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Grandes entrevistas

Ivan Angelo

Entrevista   conduzida por Schneider Carpeggiani, publicada no "Pernambuco", suplemento cultural do Diário Oficial de Pernambuco, de 22/12/2011.

 Uma das preocupações do Pernambuco é sempre trazer bons cronistas a cada mês. Num tempo em que informações são pulverizadas na internet, a voz pessoal, o tom “ao pé do ouvido” do leitor de uma boa crônica (ao menos na nossa compreensão) faz toda a diferença para um véiculo. Diante dessa nossa decisão editorial, nada melhor que uma entrevista com um dos maiores nomes do gênero, o mineiro Ivan Angelo, que lança agora pela Arquipélago Editorial a coletânea de crônicas Certos homens ­ que reúne textos líricos, engraçados e com um olhar espantado para as minúcias do cotidiano, que muitas vezes nem notamos. Na conversa, ele revelou o porquê de ter deixado de lado (ao menos por um tempo) sua premiada carreira de romancista: “Me sinto meio fora do tom, falando assim, porque eu percebo que as pessoas estão procurando é diversão quando leem um romance, ou buscam ajuda, ou identificação, ou querem se emocionar sem muito trabalho”. E comenta ainda a repercussão do papel de conselheiro sentimental que banca em alguns dos seus textos: “A repercussão entre os leitores, quando falo de amor, é sempre boa, e são as mulheres quase sempre que dão esse retorno. Escrevem e-mails, dão palpites, contam histórias íntimas na esperança de que se transformem em crônicas. Homens são muito travados para falar desse assunto. Escrevem quando o tema é política ou problema social.”

Antes de falarmos de crônica e de jornalismo, vamos falar um pouco sobre o Ivan Angelo como romancista. Apesar dos seus romances terem sido premiados, você publica ficção com pouquíssima regularidade. Por que isso?


O romance, como eu entendo, é um compromisso muito trabalhoso com a arte literária. Toma um tempo enorme do escritor e do leitor, e por isso o romance tem de ser buscado pelas duas partes com alto grau de exigência. Me sinto meio fora do tom, falando assim, porque eu percebo que as pessoas estão procurando é diversão quando leem um romance, ou buscam ajuda, ou identificação, ou querem se emocionar sem muito trabalho. Dependendo do talento de quem escreve, pode até resultar um bom divertimento. Não é o meu caso, ou ainda não foi o caso de eu começar um romance com essa atitude. Ou com esse propósito, sei lá. Se eu escrevo um romance como eu acho que deveria, e as pessoas compram pensando que é o que elas pensam que é um romance, podem se decepcionar. Ou posso eu me decepcionar, se escrevo seduzido pelo gosto ou pela facilidade. Quando eu tiver nas mãos um assunto, uma história e uma escrita que valham a pena, talvez escreva de novo um “romanção”. Falei escrita porque cada história pede uma escrita.

O romance A festa permanece como um dos mais influentes da literatura contemporânea brasileira. Como você o avalia hoje?


Valeu. Valeu como assunto, como história e como escrita. E se ele permanece, como você diz, é mais por causa da escrita, não do assunto ou das histórias que ele conta. É disso que o leitor interessado na arte da escrita fala hoje, com relação a esse romance, não é do assunto dele, que é a vida de algumas pessoas durante o regime militar. Ou melhor: antes e durante o regime militar. Porque algumas histórias do livro vão lá atrás, buscando as origens da opressão. Uma começa lá no final do século 19, outra nos anos de 1940, outra nos anos de 1960. O livro foi publicado em 1976, estava escrito em 75. Gostei de ter escrito o livro e da recepção que ele teve, mas pouco depois comecei a achar que a minha abordagem do assunto poderia levar a um erro de interpretação, que seria o leitor pensar que eu estava dizendo que  a crueldade tinha se instalado no Brasil com aqueles militares. Aí, para colocar melhor a questão, eu escrevi  A casa de vidro, que eu acho que é o meu melhor livro de ficção, onde se vê que aquelas crueldades e opressão já estavam presentes desde o Brasil Colônia.

Você faz alguma distinção entre ficção e crônica, já que nela, de certa forma, você também cria personagens?


Eu trabalho a crônica com bastante abertura. Não é o assunto ou a quantidade de realidade que ponho nela que a torna uma crônica. Veja a poesia: ela trata de tudo, como assunto. Conta histórias, medita sobre o mundo, canta o amor, varia de tom e de voz, fala na terceira pessoa, na primeira... E é sempre poesia. A crônica é um gênero literário, tanto quanto o conto ou a poesia lírica. Crônica não é um formato, como o soneto, um dos formatos de poema. Algumas das minhas crônicas, ou algumas crônicas, de um modo geral, são dissertações, outras são poemas em prosa, outras são pequenos contos, ficções, como queira, outras são evocações, memórias, reflexões, recortes do cotidiano. Isso sem falar nas crônicas especializadas, entre aspas, como esportiva, política, social etc, que aí são jornalismo mesmo, puro jornalismo. A crônica literária se mexe, tem a mobilidade da poesia. E deve ter a mesma responsabilidade com relação à linguagem, buscar o mesmo rigor de linguagem que a poesia tem. Ou que o conto tem. A limitação do espaço no jornal ou na revista trabalha a favor dela, a favor da concisão, que é uma qualidade.

Muitas crônicas dessa nova compilação têm um olhar muito lírico, quase uma educação sentimental, como é o caso da crônica  Nem sempre você ama quem você ama. Qual a repercussão do público quando você fala de temas amorosos? Como é “brincar” de conselheiro sentimental?


Meu editor e eu procuramos montar a seleção de crônicas que compõem Certos homens usando o critério de proximidade de assunto que um texto poderia ter com outro. Como se fosse uma conversa, palavra puxa palavra, uma história puxa a outra, um sentimento desperta outro. Começamos com a crônica que dá título ao livro porque achamos que seria um bom título para o livro. Aí, naquela de palavra puxa palavra, fui enfileirando crônicas que tinham esse olhar lírico de que você fala. Depois aquele tema se esgota e me encaminho para outro, sempre buscando alguma proximidade. A repercussão entre os leitores, quando falo de amor, é sempre boa, e são as mulheres quase sempre que dão esse retorno. Escrevem emails, dão palpites, contam histórias íntimas na esperança de que se transformem em crônicas. Homens são muito travados para falar desse assunto. Escrevem quando o tema é política ou problema social. Mas é sempre boa essa chegada do leitor. Ele tem confiança e ousa se expor, coisa que o leitor de poesia ou de romance raramente faz. Poesia e romance intimidam o leitor, ele não ousa questionar nada. O leitor de crônicas não, ele ousa, chega perto. O segredo da crônica é que ela é uma relação pessoal, íntima, entre o narrador e o leitor. O cronista se dirige a uma pessoa que ele acredita ter a mesma sensibilidade que ele. Por isso o leitor chega perto, escreve. O cronista busca a cumplicidade do leitor. O poeta e o romancista são mais olímpicos.

Como é o processo de retirar uma crônica de um jornal/revista, veículos de prazo efêmero, e trazê-la para um livro? Ou você pensa a crônica na hora de escrever já para um futuro livro?


Não, não escrevo crônica pensando no livro em que ela poderá aparecer. Tanto que quando se começa o trabalho de montar um livro de crônicas, a primeira coisa a fazer é uma seleção. Porque tem umas que são mais perecíveis. Ao ir para o livro, a crônica deixa de dialogar com o leitor sobre o cotidiano, ou o cotidiano perde importância, e ela começa a dialogar com o leitor sobre a arte da escrita. O próprio leitor muda um pouco de atitude, com aquele novo meio. É ainda o seu cronista que está ali, mas agora o leitor não vai jogar fora aquele texto, junto com o jornal ou a revista. Compra o livro para guardar, para conviver mais com as palavras do que com os fatos que as fizeram se agrupar daquela forma. Nesse ponto, sim, quem escreve crônicas sabendo que existe a hipótese de elas aparecerem em livro pensa um pouco mais no acabamento, pretende que elas durem um pouco além daquela semana. Mas eu sempre escrevo pensando na arte da crônica e não no dia da crônica.

Por ser filha do jornalismo, por muito tempo a crônica foi vista com certo preconceito. Você acha que isso tem mudado ao longo dos últimos anos?


Já vinha mudando desde a década de 1940 com as crônicas de Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Rachel de Queiroz e Manuel Bandeira. Mudou mesmo, eu acho, foi quando se juntaram a eles na militância, digamos assim, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Nelson Rodrigues, e mesmo um Antônio Maria, um Carlinhos de Oliveira. Professores universitários começaram a estudar aquele surto a partir dos anos de 1950. O professor Antonio Candido, num belo ensaio chamado A vida ao rés-do-chão, deu o tom para toda uma geração de críticos, quando disse que esse era “um gênero brasileiro”, pela naturalidade com que se aclimatou aqui, e pela originalidade com que aqui se desenvolveu. Candido deu o aval para a apreciação crítica da crônica. O professor Davi Arrigucci Jr., no seu bonito ensaio Onde andará o velho Braga?, se sente confortável para falar de Rubem Braga num livro que estuda grandes nomes da literatura universal. Não há mais preconceito contra a boa crônica. E quando ela é má, não é preconceito.

O jornalismo impresso hoje vive um momento de impasse. Na sua opinião, a crônica e os textos mais pessoais seriam uma alternativa para o futuro do jornalismo?


Há muito tempo venho observando que a internet, os blogs, os jornais rápidos dos portais eletrônicos levaram a mudanças nos jornais impressos. Tanto no visual quanto no conteúdo da matéria jornalística. A opinião invadiu o espaço do que deveria ser objetivo, começou a vazar das páginas de editoriais. A concorrência com a notícia rápida fez diminuir o aprofundamento. Isso ficou a cargo dos articulistas especialistas. Diminuiu também, muito, o espaço da reportagem minuciosamente apurada. Isso ficou a cargo das revistas de reportagens. E diminuiu muito o espaço da emoção, daquilo que fazia um jornal se debruçar sobre a vida das pessoas da cidade. É aí que entram os cronistas. Um jornal como o Estado de S. Paulo tem doze cronistas não especializados. Acredito mesmo que a visão pessoal de um cronista ajuda muito o jornalismo na atual transição.

Última questão: qual foi a crônica de terceiros que você leu e mais lhe emocionou/inspirou?


Ah, são várias. Pela perfeição da ideia e do estilo, uma crônica de Carlos Drummond de Andrade que está em Fala, amendoeira, e que se chama “Anúncio de João Alves”. Perfeita também, em todos os sentidos, é a crônica Partilha, de Rubem Braga, que está em 200 crônicas escolhidas. Pode-se ler como um conto. Outra dele, antológica, é Viúva na praia. Está no mesmo livro. E curto muito uma de um cronista novíssimo, o Antônio Prata, que está na antologia Boa companhia, da Editora Companhia das Letras, e se chama Bar ruim é lindo, bicho.

X.X.X

Entrevista realizado por Rafael Rodrigues, publicada no site http://www.paliativos.com.br (24/03/2016)

A entrevista que você lerá a seguir, apesar de inédita, está pronta há quase 1 ano. A intenção era publicá-la na revista eletrônica de contos Outros Ares, editada por mim e pelo jornalista, escritor e tradutor Marcelo Barbão. Por questões de tempo – tanto eu quanto o Barbão, felizmente, passamos a trabalhar mais ainda de 2012 para cá -, precisamos deixar a Outros Ares de lado, ao menos temporariamente.

Ivan Angelo, mineiro de Barbacena, nasceu em 1936. Foi criado em Belo Horizonte e em 1965 trocou a capital mineira pela cidade de São Paulo. Vencedor de dois prêmios Jabuti com dois romances – “A festa” e “Amor?”, em 1976 e 1995, respectivamente -, é de crônicas o livro mais recente do autor. “Certos homens” foi publicado no final de 2011, pela editora Arquipélago, e reúne textos publicados na revista Veja São Paulo (além de um inédito e outro publicado no jornal mineiro “O Tempo”).

Em uma das perguntas, digo que é quase impossível identificar alguma influência nas crônicas de “Certos homens”. Enquanto lia o livro, o único autor que me vinha à mente como possível influência, em alguns textos, foi Vinicius de Moraes, uma das referências de Ivan, como você poderá ver mais adiante. Esse estilo muito próprio que tem o autor – aliás, uma marca registrada dos grandes cronistas, como Rubem Braga, Fernando Sabino, Otto Lara Resende e, em atividade, Humberto Werneck, estes últimos três também mineiros – é um dos grandes trunfos do livro. Os outros o leitor poderá descobrir lendo a obra, algo que recomendo com veemência.

Vamos começar com uma pergunta tradicional: como e quando você começou a escrever? Em qual gênero você arriscou suas primeiras linhas? Chegou a cometer poesia?

Quem se torna escritor começa a escrever quando começa a ler. É o encanto com aquilo, é o recriar aquilo na cabeça, é o recontar aquilo para as pessoas, tudo isso são formas ainda incipientes do escrever. Depois, quando aprende a emendar e costurar palavras, tenta imitar, encantar também. Se o camaradinha insiste, persiste, se aplica, capricha, e consegue alguma aprovação, ou consegue o olhar amoroso de alguma coleguinha, está encaminhado mais um escritor. As primeiras coisas que escrevi, ainda nessa fase escolar, foram versinhos, comentários, alguma historinha. Toda essa produção era “postada”, como se diz hoje do material que é colado na internet, nos quadros murais escolares. Algumas quadrinhas eram entregues por mensageiras a pessoinhas interessadas ou desinteressadas. Lia muito, de tudo, muita mistura. Com o tempo, lendo poetas como Gonçalves Dias, pois eu queria contar histórias em versos, descobri que poesia era muito difícil e bandeei definitivamente para a prosa de ficção. Escrevia, escrevia, até que, aí pelos 17 anos, compreendi que literatura era outra coisa e rasguei minhas obras completas. Essa fase de aprendizagem está mais ou menos narrada em duas crônicas que estão no livro “Melhores crônicas”, da Editora Global: uma delas é “O comprador de aventuras”, a outra é “O comprador de palavras”. Essas duas crônicas estão também num livrinho da Ática, “O comprador de aventuras e outras crônicas”.

Lendo “Certos homens” é quase impossível notar alguma influência em seus textos; ou seja, você tem um estilo muito seu. Mas alguns autores devem tê-lo influenciado – ou não? Em caso positivo, quais são suas referências literárias?

Ah, por certo que influenciaram. Como disse há pouco, a gente começa imitando. É como andar ou falar: imita-se, e, no imitar, se aprende. Conhecem-se as dificuldades, e alguns procuram as facilidades, mas outros preferem o desafio das dificuldades. Gosto das dificuldades, e digo isso sem pretensão, digo como um jogador que não acha estímulo em jogos fáceis. Entre as influências posso contar uma quantidade de poetas. Nos meus anos de formação, foram as leituras mais marcantes, mais ligadas à lida com as palavras. Ficcionistas distraem muito a gente, os poetas exigem mais atenção. Posso enumerar dessa época um mestre da vida inteira, Carlos Drummond de Andrade, e mais Jorge de Lima, Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Vinicius de Moraes, Fernando Pessoa, alguns românticos como Gonçalves Dias, Castro Alves, Casimiro de Abreu, alguns parnasianos como [Olavo] Bilac, Machado [de Assis], Raimundo Correia [um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras]. Lia ficção, também, mas a poesia é que me enchia as medidas. De prosa, não há como escapar de Machado de Assis, ele nos persegue. Escritora moderna que me maravilhou pelo estilo, porque das histórias nem me lembro direito, foi Clarice Lispector. Escrevi um conto imitando-a, “Menina”, está por aí em antologias. Devo ter sofrido alguma influência de poetas e ficcionistas de língua inglesa, modernos, que lia bastante, aí já na fase de aprimoramento da escrita, digamos. Mas foram tantas as leituras prazerosas e exemplares que fica impossível destacar alguém. Como diz Drummond, no poema “Resíduo”, “de tudo fica um pouco”.

Atualmente, com as mais diversas ferramentas de publicação virtual e o aumento da autopublicação ou da publicação por pequenas editoras, a sensação é de que a quantidade de escritores é muito alta, sendo que esse número é inversamente proporcional à qualidade do que é publicado. Por outro lado, com a avalanche de livros publicados, muita coisa boa acaba ficando escondida, não tem a chance de chegar a uma quantidade maior de leitores. Como você vê essa situação?

Que há gente demais eu concordo, mas sobre a qualidade eu não saberia dizer, porque não dá acompanhar tudo que sai. Toda semana tem alguém me indicando um autor, pego pra ler, gosto, e é uma descoberta tardia, coisa que eu devia conhecer há algum tempo. É bom ter amigos leitores vorazes que vão indicando coisas para a gente, livros que deixamos passar por falta de leitura dos indicadores. Quem tem tempo para acompanhar tanta coisa? Acho até bom que haja tanta oferta, eu é que deveria ser mais aplicado no acompanhamento das novas obras que têm realmente valor. É bem verdade que muita obra conceituada não corresponde, fica devendo. Se traduz muita bobagem, e a mídia do entretenimento aplaude, confundindo ainda mais o interessado. A venda vira critério de valor, e isso é ruim para quem está começando, o critério da vendagem aponta rumos errados. Os editores, ocupados com os best-sellers, ficam sem tempo para trabalhar seus melhores autores, aqueles que movimentam a literatura e não a caixa registradora.

Vários autores mineiros de gerações anteriores à sua adotaram o Rio de Janeiro como lar. Tempos depois, alguns da sua geração escolheram São Paulo, que se tornou o talvez maior centro cultural do país. Em que essa mudança de ares pode influenciar no trabalho de um escritor?

Acho que não é o lugar onde se vive que melhora a literatura de alguém, mas sim o trabalho com a linguagem e com os temas. A mudança de ares pode até atropelar o escritor, pelas exigências de trabalho e lazer que as metrópoles impõem. A boa influência é alargar a visão, ampliar a paisagem, absorver novas linguagens artísticas. Geralmente quem muda para um grande centro procura é melhores condições de trabalho, salários mais justos, mais oportunidades. Desse ponto de vista, e só dele, São Paulo leva vantagem.

Você, que também é contista, compartilha da opinião de que o conto é um gênero menosprezado no Brasil? Se sim, arriscaria dizer por que isso acontece?

O conto, que hoje está em baixa, já foi o queridinho das editoras, três décadas atrás. Foi o tempo dos “contistas mineiros”, que a imprensa ironizava. Depois voltou o romance, a autoajuda atropelou todo mundo, biografias e história entraram com força há uns quinze anos, e agora vemos uma presença forte da crônica, inclusive nos livros didáticos. Essas ondas fazem parte dos marketings que se sobrepõem ou se sucedem. Nos Estados Unidos foi a mesma coisa, houve a época dos grandes contistas dos anos 40, 50 e 60, [Ernest] Hemingway, [William] Saroyan, [F. Scott] Fitzgerald, [Truman] Capote, Carson McCullers, Dorothy Parker, época das grandes revistas mensais e trimestrais. Tenho a impressão de que o conto volta um dia desses, na esteira de alguns sucessos.

Você é cronista da Veja São Paulo há mais de 10 anos. Houve alguma ocasião, durante todo esse tempo, que você se viu sem assunto? Se sim, como resolveu esse problema? E o que faz um cronista? O que, em sua opinião, é necessário para ser um bom cronista?

Todo cronista que trabalha com data marcada está sujeito a isso. Procuro me defender, mantendo um bom banco de ideias e de crônicas esboçadas. Isso ajuda, nos socorre quando a mina de assuntos que é a sociedade nos parece sem sal. Um cronista precisa estar antenado não exatamente com os fatos da sociedade onde ele atua, mas com os sentimentos. Se paira no ar um bem-estar, algum otimismo, o cronista não deve tocar seu bandolim fora do tom. Tirante isso, tem de dar o melhor de si na qualidade do texto, explorar os bons recursos da língua, tem a obrigação de seduzir seu leitor, procurar mantê-lo entretido e encantado com suas habilidades, como faz um mágico. Pode falhar, mas tem de tentar.

Fala-se muito de baixas vendas, pouco investimento nacional, pouca divulgação a escritores locais e baixa escolaridade – fatores que juntos ou separados formam o “problema” da literatura brasileira atual. Antes de tudo, a literatura tem problemas? Quais são os principais, na sua opinião, e quais seriam as soluções?

Vamos separar o livro e a literatura. O livro vai muito bem, nunca se editou tanto. Tem editora que edita um livro por dia. As livrarias são agora megalivrarias. Bancas de jornais, estações de metrô, cafés, rodoviárias e supermercados vendem livros. Bibliotecas e escolas públicas de todo o país recebem livros de graça. Vendem-se livros dos mais caros, luxuosos mesmo, e livros baratíssimos. Os sebos de todo o país estão organizados sob o guarda-chuva da Estante Virtual e vendem para qualquer parte do Brasil, com entrega em casa, bonitinho e direitinho. Agora, literatura sempre foi artigo de uma pequena elite, e digo elite no sentido de elite intelectual, não socioeconômica. O país cresceu economicamente, e esperava-se que crescesse proporcionalmente a massa de leitores de literatura. Isso não aconteceu, e decepciona os escritores da arte literária. Mas não decepciona os negociantes do livro, que estão bem satisfeitos. Um consolo é que isso acontece no mundo inteiro. Como melhorar o panorama para o nosso lado, o lado dos escritores? Com educação e leitura, educação e leitura, educação e leitura

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