Volta para a capa
Grandes entrevistas

 

Evandro Affonso Ferreira

Entrevista conduzida por Cristiano Casrilho, publicada no jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, em 21/10/2011.

Escreveu um livro quase sem história. Eleito pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) como melhor romance de 2010, Minha Mãe Se Matou Sem Dizer Adeus é, como o próprio autor confirma, um ensaio sobre a decrepitude. Um senhor de 80 anos senta em uma confeitaria de shopping em um domingo chuvoso infinito. Observa os outros frequentadores sempre remoendo o pensamento de que a vida é ruim e de que sua mãe se matou sem dizer adeus. O senhor de 80 anos nada mais faz a não ser esperar a morte e escrever um livro, justamente o livro que estamos lendo. Não há a certeza de que a obra terá fim, diferente do que se sabe sobre o velho-narrador. Ao contrário do que se possa imaginar, Minha Mãe... não se torna um relatório melancólico e pessimista. Isso porque o autor se vale de uma linguagem única, cheia de velocidade, marcas de sua prosa afiada, recheada de frases certeiras. Já em seu primeiro livro, Grogotó, onomatopeias, neologismos e palavras bizarras surgiam para colorir os contos. É o que encontra em seu tesouro escondido, embora parado no tempo: um dicionário de palavras sonoras, singularidade que é revertida em sua narrativa, fato que o credencia como um dos escritores contemporâneos mais interessantes do país. Por e-mail, o autor conversou com a reportagem (vale notar a maneira peculiar com que pontua as suas frases). E disse que escreve porque é um fracasso na vida real.

- O que o motivou a escrever um livro que, do começo ao fim, insiste em dizer que a vida é ruim?

Para o meu personagem, a vida é ruim, ou foi ruim, nem eu mesmo sei se ele ainda vive pelas mesas de confeitarias paulistanas; tenho outro livro que ainda não foi publicado cuja primeira frase é: “os piores dias de minha vida foram todos”. É meu narrador quem diz isso. Eu, o escritor, claro que nesses 65 anos de vida já tive algumas semanas felizes.

- Por que a escolha de uma confeitaria de shopping como cenário? Para você, é um ambiente triste?

No livro, o narrador fala que está num templo moderno; mas claro que é um shopping. Escolhi escrever todo o romance numa confeitaria para falar da decrepitude. Foi uma escolha proposital num shopping frequentado por muitas pessoas já idosas feito eu – por exemplo. A decrepitude sempre me inquietou; a morte também; a solidão também.


- O narrador do livro tem 80 anos, perdeu a mãe, que se suicidou, e está apenas aguardando a morte. Você tem 65. Há alguma semelhança, neste caso, entre criação e criatura?

Minha mãe já morreu há muitos anos. Morte natural. Mas é evidente que todo livro tem muita coisa em comum com o escritor. Vide Madame Bovary , de Flaubert.

- A narrativa acontece em um domingo chuvoso, modorrento. Domingos são dias ruins para você?

Para mim não – mas para o narrador foi possivelmente o último dia da vida dele. E chuvoso demais.

- Alguns críticos apontam que você se utiliza do estilo – frases inspiradas, velocidade da linguagem e neologismos – para camuflar a falta de conteúdo. O que pensa disso?

Nunca li ninguém falando isso não. Mas se alguém falou possivelmente esteja certo quanto à minha primeira fase. Agora a partir do Minha Mãe Se Matou Sem Dizer Adeus estou mais reflexivo. Coisas da velhice talvez. Você tem o que chamou de “dicionário particular de palavras sonoras”.

- Como é esse livro? Ele continua sendo atualizado?

Não. Tudo isso pertence a tal primeira fase. Cataloguei ao longo de 15 anos mais de 3 mil palavras sonoras. Hoje nem abro este meu dicionário particular. Abandonei-o de vez.

- No livro, há algumas referências muito perceptíveis, outras nem tanto. Você cita, por exemplo, um autor de Praga (Kafka?) e repete que “a mãe que se matou” gostava de Billie Holiday. Essas figuras são importantes para você? Quem o inspira hoje?

Billie está em quase todos os meus livros. Gosto dela, sim. Tenho meus autores preferidos que vivo citando ad nauseam: Cornelio Penna, Samuel Rawet, Bruno Schulz, Hermann Broch, Musil, e tantos outros.

- Por que você escreve?

Sou um fracasso na vida real; lanço mão da ficção para ratificar minha bancarrota.

- Arte combina com rotina? Você tem uma?

Nunca tive – mas agora nos últimos três livros que assinei com a Record estabeleci uma rotina escrevendo-os todos os dias das 10h ao meio dia e das 16h às 18h – numa mesa de café qualquer. Gostei da ideia de escrever à mão num ambiente aberto cheio de gente.

- Como recebeu a notícia de que havia ganho o Prêmio da APCA? Tinha expectativa em vencê-lo?

Nem imaginava isso. Gostei sim; é sempre bom ganhar um prêmio. Nós escritores vivemos de tapinhas nas costas. Somos todos vaidosos. Uns mais, outros menos.

- Quais os seus projetos futuros? Há um novo livro em andamento?

Sim: dois. O próximo vai sair em março de 2012 – O Mendigo Que Sabia de Cor os Adágios de Erasmo de Rotherdam, e o outro, VIM VI PERDI. Fechando a digamos trilogia que assinei com a Record.

 

- Por que escrevo?

- Como escrevo?
- Onde escrevo?
- Biografia