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Grandes entrevistas (fictícias)

 

Fernando Pessoa

Extraída do blog: http://shouri.blogs.sapo.pt/892.html  em  27/01/2009

 

- Como se define a si mesmo?

Sou fácil de definir.

 

(...) sou alguém.

Sou o Descobridor da Natureza.

Sou o Argonauta das sensações verdadeiras.

 

Sou livre, contra a sociedade organizada e vestida.

Estou nu, e mergulho na água da mina imaginação.

 

(...) sou um internado num manicómio sem, manicómio,

Estou doido a frio,

Estou lúcido e louco,

Estou alheio a tudo e igual a todos:

Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura

Porque não são sonhos.

Estou assim...

 

Sou imparcial como a neve.

Nunca preferi o pobre ao rico,

Como, em mim, nunca preferi nada a nada.

 

Sou vil, sou reles, como toda a gente,

Não tenho ideais, mas não os tem ninguém.

 

Sim, sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,

Espécie de acessório ou sobresselente próprio,

Arredores irregulares da minha emoção sincera,

Sou eu aqui em mim, sou eu.

 

Sou eu mesmo, que remédio!...

 

-  Se pudesse resumir a sua vida em poucas palavras, o que diria?

Vi todas as coisas, e maravihei-me de tudo,

Mas tudo ou sobrou ou foi pouco – não sei qual – e eu sofri.

Vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os

                                                                             [gestos,

E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não

                                                                    [conseguisse.

Amei e odiei como toda a gente,

Mas para toda a gente isso foi normal e instintio,

E para mim foi sempre a excepção, o choque, a válvula, o

                                                                              [espasmo.

 

- Recorda-se da sua infância? Tem boas recordações dela?

Nunca fui senão uma criança que brincava.

Fui gentio como o sol e a água,

De uma religião universal que só os homens não têm.

Fui feliz porque não pedi coisa nenhuma,

Nem procurei achar nada,

Nem achei que houvesse mais explicação

Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.

 

 

Nasci sujeito como os outros a erros e a defeitos,

Mas nunca ao erro de querer compreender demais,

Nunca ao erro de querer compreender só com a inteligência.

Nunca ao defeito de exigir do Mundo

Que fosse qualquer coisa que não fosse o Mundo.

 

 

Quando era crinaça o circo de domingo divertia-me toda a

                                                                             [semana.

Hoje ó me diverte o circo de domingo de toda a semana

                                                          [da minha infância...

 

 

Pobre velha casa da mina infância perdida!

Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!

Que é do teu menino? Está maluco,

Que é de quem dormia sossegado sob o teu tecto

                                                                   [provinciano?

 

- Qual a sua visão do amor, já que se trata de um dos temas mais abordados pelos poetas?

Qual a minha visão do amor? Hmm...já comi isso uma vez...

 

Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,

Serviram-me o amor como dobrada fria.

Disse delicadamente ao missionário da cozinha

Que a preferia quente,

Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.

(...)

Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram

Dobrada à moda do Porto fria?

Não é prato que se possa comer frio,

Mas trouxeram-mo frio.

Não me queixei, mas estava frio,

Nunca se pode comer frio, mas veio frio.

 

- Qual o motivo que o levou a criar tantos heterónimos? Por necessidade ou por "capricho"?

Isso é uma questão pessoal. Eu que aguente comigo e com os comigos de mim.

 

-  Qual a importância da escrita na sua vida?

A importância? A importância é nenhuma. O sol doira sem literatura.

Mas a verdade é que toda a minha vida é a escrita.

 

Tenho escrito bastantes poemas.

Ei-de escrever muitos mais, naturalmente.

Cada poema meu diz isto,

E todos os meus poemas são diferentes,

Porque cada coisa que há é uma maneira de dizer isto.

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[Todos os textos em itálico são excertos de poemas da autoria de Fernando Pessoa]

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