Uma esfinge no labirinto
"Todo homem deve viver e morrer como um guerreiro"
Uma pessoa que age sob o signo desta máxima nos aproxima da idéia de quem era Mário Ferreira do Santos, de sua intensa produção intelectual e filosófica e de sua interferência positiva na cultura e, particularmente, no mercado editorial brasileiro. Jamais seus valores se fecharam diante de um país que permanece ainda preconceituoso frente à audácia dos seus próprios pensadores maiores. Era para ele uma questão de princípio romper com essas amarras dogmáticas. Tipo "enciclopedista", era um raro viajante esclarecido e, como tal, causava assombro, estranheza e mal-estar. Lutador incansável na afirmação do pensamento brasileiro no grande caleidoscópio universal, expressava-se pela caracterização de uma busca incessante de uma nova linguagem filosófica diante de um pensamento europeu consolidado no seu esgotamento. Ousou pensar os antagonismos do seu tempo com uma dignidade divergente e típica daqueles que não escamoteiam seus próprios problemas contraditórios e oponentes, exemplarmente munido de uma coragem espiritual de quem não teme os absurdos. Prolífero, profundo, marcante, heterogêneo e polêmico são adjetivos inscritos no interior da produção de sua extensa obra.
Dono de uma intensidade impar, jamais procurou ficar imune diante do que se apresentava. Herdeiro de uma formação escolástica sólida, procurou construir seu método na afirmação do ciclo concreto "que pertence a todos os grandes ciclos naturais da humanidade", desde os gregos até os nossos dias. Formou-se em Direito e Ciências Sociais pela Faculdade de Direito de Porto Alegre. Como livre-pensador foi preso em 1930, aos 23 anos, em defesa de suas atitudes conscientes e de seus ideais libertários, aos quais se manteve fiel até o fim da vida. Foi advogado, diretor de jornal, tradutor, professor, escritor multiprismático.
Dentre as várias traduções feitas para a Livraria do Globo, Porto Alegre, destaca-se a obra de Friedrich Nietzsche, Vontade de Potência com o ensaio O homem que foi um campo de batalha. Posteriormente em São Paulo traduziu Assim Falava Zaratustra com análise simbólica. Tradutor criterioso, procurava manter-se fiel ao ritmo, ao estilo e às modalidades da expressão nietzscheana, tendo a subtileza da intuição genial de ter-se "colocado sempre na posição de sentir como Nietzsche escreveria se fizesse "Zaratustra" em português". Cria, com isso, uma original interpretação simbólica do pensamento do filósofo de Sils-Maria.
Compulsivo na criação de suas obras, Mário escreveu artigos políticos e de cultura para os jornais Opinião Pública, de Pelotas, e Diário de Notícias e Correio do Povo, de Porto Alegre. Foram quase duas centenas de artigos versando, principalmente, sobre aspectos da II Guerra Mundial. Por essa época, colabora com as revistas Climax e Movimento, escrevendo ensaios, discussões sobre arte, estética e poesias. Mas é ainda pouco para o seu espírito irrequieto, que não pára de buscar um conhecimento mais consistente. Talvez por isso, necessitando de um espaço onde houvesse a condição de uma troca mais radical, mudou-se para São Paulo, na esperança de encontrar ecos mais significativos às inquietações do seu trabalho filosófico. Em São Paulo trabalhou em várias editoras: Flama, Sagitário, Livraria Ritz e outras. Fundou a Livraria e Editora Logos e a Editora Matese. Como empresário foi pioneiro na implantação de venda no crediário no sistema porta a porta
Intelectual por demais contemporâneo, em 1949, dedicou-se a ministrar aulas. Redigia de forma cuidadosa, acessível e sem rebaixar o conteúdo dos cursos por correspondência (novidade no Brasil, pois os únicos que existiam vinham importados dos Estados Unidos ou da Europa). Dizia que os cursos de Cultura e Filosofia Geral importados "não iam evidentemente, de encontro às necessidades do povo brasileiro". Iniciou os cursos com Oratória, seguindo-se Filosofia, Estética, História da Cultura e História da Arte. A sua residência, à noite, após as aulas, era inundada por grupos de estudantes em fervilhante atividade, na busca de discussões livres e penetrantes, em torno de temas políticos, econômicos e sociais da atualidade.
Homem de filosofia, não poderia deixar de interrogar-se constantemente. No livro "Se a esfinge falasse", afirma: "É do destino do homem formular perguntas, e de sua necessidade respondê-las. Mas cada resposta é a gênese de uma nova interrogação. Enquanto o homem for homem, perguntará... Perguntar é bem uma dimensão humana". Recuperando, então, essa dimensão humana através da escrita, por sua aparição mais indicada, que é o livro, ousamos perguntar: por que não reeditar Mário Ferreira dos Santos? (1)
"Que filósofo seria eu se não pudesse tratar filosoficamente de cada ciência?"
"Estou realizando uma pesquisa científica sobre a situação atual do pensamento filosófico brasileiro, a fim de constatar, com objetividade, em que ponto se encontra a Filosofia hoje no Brasil, como ela se desenvolve, que metas está visando e que objetivos deve atingir. Durante esta pesquisa científica, ainda em curso, descobri um pensador de extraordinário valor - Dr. Mário Ferreira dos Santos, nascido no dia 3 de janeiro de 1907 e falecido no dia 11 de abril de 1968. A descoberta deste filósofo solitário, dedicado a uma intensa atividade de pensamento e produção literária, surpreendeu-me não pouco e proporcionou-me a grata oportunidade de entrar em freqüentes contatos pessoais com ele, homem que ainda não foi descoberto no Brasil". (2)
A ele se referiu o Dr. Carlos Aurélio Motta de Souza, seu ex-aluno:
"Fue un pensador completo, que há buscado sin rechazar nadie en sus estudios y pesquisas, pero tan sólo ha refutado lo que no fuera positivo, y no llevara al hombre a conocerse en su totalidad.
Por eso, y en esse sentido, fue un gnoseólogo humanizante, de pensamiento total, que nada excluye del hombre ni de este desvalorice.
La extrema fecundidad del trabajo de Mário Ferreira dos Santos nos ha legado una obra filosófica grandiosa que, como tal, permanece a la disposición de los estudiosos.
Restan, todavía, decenas de trabajos inéditos, que merecen ser conocidos, no sólo para memoria del extraordinario pensador, sino para coronamiento de una obra producida en los momentos de su mayor intuición filosófica.
Relegada progresivamente a planos inferiores de la cultura, urge rescatar la filosofía humanizante, centrada en la realidad del ser supremo, esta filósofo há buscado incesantemente la integración humanística, abordando el ecumenismo, buscando la unidad, procurando "un método capaz de reunir los aspectos positivos de diversas posiciones filosóficas", "método includente y no excludente, que concilia positividades", combatiendo al mismo tiempo las filosofias nihilistas, negativistas y pesimistas, que alienan, desesperan y dividen el hombre y el mundo, sin darles la debida concreción, y la certeza del bien supremo.
Bien por eso ha concluido su auto-biografía apuntando hacia la reconciliación de la filosofía com la religión cristiana, como filosofía superior capaz de unir los hombes y hacer que se compreendan, pues para él, Cristo representa todo cuanto hay de más elevado, es el hombre en cuanto voluntad, entendimiento y amor, correspondiente a la concepción de las tres personas de la Santísima Trinidad". (3)
O filósofo Olavo de Carvalho, apesar de não tê-lo conhecido pessoalmente, dedica-se ao estudo de sua obra, trabalhando na organização dos escritos inéditos:
"Cultuado e respeitado, temido e odiado em vida, Mário tornou-se, uma vez morto, objeto de uma conspiração de silêncios destinada a abafar o mais paradoxal dos escândalos: este país sem cultura filosófica deu ao mundo um dos maiores filósofos do século, talvez de muitos séculos.
A obra de Mário não tem similar, nem por sua extensão oceânica, mais de cem volumes publicados e trinta inéditos, nem pela orientação muito peculiar de seu pensamento, onde as influências mais díspares, de Sto. Tomás a Nietzsche, de Pitágoras a Leibniz, de Platão a Proudhon, se harmonizam numa síntese radicalmente original.
Um dos segredos dessa originalidade é justamente a absorção e superação de um imenso legado filosófico. Dono de uma cultura prodigiosamente vasta, Mário se ocupou de buscar, na filosofia universal, as constantes ocultas, os pressupostos latentes que, por trás da variedade e dos antagonismo aparentes entre os sistemas, configurassem o quod semper, quod ubique, quod ab omnia credita est (aquilo que todos, em toda parte, sempre acreditaram). E não somente encontrou um núcleo de princípios que estruturam algo como uma unidade transcendente das filosofias, mas ainda o formulou em expressão sistemática e lhe deu variadas aplicações na solução de alguns dos mais difíceis problemas da metafísica, da teoria do conhecimento, da ética e da filosofia da história.
Para sondar esse sistema de princípios, que ele denominava, usando uma expressão pitagórica, mathesis megiste ( ensinamento supremo ), Mário criou um método próprio, a dialética concreta, que sintetiza a lógica analítica tradicional com a lógica matemática e com as dialéticas de Aristóteles, Hegel e Nietzsche (um método de espantosa flexibilidade) que lhe permite levar suas demonstrações até requintes de evidência que superam tudo o que a mente mais rigorosa poderia exigir". (4)
Mário Ferreira dos Santos costumava dizer: "Não sou um professor de Filosofia, sou um filósofo. Há um silêncio a minha volta, mas não me importo. Quero que o leitor me julgue e só dele quero receber a crítica boa ou má. Meus livros, 'observou' , foram entregues ao seu próprio destino, sendo os leitores os únicos propagandistas; já que eram eles que os aconselhavam à outros e, desta forma, foram tornando-se conhecidos e procurados". Sua meta: tornar a filosofia compreensível para todos, propiciando o conhecimento sempre no sentido mais elevado. Acreditava na possibilidade do nosso povo, pois comentava que todos aqueles que no Brasil revelaram possuir mente filosófica, tenderam para um pensamento de caráter sintético, de característica universalizante, por isso "...o Brasil é atualmente um dos países que está melhor capacitado para uma nova linguagem filosófica, capaz de unir o pensamento..."
No prefácio de Filosofia e Cosmovisão (1953), temos uma explicação clara de seus objetivos. Como ensinar filosofia a leitores que não tem os conhecimentos básicos? Havia necessidade de preencher estas lacunas, por este motivo usou uma linguagem de rigor filosófico, mas pressupondo a falta de escolaridade destes leitores, pois dizia "há em nosso país autodidatas de grande valor e de muita criatividade".
Paulatinamente foi publicando as obras que aprofundavam o conhecimento, constituindo um verdadeiro curso: Psicologia, Lógica e Dialética, Teoria do Conhecimento, Ontologia e Cosmologia, Tratado de Simbólica, Filosofia da Crise, O Homem perante o Infinito, Noologia Geral, Sociologia Fundamental e Ética Fundamental, Filosofia Concreta dos Valores, obras que constituem a Enciclopédia de Ciências Filosóficas e Sociais .
Em Filosofia Concreta estabelece seu modo de filosofar: “Há duas maneiras de faze-lo: a) deixar o pensamento divagar através de meras opiniões; b) ou fundá-lo em juízos demonstrados a semelhança da matemática. Esta segunda maneira é usada nesta obra, pois nela a filosofia não é abstrata, mas concreta, fundada em demonstrações rigorosas. A Filosofia Concreta não é uma “síncrese” nem uma “síncrise” do pensamento humano, não é um acumulado de aspectos julgados mais seguros e sistematizados numa totalidade; ela tem sua existência autônoma, pois seus postulados são congruentes e rigorosamente conexionados uns aos outros". Partindo da proposição "alguma coisa há" constrói 327 teses, apoditicamente demonstradas, pois "o valor de nossa filosofia é proporcionado às demonstrações que ela usa e emprega; como construção filosófica, ela valerá na medida que valerem as suas demonstrações".
Como construir um método capaz de reunir as positividades das diversas posições filosóficas?
“O método dialético é inegavelmente o mais completo, é o melhor para estudar, sobretudo na ciência, quando nos dedicamos ao mundo da ação do homem, ao mundo do pragma, porque trabalhamos aí com entidades que excluem e, portanto, não podem ter aquele rigor da lógica clássica. Temos também o que chamo de decadialética, que é uma espécie de esquema em dez providências de tudo aquilo que é conveniente fazer quando se quer estudar um fato que corresponda à filosofia prática. Esta metodologia permite, partindo de uma pequena idéia, construir uma série de idéias; trata-se de uma questão de procurar subordinantes, subordinados e colaterais".
Analisou este método em A Sabedoria da Dialética Concreta (manuscrito inédito). E aplicou-o em Pitágoras e o Tema do Número, onde elucida o pensamento do filósofo grego, visto o pitagorismo ter sido o movimento fecundador de todo conhecimento humano. Inspirado nele criou, quando jovem, um personagem literário, Pitágoras de Melo, protagonista de vários artigos e que retorna duas décadas depois, nos diálogos de Filosofias da Afirmação e da Negação.
Queria reivindicar Pitágoras para o cristianismo, pois considerava os Versos Áureos um livro sagrado, que no futuro deveria ser incorporado," porque não há ali um pensamento que não seja cristão". Por este motivo decidiu fazer uma edição com a tradução integral dos comentários de Hiérocles, aproveitando a contribuição de outros estudiosos e fazendo uma espécie de síntese, acrescentando as suas contribuições (obra inédita).
O Tratado de Simbólica justifica a simbólica como disciplina filosófica, pois pode-se considerar todas as coisas no seu aparecer, na forma como se apresentam, como um apontar para algo ao qual elas se referem. Examina as principais teorias e propõe uma técnica de interpretação baseada na dialética simbólica, a qual utilizou para o estudo da hermenêutica de O Apocalipse de São João.
Em 1967 iniciou a publicação das obras da Matese da Filosofia Concreta e assim se expressou:
"Atualmente estou terminando o trabalho maior da minha vida, que é a obra de Matese Megiste, que é a tentativa de reconstruir a suprema instrução dos pitagóricos. A Sabedoria dos Princípios é o título do primeiro volume, seguindo-se A Sabedoria da Unidade, A Sabedoria do Ser e do Nada, A Sabedoria das Leis, A Sabedoria dos Esquemas, A Sabedoria das Tensões(estes três últimos não publicados), e assim sucessivamente, nos quais exponho o pensamento que julgo ser genuinamente pitagórico que antecede a tudo quanto se fez, e dá o fundamento mais profundo do saber, porque se desenvolve através de demonstrações rigorosas e apodíticas, suficientes para permitir a formação de uma nova linguagem, que possa unir os homens dos diversos setores do conhecimento, evitando os estragos que os especialismos estão fazendo atualmente. Desta maneira, homens provindos de todos os setores do conhecimento humano, podem reunir-se num pensamento capaz de ligar, polimateicamente, tudo quanto o homem realizou, e oferecendo os fundamentos que Pitágoras desejou expressar, cujos trabalhos não chegaram até nós senão através de fragmentos e de obras esparsas e incompletas, que estamos lutando para reunir, graças à dialética matética, como chamamos, que é uma dialética concreta, que permite ao partir de um postulado válido de per se, ascender, pela subordinação, e descer também, pelo mesmo caminho, e buscar os colaterais, e, deste modo reunir concretamente um conjunto de idéias e de verdades, que estavam dispersas nos diversos setores”.
Questionado de como atingir esta sabedoria, respondeu:
“Estou trabalhando e tenho a convicção de que consegui, consegui alcançar a esta Matese que vai servir então de ciência arquitetônica, que poderá facilitar a compreensão de todos os setores terem uma linguagem comum, uma meta linguagem, uma sintaxe universal que pode dar a ligação de todas as ciências". Mas é possível o homem atingi-la?. "...que é possível, não há dúvida, e é prometido na Bíblia, foi prometido por todas as grandes religiões. Na Bíblia há centenas de passagens que São Boaventura colecionou, onde há essa promessa, que é o que ele chama de “Ciência Christi”, a própria ciência de Cristo que é dada, prometida ao homem, com a qual o homem poderá alcançar o entendimento. E São Boaventura chega a dizer mais, que essa procura é piedosa e é anticristão não crer nessa possibilidade porque então é como que marcar para todo o sempre a impossibilidade dos homens se entenderem”. E concluiu: "este estudo levará, inevitavelmente a uma visão transcendental da realidade e sem ele não se faz filosofia em profundidade, mas apenas de superfície".
O homem é um fim e não um meio. Utilizá-lo, transformá-lo em peça de uma mecanismo, é ofender a sua dignidade.
Livre pensador, apaixonado pelos ideais libertários, foi um lutador, um quixote esgrimindo para todos os lados, sempre procurando a elevação espiritual pelo saber. "O homem é um viandante (homo viator) que deve buscar a sabedoria, até quando lhe paire a dúvida, de certo modo bem fundada, de que ela não lhe está totalmente ao alcance".
"Meu ideal?... sei que não o verei vitorioso em minha vida. Nem meus filhos o verão. Talvez nem meus netos. Talvez mesmo nunca chegue a vencer. Que importa! Continuarei lutando pelo meu ideal embora saiba que ele jamais será vitorioso. Ele é minha única razão de ser, porque na luta, para torná-lo vitorioso, está toda a minha felicidade!..."
Na defesa de idéias não se furtava ao debate. Apaixonado quando discursava e bastante polêmico na controvérsia, principalmente nos debates sobre questões sociais, não foram pouco os adversários adquiridos.
Conhecedor das várias correntes ideológicas, principalmente do marxismo, assim se referiu a um contestador: “...mesmo sendo marxista, dificilmente ele conhecerá marxismo melhor do que eu...” Dentre os inúmeros fatos pitorescos desta época, um deles ocorreu durante uma palestra, quando o conferencista defendia o marxismo, mas de maneira elementar, Mário levantou-se, pediu um aparte, e começou a expo-lo com argumentos sólidos. O auditório admirou-se, pois era conhecido como defensor das idéias libertárias. Seus amigos chegaram a pensar que tivesse mudado de opinião, mas logo em seguida rebateu, ponto por ponto, todos os itens antes defendidos.
Uma das suas preocupações eram os problemas sociais: "... Senhores, como o Brasil sairá da miséria? Apenas aplicando um sistema de organização social? Se não houver uma modificação psicológica neste povo? Se não despertarmos neste povo um outro sentimento de si mesmo, uma outra maneira de ver a vida, e isto se fabrica da noite para o dia? Isto não está exigindo lutadores?
"Para conseguir esta mudança que se deve fazer no Brasil?” perguntaram-lhe.
“Bem a mudança que se deve fazer no Brasil é em nós, primeiro nós brasileiros temos que mudar radicalmente se quisermos fazer alguma coisa, porque o que temos lá em cima é um reflexo de nossa situação. Se lá em cima vão esses homens, é porque não fomos capazes de evitar que lá chegassem. Precisamos criar elites de espírito brasileiro, preocupadas com problemas brasileiros. Se assim não o fizermos, não criaremos uma outra mentalidade, não criaremos a confiança em nós mesmos, não seremos capazes de elevar este país para o destino que merece. Há muita gente capaz, mas muitas vezes não podem fazer nada porque estão coarctadas pela ação de grupos e de outros elementos que ocupam, às vezes, cargos de mando. Vamos fazer uma nova elite no Brasil, vamos obrigar aos nossos homens que estudem as nossas coisas e dêem valor ao que é nosso”.
Para ele, "Os homens revelam-se pelos atos e não pelas palavras. Prefiro mil vezes o meu idealismo consciente e de perspectiva de pássaro do que o ignorante praticismo caolho de perspectiva de rã!"...
Em Invasão Vertical dos Bárbaros denuncia a falsa cultura que avassala o mundo, propondo: "O que temos de fazer hoje é construir. Na realidade, o espírito destrutivo, o demoníaco, vence em quase todos os setores deste período histórico que vivemos e, sobretudo, neste século, que talvez seja cognominado pelos vindouros 'século da técnica e da ignorância'; porque se há nele um aspecto positivo, que é o progresso da técnica, que chega até as raias da destruição, a ignorância aumenta desesperadamente, alcançando limites que a imaginação humana nem de leve poderia prever. Mas o que é mais assombroso é a auto-suficiência do ignorante, o pedantismo da falsa cultura, a erudição sem profundidade, a valorização da memória mecânica, do saber de requintes superficiais, a improvisação das soluções já refutadas, a revivescência de velhos erros rebatidos e apresentados com novas roupagens. Tudo isso é de espantar".
"Estamos em pleno agnosticismo, ceticismo, pessimismo, ficcionismo, pragmatismo, materialismo, niilismo, "desesperismo"; são conseqüências que surgiram do filosofar moderno".
Costumava nas aulas conclamar os alunos para lutarem contra as más idéias que invadiram o campo cultural moderno, contra a filosofia de opiniões que tantos males causaram , contra os "ismos", contra o espírito da "novidade" e tudo que leva ao negativismo e a confusão. "O resultado é que vivemos num mundo de utopias e quimera; como conseqüência, há desilusões, cujo resultado final é desespero". "Portanto, inegavelmente, a reflexão filosófica deve abrir-se para uma visão transcendental da realidade, sob pena de nos perdermos em armadilhas feitas por nós mesmos, afirmando uma deficiência que, na verdade, não temos".
Advertia que "devemos erguer as massas populares até a filosofia, através de um desenvolvimento da cultura nacional, que tenda à filosofia positiva e não à filosofia negativista e niilista que penetra em nossas escolas".
Como mestre e educador revelou uma preocupação especial em relação aos jovens, e foi em tom apologético que encerrou uma de suas aulas: "Eu conclamo a juventude de hoje que não se torne aquela juventude que perseguiu sempre os grandes homens, aquela juventude que perseguiu Sócrates, aquela juventude que perseguiu os pitagóricos, aquela juventude que levou à condenação, à morte a Anaxágoras, mas sim aquela juventude que apoiou Platão, que apoiou Aristóteles no Liceu, que apoiou Pitágoras no seu Instituto, aquela juventude estudiosa, aquela juventude que dedica o melhor de sua vida para formar o seu conhecimento, aquela juventude que quer ser capaz de assumir as rédeas do amanhã, e não a juventude que quer apenas ser uma massa de manobras de políticos demägógicos e mal-intencionados, uma juventude de agitação, mas sim uma juventude construtora, uma juventude realizadora, uma juventude que lance para a história da humanidade os maiores nomes e os maiores vultos..."
O caminho que leva à Sabedoria é um caminho de humildade e simplicidade. A conversão nos exige que nos apresentemos ante os outros com o pouco que temos e colocá-la à disposição de todos. Não ensinamos, não damos, oferecemos e compartilhamos o que temos, aprendemos e agradecemos o que nos ensinam todos os outros.
Seu pai, apesar de anticlerical, vendo a inclinação do filho para temas filosóficos, decidiu matriculá-lo no Ginásio Gonzaga, pois considerava os jesuítas grandes educadores.
Aos 14 anos sentiu despontar grande ardor religioso, desejando entrar para a Ordem, porém o padre confessor advertiu-o: "Mário, deves ir para o mundo, teus caminhos serão outros, porém mais tarde sei que voltarás a nós". "Que mau padre eu seria!", comentou anos mais tarde.
Teve momentos de dúvidas e descrença " ...passei por uma longa noite obscura de trevas, em que me abismei no ateísmo. Só depois, graças a ter guardado um pouco de amor, que me havia ensinado um de meus mestres, que era uma devoção que sempre tive por Virgem Maria, foi por ali que se abriram novamente os meus olhos." Costumava dizer: "o meu cristianismo é o cristianismo do amor, tão bem sintetizado no poema de São Francisco Xavier: "Deus, eu te amo".
O ateísmo foi tema de estudos, abordado primeiramente em Teses da existência e inexistência de Deus e depois em O Homem perante o Infinito. Em resposta a pergunta: "Que pensar sobre o problema do ateísmo contemporâneo?" disse:
"Este tema é de uma vastidão tremenda, já que o ateísmo contemporâneo não surge a rigor de uma especulação filosófica, mas sim, de certas decepções de caráter mais ético do que filosófico. A meu ver, o ateísmo não surge, propriamente, em torno do Deus Uno e de seus atributos, mas, em torno dos atributos do Deus Trino, ou Deus pessoal ou dos atributos morais de Deus. Não conheço nenhum trabalho, de nenhum ateísta, que se limite a atacar, especificamente, o Deus Uno. Conheço agnósticos e cépticos, mas não ateístas que tomem uma posição definitiva, negadora da possibilidade de um Ser Supremo. O ateísmo é sempre o produto de uma má colocação do problema de Deus. Como “na Filosofia não há questões insolúveis, mas apenas mal colocadas”, o ateísmo moderno parece uma questão insolúvel, porque é mal colocada. Todas as ocasiões em que tive a oportunidade de me encontrar com ateístas, bastou-me pedir-lhes que descrevessem o que entendiam por Deus, para, nessa descrição, verificar quais as razões de seu ateísmo. Foi-me fácil afastá-los de sua posição e colocá-los na aceitação de um Ser Supremo, o que é, para nós cristãos, o ponto de partida para uma total recuperação".
Em Cristianismo, a religião do homem (manuscrito inédito), demonstra que esta é a única religião que não depende de raça nem de ciclo cultural, pois surge de uma revelação através do próprio homem, pedindo a ele que seja perfeito naquilo que lhe é próprio, quer dizer, na superação humana, que se realiza pela purificação da vontade, pela clareza e pela acuidade do pensamento, e pelo acrisolamento do seu amor.
Nos últimos anos dedicava-se, sobretudo, ao estudo da religião, com a intenção de publicar Deus (manuscrito inacabado), que culminaria todo seu pensamento numa síntese global, pois “...consideraria tudo que estou fazendo na minha vida sem valor se não chegasse a uma possibilidade de divulgar a idéia religiosa de uma maneira mais sã e mais completa”. E adiante confessa: “O meu desejo foi sempre ter a minha volta pessoas capazes de um dia ajudar num trabalho de pregação religiosa, mas de pregação séria, independente das seitas, independente das diversas igrejas, nesse verdadeiro sentido do cristianismo. a religião do homem, abrindo as portas, porque nós estamos hoje vivendo uma época de desenvolvimento técnico e de desenvolvimento científico, de desenvolvimento cultural em muitos aspectos, mas completamente esvaziada de espiritualidade e sem esta espiritualidade tudo isso é falho, tudo isso é fraco. Só o cristianismo nos poderá dar uma base que está nos faltando, pois o homem não pode viver sem religião”.
publicada pelo Centro di Studi Filosofici di Gallarate. Firenze, G.C. Sansoni Editorem, 1969.
SANTOS, Mário Ferreira dos – Filosofo brasiliano, n.a Tietê (San Paulo) da famiglia portoghese il 3 genn.1907, m. ivi l'11 apr. 1968.
Fece gli studi secondari nel collegio Gonzaga di Pelotas (Rio Grande do Sul) e si lecenziò in diritto e scienze sociali nell'Università di Porto Alegre. Dopo breve periodo di avvocatura e insegnamento, si ritirò a vida privata, dedicandosi esclusivamente allo studio della filosofia e scienze connesse. Fondò a San Paolo due case editrici per la divulgzione delle proprie opere (Ed. Logos ed Ed. Matese).
Scrittore e pensatore straordinariamente fecondo, in appena tre lustri publicò una collezione dal titolo “Enciclopédia de Ciências Filosóficas e Sociais” che consta di 45 voll., in parte di carattere teoretico in parte storico-critico. I più importanti sono: Tratado de Simbólica (5 edd.), Filosofia da Crise (4 edd.), Filosofia Concreta, 3 voll. (5 edd.), Filosofia Concreta dos Valores (3 edd.), Sociologia Fundamental e Ética Fundamental (3 edd.), Pitágoras e o Tema do Número (3 edd.), Aristóteles e as Mutações (3 edd.), O Um e o Múltiplo em Platão (3 edd.), Métodos Lógicos e Dialéticos, 3 voll. (5 edd.), Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais, 4 voll. (5 edd.), ecc.
La sintesi filosofica del F. dos S. è ad un tempo tradizionale e personale. Utilizzando le più recenti scoperte intorno a Pitagora, fatte specialmente dall'Associazione internazionale dei Pitagorici sotto la direzione del dott. Sakellariou, dell'Università di Atene, tenta una conciliazione fra la pitagorica Mathesis Megiste e la sapienza infusa di s. Tommaso, como è presentata specialmente nel commentario del De hebdomadibus di Boezio. Essa si otterrebbe, secondo lo stesso Aquinate, per mezzo di una “cointuizione sapienziale” e di un certo “istinto divino”. In questo M. F. dos S. fa consistere la filosofia come scienza, o meglio super-scienza e sapienza dei principi in quanto principi. Essa è concreta, cioè ci fa conoscere la realtà stessa delle cose nelle loro intime radici e non solo problematica e probabile. Essa potrà gettare un ponte tra la metafisica e la religione cristiana rivelata, e potrebbe costituire un nuovo metodo di apologetica e catechesi specialmente adatto algi ambienti colti di oggi. Raccogliendo in un sintesi più profonda gli elementi di convergenza dei maggiori filosofi, da Plitagora, Platone, Aristotele e s. Tommaso, Scoto e Suárez, e interpretando com maggior oggettività, alla luce delle contingenze storiche del pensiero, i punti di divergenza, F. dos S. elabora un sstema al quale, in omaggio a Pitagora e per il metodo dialettico adottato, há dato il nome di Matese .Ad esso há dedicato una serie di opere, già pronte e in corso di pubblicazione. Comprenderà 15 voll., fra i quali: Sabedoria dos Princípios, Sabedoria da Unidade, Sabedoria do Ser e do Nada, Sabedoria das Tensões, Sabedoria das Leis Eternas, ecc.
Alla filosofia moderna e contemporanea F. dos S. rimprovera atteggiamenti negativi, come: soggettivismo e astrattismo, scetticismo, finzionismo, nichilismo, disperazionismo..., e ne denuncia i frutti nefasti nel libro dal titolo significativo Invasào Vertical dos Bárbaro (1967). Tuttavia nei grandi maestri della filosofia moderna scopre e mette a profitto verità parziali di non poco valore. Esemplo di ció è la sua interpetazione di Nietzsche, al quale, oltre la traduzione portoghese delle opere principali, ha dedicato varie monografie. Meritano di essere citati anche alcuni lavori letterari, como Curso de Oratória e Retórica (1953 12 edd.), Técnica do Discurso Moderno (5edd.), Práticas de Oratória (5 edd.), e vari volumi di divulgazione, como Convite à Filosofia, Convite à Psicologia Prática, Convite à Estética, tutti alla 6ª ed.
Apostolo indefeso e solitario della “sapienza” nel senso tradizionale antico, M. F. dos S. si è sforzato di formulare una filosofia che, rimanendo sempre aperta a nuovi problemi, fosse alto stesso tempo, di nome e di fatto, “perenne “ ed “ecumenica”.
C.Beraldo
Tradução
SANTOS, Mário Ferreira dos – Filósofo brasileiro, n. em Tietê (São Paulo), de família portuguesa, aos 3 de janeiro de 1907, fal. Aos 11 de abril de 1968. Fez seus estudos secundários no colégio Gonzaga de Pelotas (Rio Grande do Sul) e licenciou-se em direito e ciências sociais na Universidade de Porto Alegre. Após ter exercido, por breve período advocacia e o ensino, retirou-se a vida privada, dedicando-se exclusivamente ao estudo da filosofia e das ciências conexas com a mesma. Fundou em São Paulo duas casas editoras, para a divulgação das suas obras (Ed. Logos e Ed. Matese). Escritor e pensador extraordinariamente fecundo publicou em menos de quinze anos, uma coleção com o título de “Enciclopédia de Ciências Filosóficas e Sociais” que abrange 45 volumes, em parte com caráter teorético, em parte histórico-críticos. Os mais importantes são: Tratado de Simbólica (5 ed.), Filosofia da Crise (4 ed.), Filosofia Concreta, 3 vols. (5 ed.), Filosofia Concreta dos Valores (3 ed.). Sociologia Fundamental e Ética Fundamental (3 ed.), Pitágoras e o Tema do Número (3 d.), Aristóteles e as Mutações (3 ed.), O Um e o Múltiplo em Platão (3 ed.). Métodos Lógicos e Dialéticos, 3 vols. (5 ed.), Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais,4 vols. (5 ed.) etc.
A síntese filosófica de F. dos S. e, ao mesmo tempo, tradicional e pessoal. Aproveitando as descobertas mais recentes sobre Pitágoras, realizadas especialmente pela Associação Internacional do Pitagóricos, sob a direção do Dr. Sakellariou, da Universidade de Atenas, ele procura uma conciliação entre a pitagórica Mathesis Megiste e a sabedoria infusa de ..S. Tomás, especialmente como é apresentada no comentário De Hebdomadibus de Boécio. Ela conseguir-se-ia, segundo o próprio Aquinate, por meio de uma co-intuição sapiencial e de certo instinto divino. Nisto, segundo M. F. dos S., consiste a filosofia como ciência ou melhor como super-ciência e sabedoria dos princípios. Ela é concreta porque nos faz conhecer a própria realidade das coisas em suas íntimas raízes, e não tem por objeto idéias a priori; deve ser positiva, quer dizer construtiva e não puramente crítica e negativa; ela é apodítica e não só problemática e provável. Ela poderá lançar uma ponte entre a metafísica e a religião cristã revelada e poderia constituir um novo método de apologética e de catequese especialmente dado aos ambientes culturais de hoje. Juntando numa síntese mais profunda os elementos de convergência dos maiores filósofos, desde Pitágoras, Platão, Aristóteles até Sto. Tomás, Scot, Suarez e integrando com maior objetividade, à luz das contingências históricas de cada pensamento, os pontos de divergência, F. dos S. elabora um sistema ao qual, em homenagem a Pitágoras, e por causa do método dialético empregado, deu o nome de Matese. Ao mesmo consagrou uma série de trabalhos já prontos e em via de publicação. Ela constará de uns 15 volumes, entre os quais salientamos os títulos seguintes: Sabedoria dos Princípios, Sabedoria da Unidade, Sabedoria do Ser e do Nada, Sabedoria das Tensões, Sabedoria das Leis Eternas, etc.
F. dos S. acusa a filosofia moderna e contemporânea de atitudes negativas, como subjetivismo, abstratismo, cepticismo, ficcionismo, nihilismo, desesperacionismo... Ele aponta os frutos deletérios de tudo isto num livro recente ao qual deu o título significativo de Invasão Vertical dos Bárbaros (1967). Entretanto nos grandes mestres da filosofia moderna descobre a aproveita verdades parciais de relevante valor. Ele nos deixou um exemplo disto na sua interpretação de Nietzsche, ao qual, além da tradução em português das obras principais, dedicou várias monografias. Merecem ser citados também alguns trabalhos literários, como : Curso de Oratória e Retórica (1953- 12 ed.), Técnica do Discurso Moderno (5 ed.), Práticas de Oratória (5 ed.), e vários volumes de divulgação, como Convite à Filosofia, Convite à Psicologia Prática, Convite à Estética, todos já n 6ª edição.
Apóstolo incansável e solitário da sabedoria no sentido tradicional e antigo, M. F. dos S. se esforçou por formular uma filosofia que, embora ficando sempre aberta a novos problemas, fosse ao mesmo tempo, de nome e de fato, “perene” e “ecumênica”
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Esboço biográfico elaborado por
Nadiejda Santos Nunes Galvão e Yolanda Lhullier Santos
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