que esquecido o impulso, guardado no âmago do inconsciente.
Já que falamos em inconsciente, vejamos como o considera a psicanálise, bem como o que chama de consciente.
CONSCIENTE E INCONSCIENTE - Chama-se em geral consciente o que está presente na consciência em um dado momento. Inconsciente, em regra também geral, é o contrário, o que nunca está presente à nossa consciência. O sentido psicanalítico não difere muito. Observa-se que há representações conscientes e sabe-se que existem inconscientes.
Já dissemos que o “id” é inconsciente. Não nos recordamos de suas representações. Não nos recordamos do que se deu em nossa vida fetal, nem imediatamente após o nascimento. Será o “ego” e suas representações também inconscientes? Não. No inicio do nascimento do “ego” há inconsciência. Mas, depois, com o desenvolvimento da vida psíquica, dão-se grandes alterações. As restrições aos impulsos vão gerando a personalidade. Dai porque só em parte o “ego” é inconsciente.
Mas o inconsciente do “ego” não é semelhante ao inconsciente do “id.”
Há uma diferença: os fenômenos inconscientes do “ego” podem tornar-se conscientes, espontaneamente, enquanto os do “id” só se tornam conscientes pela aplicação do método psicanalítico.
DESLOCAMENTO - Os impulsos procuram exteriorizar-se, mas encontram a barreira da censura. Quando, encontrando essa barreira, não podem passar, dá-se o recalcamento, de que já falamos acima. Mas nem sempre se observa tal coisa. Os impulsos, procurando sair, encontrando a barreira da censura, conseguem, muitas vezes, virem à tona, embora, modificados pela oposição oferecida. Essa modificação, transforma-os, muda-os, tornando-os diferentes do primitivo impulso, irrecognoscíveis.
É uma forma de burlar a vigilância da censura. El isso que se chama deslocamento. Antes de passar a esse importante capitulo da psicanálise, examinemos o que se compreende por “Superego”.
SUPER-EGO - Já vimos como se forma o “ego”.O “Super-ego” é uma formação posterior. “O homem busca poupar sua energia pela adaptação”. O meio opõe obstáculo à exteriorização dos impulsos. É a sociedade, com os seus códigos de moral, com seus costumes, que repele os impulsos soltos.
O homem reage, resistindo aos seus impulsos interiores. Forma-se uma função censora, que representa as regras dominantes da sociedade.
Nessa fase começa a estruturação da personalidade, que, na infância, nos primeiros tempos, ainda não existe “formada”.
Desde o momento que são censurados os impulsos, começa a formação da personalidade. Mas esta é lenta, demorada. Aos três anos a criança começa a compreender a sua existência “pessoal”. Até ai não tem consciência de sua personalidade. Só ai começa a usar o pronome pessoal e a modificar-se completamente.
O “Super-ego” é de ação censora. Oferece uma resistência tenaz aos impulsos. Procura impedi-las de se manifestarem. E temos o recalcamento quando êle, o super-ego, consegue o seu objetivo.
ASSOCIAÇÃO - A idéia censurada pode, em muitos casos, associar-se a outras idéias. Censurada a primeira, outras e mais outras lhe sucedem até o último elo de uma longa cadeia de idéias. O ato proibido pelo “Superego” não se exterioriza como tal, mas consegue exteriorizar-se modificado, transformado, enganando a ação censora do “Superego”. Um exemplo simples ilustra bem:
Um animal no cio, à vista da fêmea, a ela se atira para a conjunção sexual. Num salão de baile, porém, o cavalheiro contenta-se com reproduzir, em forma análoga, no corpo-a-corpo e nos movimentos ritmados da dança, o ato que realizaria, se tal não o impedisse o seu “Super-ego”.
É a isso que se chama em psicanálise deslocamento. O ato julgado mau, contrário aos princípios da moral, da moral dominante no momento, passa a ter uma exteriorização permitida, consentânea com o mesmo meio. Obedece essa manifestação à lei do menor esforço, havendo o individuo poupado energia.
TRANSFERÊNCIA - A transferência tem muitos pontos de contato com o deslocamento. Vejamos singelamente o que seja. Há o individuo, há o objeto para o qual o impulso tende realizar-se. Censurado o impulso em relação ao objeto, sobre o qual não se pode realizar, desvia-se aquele para outro objeto, não julgado proibido pela repressão censora do “Super-ego”.
CONDENSAÇÃO - Na ânsia de exteriorizar-se, o impulso transforma-se, desloca-se. E também transfere-se, como vimos. E não é só. Transformado em imagens, pode dar-se a condensação de duas imagens que se transformam numa só, para melhor iludir a vigilância do “Super-ego”. Nos lapsos» de linguagem é muito comum observarem-se esses erros, essas condensações.
DISSOCIAÇÃO - É o caso contrário de condensação. Em vez de se dar a conjunção de duas idéias numa idéia só, dá-se a divisão em duas idéias de uma única idéia.
SUBSTITUIÇÃO - Dá-se a substituição, quando há a troca de uma imagem censurada pelo “Super-ego” por outra que se lhe associe, que não seja chocante com o meio ambiente. São os casos de transladação do sentido das palavras, tão comuns na giria.
SUBLIMAÇÃO - Chama-se sublimação ao desvio das energias sexuais para fins não sexuais. Por exemplo: o desvio do erotismo oral (bucal) para a música de sôpro, etc.
Desta forma, as manifestações estéticas do homem são sublimações de energias da libido, desviadas para fins não sexuais, segundo a interpretação da psicanálise.
Assim, toda a cultura humana é fruto da libido reprimida e depois sublimada.
Esta é, em linhas gerais, a concepção, que a Psicanálise constrói do homem.
_________
Consulte outros verbetes: Empresa
Estética
Ética
Memória
Substância
|