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Entrevista

Eneas Barros

o nosso Truman Capote

No domingo de 23 de novembro de 1998, a Rede Globo anunciava para o programa Fantástico, "o show da vida", uma entrevista com o "maníaco do parque", o motoboy que matou nove mulheres em São Paulo. No mesmo instante, numa pequena cidade do interior do Piauí, uma menina de 17 anos, que assistia a TV se preparava para protagonizar o "show da morte", um dos crimes mais bárbaros ocorridos na história do Brasil. Ela matou a golpes de machado a tia e duas primas e, em seguida, bebeu 3 copos do sangue que jorrava. Os paulistas e cariocas não ficaram sabendo dessa história, mesmo depois de ser contada em livro pelo escritor Eneas Barros, pois fora desse circuito, o Brasil não existe. Caso Eneas tivesse lançado seu livro, o romance de não-ficção 15:50 (a hora exata do crime), no Rio ou em São Paulo, ele seria bafejado pela fama de se constituir num autêntico Truman Capote brasileiro. Mas o livro foi lançado pela Edições Bagaço em 2010, uma distinta e discreta editora do Nordeste, desconhecida no sul do país. Mas vamos conhecer essa história ao mesmo tempo em que conhecemos mais um autor brasileiro através de uma entrevista que extraimos do www.portalentretextos.com.br em 11/02/2011.

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15:50, seu novo romance, fundamenta-se  em um fato real: um crime praticado por uma adolescente acometida de psicopatia. A obra, como outros bem-sucedidos livros que o senhor publicou, figura como romance reportagem, com propósitos de explorar principalmente o universo conturbado das condutas humanas e sociais. Nessa obra, pareceu-me que o senhor quer sobretudo encontrar explicações para a barbaridade de um crime. Qual realmente seu interesse ao explorar a psicopatia como tema da obra?

Eneas Barros

Ao longo de minha experiência literária, descobri que o escritor nunca é movido por um tema específico. Às vezes, sem dar-se conta e sem induzir nada em especial, surge uma história que a sua verve literária prevê. Foi o que aconteceu com Truman Capote, quando escreveu “A sangue frio”, inaugurando o romance de não ficção ou o romance reportagem. Quando tomei conhecimento mais profundo sobre o caso da menina-vampiro, achei que aquela história poderia ser interessante. Depois que tive acesso ao processo, que li os detalhes do crime, surgiu em mim uma perspectiva muito grande de informações, com entrevistas, viagens, pesquisas, impressões pessoais, enfim, o mundo que o pesquisador se sente à vontade. Por essa razão, não houve um interesse específico, mas uma visão de que aquela seria uma história boa de contar.

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Para compreender a complexidade de uma mente perversa e caótica, o senhor buscou subsídios na psicologia, na psiquiatria forense e em outros campos do conhecimento. Com que ideias o senhor precisamente dialogou para construir a obra?

Eneas Barros

Quando comecei a escrever “15:50”, eu não tinha certeza se teria condições de estar pessoalmente com a assassina. Eu não sabia onde ela estava, não fazia a menor ideia. Pensei que ela estivesse em algum hospital em outro estado. Quando descobri que ela estava na Penitenciária Feminina, bem próxima a mim, a história começou a tomar força, pois ela passou de um plano imaginário para um plano real. Comecei a achar que seria fácil conseguir uma audiência com ela na prisão, mas descobri que ela havia sido solta, o que me deixou com a adrenalina alta. Por isso, o livro inteiro é um caminho para um encontro com ela, que por sinal foi movido a nervosismo e a suspense.

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O diálogo com o texto jurídico e com o universo das leis já ocorreu também em livros.  É uma coincidência? O que determina essa escolha?

Eneas Barros

O livro “Parabélum” me deu muito do mundo jurídico. Sempre contei com a consultoria especial de minha esposa e advogada Socorro de Maria, que lê os meus textos em primeira mão e os critica, corrigindo eventuais falhais em expressões jurídicas e me ajudando a entender melhor esse mundo fascinante. Conversei muito com advogados, promotores, defensores públicos, policiais, juízes, enfim, com um mundo de pessoas que foram essenciais para enriquecer o trabalho, como o juiz doutor Antonio Nollêto, presidente do Tribunal Popular do Júri, que assina o prefácio. Não há uma determinação de que termos jurídicos estarão no livro, apenas a história conduziu para essa necessidade porque, na verdade, tratava-se de um processo criminal.

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O romance se inicia explorando o olhar da adolescente sobre o que a rodeia e essa ideia é bastante recorrente no romance. Vê-se uma adolescente que olha para a vida com desinteresse e com crueza. Como o senhor acredita que reagem ou reagiram os leitores diante do perfil da personagem protagonista Ema?

Eneas Barros

O livro de Ana Beatriz, denominado “Mentes Perigosas”, nos mostra que o psicopata é uma pessoa comum, que vive no meio sem se deixar perceber, até que provoque uma maldade, que às vezes é a própria morte de alguém. O psiquiatra forense Humberto Guimarães disse que a personagem principal de “15:50” é uma bomba ambulante, podendo a qualquer momento explodir por um simples aborrecimento. Aquela garota meiga, descrita no livro, nada mais é do que a essência da psicopatia, cuja traição e atitudes perversas muitas vezes se manifestam por detrás de um olhar perdido ou de um sorriso enigmático. O desinteresse da personagem vem das características de sua psicopatia, pois esse tipo de anormal não sente piedade, nem remorso, nem amor por ninguém.

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Ao buscar explicações para o episódio que motiva o núcleo dramático da obra, o narrador focaliza não apenas elementos psicológicos, mas também sociais; um desses elementos é a influência da tevê sobre a formação da adolescente. Que elementos sociais o narrador acredita que motivaram o crime?

Eneas Barros

O crime foi motivado por vingança. Ela nunca gostou de limites. Colocou na cabeça que os tios não a deixavam fazer nada, namorar, sair, se divertir. Mas era uma jogada, pois o namorado era realmente envolvido com drogas – o que levou seus tios a recusá-lo. Ela não aceitou isso. As suas fugas também demonstraram que ela queria se afastar do meio que a impunha limites, por isso revoltou-se mais uma vez com os tios, que frustraram todas as suas tentativas de fuga. Até que um dia ela decidiu que os mataria, a família inteira, como vingança. Nunca se arrependeu pelo que fez – uma característica de sua psicopatia de último nível de gravidade. Por outro lado, a família achou que o programa Fantástico, da Rede Globo, ao exibir a entrevista com o Maníaco do Parque, na véspera do crime, induziu-a ou acelerou o seu processo de vingança. A tevê, de certa forma, foi uma contribuinte porque ela própria só assistia a programas policiais, mostrados diariamente sem o menor constrangimento. Uma mente doentia imagina coisas com as cenas.

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E o que do ponto de vista psicológico também interferiu para o trágico acontecimento?

Eneas Barros

Tentou-se provar se a sua atitude de beber o sangue das vítimas havia sido por conta do “vampirismo”, uma doença conhecida por “porfiria”, ou se foi apenas um impulso momentâneo. Essa segunda hipótese é, na verdade, a mais correta. A doutora Eulineide Lauritzen, psicóloga que acompanhou a menina, aplicou testes especiais e notou os mesmos distúrbios apontados pelos psiquiatras. Procurou entender fases de sua infância e descobriu que a sua anormalidade é muito mais antiga e nasceu possivelmente do trauma pela separação de seus pais.

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O estilo do senhor é marcado pelo gosto aos detalhes – as ações são pormenorizadas a ponto de o episódio em si parecer inesgotável e gerar representações mentais que aguçam a curiosidade do leitor. Como o senhor caracteriza seu estilo tanto do ponto de vista formal quanto do temático?

Eneas Barros

Para falar a verdade, eu nunca me preocupei com estilo. Quando tenho uma história para contar, ela vai surgindo de forma espontânea. Eu apenas procuro, antes de iniciar o texto, visualizar uma forma de tornar a leitura interessante. Fui um pouco influenciado pelo meu amigo e revisor, professor Washington Ramos, que sempre me disse: “escreva tudo o que lhe vem à cabeça, sem se preocupar com a forma ou a gramática; deixe que disso eu cuido depois”. Isso me deixou mais à vontade para redigir, por isso não tenho grandes preocupações na hora da redação. No entanto, gosto muito quando encerro a história e volto ao início, para fazer ajustes. Nesse ponto, discordo de Chico Buarque, quando disse no Salão do Livro de Paraty que escrever é um saco e que só gosta quando chega a hora de revisar a história. Para mim, quando escrevo, me envolvo tanto com a história que em qualquer lugar eu pego um pedaço de papel e acrescento um parágrafo, uma frase, crio uma situação, para depois enxertar no livro. Sinto um prazer fenomenal quando estou escrevendo uma história.

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Recuperando a pergunta que acabei de formular, qual sua prioridade como escritor?

Eneas Barros – A minha prioridade é escolher sempre uma boa história para contar; é estar pesquisando um tema; é me envolver com personagens reais ou ficcionais; enfim, é saber escolher um bom tema.

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Para finalizar nossa conversa, qual o próximo projeto literário de Eneas Barros?

Eneas Barros

Estou concluindo dois romances biográficos, um sobre o coronel Pedro de Almendra Freitas e o outro sobre o empresário Ocílio Pereira do Lago, ambos a pedido dos familiares. Os dois me levaram a uma pesquisa muito profunda sobre o Piauí, em especial Teresina, e parte do Maranhão. É um desafio que gosto sempre de estar envolvido. Em seguida vou dar prosseguimento a um projeto literário que já está iniciado, mais numa surpresa que virá.

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