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Grandes entrevistas históricas
Joaquim Nabuco

Comemorando o centenário da morte de Joaquim Nabuco, ocorrido em janeiro último, reproduzimos uma entrevista concedida por ele a O Estado de São Paulo, em 1898. Importante entrevista na qual Nabuco acentua seus pontos de vista políticos, manifestando-se fiel à Monarquia decaída. Dentro em pouco, em março do ano seguinte, iria aceitar o convite que lhe fez o Presidente Campos Sales para defender os nossos direitos na questão de limites entre a Guiana Inglesa e o Brasil. Esse gesto provocou a revolta de muitos monarquistas intransigentes, como Carlos de Laet, (a quem ele numa carta chamava “uma bolsa de veneno”), enquanto outros lhe apoiaram o procedimento, achando que não devia negar-se a prestar um serviço que o País lhe solicitava, não importando isso numa abjuração dos ideais monárquicos. A entrevista foi, pois, concedida num momento crucial da vida de Nabuco, nas vésperas dele sair os ostracismo a que o relegara a proclamação da República. No livro que Carolina Nabuco dedicou à figura do seu pai, ela cita apenas um pequeno trecho desse importante documento inédito, justificando-se, portanto, aqui sua divulgação.

- Pelo conhecimento que V.Excia. tem do regime passado e pelo que há observado no cenário político da nossa Pátria, depois de 15 de novembro de 1989, que pensa da estabilidade da instituição republicana no Brasil sob a forma federativa?

Em política nunca me seduziu o lado abstrato, doutrinário das questões. Trabalhei pela abolição pelo seu profundo interesse humano; também o que me fez em 1885 pensar na Federação foi a pobreza no Norte, donde sou filho, que em parte eu explicava pela exportação dos seus próprios recursos para o custeio do centro. Quis a maior autonomia só como uma represa para reter nas Províncias suas economias que eram todas absorvidas pelo imposto geral. Desde, porém, que a República fez as suas grandes emissões de papel a Federação deixou de ser um meio para o fim que eu tinha em vista, perdeu sua principal razão de ser, estava morta, tinham-lhe sorvido o ovo e atirado as casca aos Estados. Com um só lance de sua rede o Rio de Janeiro tinha apanhado todas as economias do País para derramá-las entre a clientela dos seus bancos emissores. Todas as extorsões às Províncias que se me figuravam possíveis num período de vinte anos e que eu quisera impedir co a limitação da despesa central, tinham sido feitas de uma só vez. O centralismo tinha esgotado os Estados por mais de uma geração. O que restava da Federação depois de semeada a pobreza e a carestia por todo o País? Restava a forma política. Sob o Império ela podia ser o complemento da obra do Segundo Reinado, unidade nacional; sob a República, seria a demolição desta obra, se ela por sua própria força não a absorvesse. Eis porque hoje com os mesmos sentimentos, não ligo mais interesse à Federação. Para por o País em ordem é preciso suspendê-la. E creio muito no futuro do art. 6º. É preciso convir que ele é extremamente elástico; não é uma chave comum, é um passepartout. A reação centralista será tal que provavelmente o Brasil acabará dividido em 300 departamentos e não em 20 estados. A divisão territorial foi sempre na sua História o principal fator de civilização.

- Acredita que a República, tal como está, poderá trazer vantagens e benefícios para o engrandecimento do Brasil?

Para mim a questão não é tanto do modo porque está organizada a República nem do pessoal que a dirige, como de espírito a que ela obedece. Do espírito que tenho visto em ação desde 15 de novembro até hoje, em históricos e aderentes igualmente, não espero vantagens nem benefícios de espécie alguma.

- Pensa V.Excia. que há necessidade de se fazer uma revisão na Constituição no sentido de se modificar o sistema presidencial-federativo pelo parlamentar-unitário, como na França, ou apenas alterar as disposições constitucionais em relação a discriminação de rendas, atendendo-se ao estado financeiro do País?

Não tenho fé nem no judicialismo norte-americano, para o qual nos faltam homens, ou antes temperamento, nem no parlamentarismo francês, que não se pode imaginar sem eleições reais no País. O melhor governo republicano seria ainda o de uma personalidade eminente, liberal e tolerante de espírito; o personalismo educado, é o que podemos ter de melhor na República. Fique certo que a Constituição não é um estorvo. Todas elas têm este artigo subentendido: “O governo está sempre autorizado a acomodar esta constituição às necessidades e costumes do País.” Lembra-me que há nela uma frase latina. Podia bem trocar-se por outra: ad impossibilia nemo tenetur.

- V.Excia. acredita que há perigo para a integridade do território nacional na Federação dos Estados com a autonomia que gozam?

Perigos possíveis de certo modo os vejo de toda a ordem: nos pequenos exércitos, nos empréstimos com hipoteca de terras e rendas públicas; nos motivos constantes para reclamações que uma vez nos encontrassem mal dispostos, porque a verdade é que não somos ricos bastante para pagar todos os nossos erros de ofício. Perigos reais, não sei. Ceci tuera Ceci

- V.Excia. respondendo a esta pergunta poderá fazer um pequeno inventário público das três administrações presidenciais: Deodoro, Floriano e Pudente e dizer sobre a futura administração do Dr. Campos Sales?

Dispense-me de fazer tal processo à República. Uma de minhas máximas é a de Burke: “Eu não saberia formular um libelo contra uma nação inteira”. Seria preciso fazer um afresco do tamanho do Juízo Final e eu não sou Miguel Ângelo. Taine já fez a psicologia do jacobinismo; eu não seria capaz de descrever a sua degeneração nos trópicos e na miscigenação. Deixemos o passado, não falemos de Campo Osório nem de Canudos. Admitamos que o Dr. Prudente iniciou a reação conservadora e que o Dr. Campos Sales a continuará. Que força terá essa reação, que sopro, que inspiração liberal? Não o posso calcular. Julgo o País muito enfraquecido e as épocas fracas, apáticas, indiferentes, o que mais custam a produzir é o homem de têmpera que faça retroceder a corrente. Stilico, o último dos Romanos era um bárbaro.

- V.Excia. atribui ao sistema republicano as crises financeiras e econômicas que assoberbam o País?

Decerto. O Império nunca teria deixado o câmbio chegar a esse ponto, e se deixasse, teria caído. Exceto a diminuição considerável da riqueza pela baixa do café, e essa mesmo, dizem os que atribuem o excesso da produção ao impulso do papel-moeda, tudo mais foi efeito da República, da megalomania financeira com que ela nasceu e tem vivido. Estamos gastando, União, Estados e Municípios, provavelmente mais do dobro do que o nosso rendimento nacional permite para ficarmos solváveis.

- Quais os meios, que, acredita devem ser postos em prática para debelar a difícil situação financeira no atual momento?

Em tese o primeiro dos meios seria, como eu disse, suspender a Federação, para o fim de fazer uma só lei orçamental, da União, dos Estados e do Distrito Federal. Como tudo sai de uma só algibeira, antes de tudo é preciso saber quanto o nosso contribuinte pode pagar. Se a União economizar, os Estados hão de gastar o que ela não perceber; tudo que for possível tirar ao contribuinte, lhe será arrancado por um ou outro fisco. Uma casa assim governada não pode ser posta em ordem. É como se o chefe de família quisesse fazer o seu orçamento deixando aos filhos liberdade de gastar o que quisesse. Uma vez verificado o que o Brasil pode pagar sem tirar da própria substância ,sem autofagia, dever-se-ia adaptar a sua despeza aos seus recursos. O excesso anterior teria que ser liquidado de qualquer forma, por uma imposição sobre a própria reserva do País, já que não há outro meio senão esse, ou a bancarrota. A verdade é esta: hoje só podemos por em ordem exemplar as nossas finanças, - meros expedientes não são próprios de verdadeiros estadistas – por um grande sacrifício, ou nosso mesmo ou de nossos credores, e é preferível que seja nosso. Endireitar tudo, porém, à custa de tal sacrifício para recomeçar no dia seguinte, é o que desanima. O que, entretanto, faria grande bem desde logo ao câmbio e ao crédito, seria dar um caráter de publicidade efetiva a todo o serviço da emissão; fazê-lo entre paredes de vidro, com participação dos bancos nacionais e estrangeiros; torná-lo tão indiscutível pela sua transparência como os trabalhos do Clearing House.

- Que pensa do acordo Financeiro ultimamente celebrado em Londres?

Que se pode pensar do acordo senão que devíamos ter evitado chegar até aí? Tudo mais, ele mesmo, talvez, seria como pedras lançadas no fundo do mar antes de se ter começado a ensecadeira. Nesse ponto o Dr. Campos Sales falou no banquete do Cassino com a mais louvável franqueza: é preciso dissipar as apreensões que pesam sobre os nossos títulos, mostrando o mais cedo possível que não precisaremos prorrogar o prazo para o pagamento integral dos juros.

- Que influência pensa que pode ter na atual crise financeira a distribuição das rendas segundo a Constituição de 24 de fevereiro?

Eu não digo que não se altere a divisão as rendas, nem que ela seja perfeita. Mas não foi a divisão das rendas que concorreu para as extravagâncias da União, e enquanto prevalecer o espírito da extravagância, de grandeza, de gasto ilimitado, qualquer redistribuição terá os mesmos efeitos.

- Que pensa em relação a questão do divórcio?

Dir-lhe-ei que ninguém imagina mais do que eu em casos especiais em que o divórcio seria quase uma questão de humanidade; comparando, porém, suas vantagens em casos isolados, alguns até patéticos, com suas desvantagens em relação à família, estas reduzem aquelas a verdadeira insignificância social. Sobretudo em nosso País, onde o empenho, a imposição, a indiferença impediram a constituição de um tribunal de divórcios que não fosse uma mera chancelaria. O divórcio não vem afetar o casamento católico, que é perpétuo; o que pretende é aperfeiçoar a instituição do casamento civil. A atitude da Igreja nesta questão é, portanto, desinteressada e altruísta: pugnando pela perpetuidade do casamento civil, ela mostra, pelo menos, que reconhece a família constituída de seu seio.

- Que pensa em relação à intervenção dos Poderes Federais nos Estados?

É uma pergunta muito genérica. Nestas questões eu não me preocuparia do seu lado hermenêutico, nem do seu lado partidário, mas do lado governamental; o que quer dizer que cada espécie é diferente.

- Qual a sua opinião a respeito da ação política do Partido Nacional, particularmente sobre a questão de nacionalização do comércio a retalho?

Nacionalismo do comércio a retalho? Porque não desde logo fechamos os portos? Ouça o meu amigo Visconde de Taunay sobre o nativismo.

- Que pensa sobre a ação das conferências ministeriais no Governo da República?

É uma questão muito especial. Suponho que se refere à declaração do Dr. Campos Sales. Se seus ministros forem homens de Governo, capazes de inspirá-los, ele os reunirá para ter mais de um alvitre; se não forem, os reunirá ainda para não ter o trabalho de estar sempre informando a cada um do que se passou com os outros. No fundo será a mesma coisa.

- Em suma: V.Excia. acredita que o Sr. Dr. Campos Sales ao terminar o seu quatriênio deixará resolvidas de maneira favorável para a República a crise financeira e a questão de harmonia de relações entre os Estados e a União?

Minha experiência é que acontece o imprevisto... Nós hoje somos uma das muitas incógnitas de um vasto problema: o problema Americano. A Europa, a África , a Ásia formam já um sôo todo político. Defronte dessa massa colossal, que se deve chamar européia, qual é o destino da América do Sul? Formar um todo com os Estados Unidos? Entrar com eles ou contra eles na órbita da Europa: Ninguém sabe. O que se pode sentir é o esforço que suspende no vácuo intermédio os territórios quase inocupados dos trópicos americanos até que entrem para uma ou outra área de influência e absorção. Como quer que eu saiba daqui a quatro anos em que pé estará a nossa situação interna, se ela, até certo ponto, é o reflexo da situação geral exterior? Dado que não intervenha fator algum dessa ordem, nem se dê nenhum novo fenômeno da atual anarquia espontânea (a expressão é de Taine), a minha conjetura a respeito do novo período presidencial é que, mediante o acordo e o resto da reserva nacional, não caberá ao Dr. Campos Sales, e sim ao seu sucessor, iniciara verdadeira era das vacas magras. Ainda há dias, na soirée do Dr. J.C. Rodrigues, estive conversando com alguns dos “conselheiros de Estado” da situação e observo que não há um só, que não seja otimista, isto é, que não julgue longe aquela era. Era preciso alguma formiga no meio de tantas cigarras.

- E como eu agradecesse ao Dr. Nabuco assuas respostas, ele acrescentou:

Não tem nada que me agradecer. Muitas vezes me acontece quando passo anos sem ouvir falar de um nome conhecido imaginar que a pessoa já está morta. De tempos a tempos é bom para todos dissipar essa dúvida a seu respeito e é isso que fez um interview com os que desaparecem da cena desde 15 de novembro...

- E mostrando-me o seu gabinete:

Aqui verá por toda parte retratos do Imperador, da Princesa, de Saldanha da Gama, dos homens do primeiro e do Segundo Reinado, como vê a antiga bandeira, e a da revolução de 1817, que é uma relíquia... Esta estante é o arquivo de meu pai, aquela a da abolição; encontraria ali muito André Rebouças, muito Joaquim Serra... é um Campo Santo. A minha missão em política parece-me acabada com a Vida de meu pai, que pude terminar e para a qual tive a fortuna de achar editor... Agora o me navio está preso na banquise e vai derivando com ela para o pólo...

- E perguntando-lhe se não admitia hipótese de colaborar um dia com a República:

Colaborar com a República? Como? Se ela nega aos monarquistas o direito de pensar alto; se a última palavra a respeito deles foi questão fora da lei? A situação dos republicanos no Império era outra; o dr. Campos Sales e o Dr. Prudente mesmos que digam como forma tratados na imprensa, nas eleições, na Assembléia Provincial, na Câmara, pelos partidos monárquicos. Dir-se-á que foi essa liberdade de opinião que produziu a queda da Monarquia... E penso pelo contrário que essa liberdade que tornou possível um reinado de meio século na América. É sempre fácil esmagar uma opinião que não e defende; mas não sofre co isso, qualquer que seja a voz amordaçada, toda a opinião que devia ser a alma da República? Fica ela intacta; pode ela sentir-se digna, honesta, independente, consentindo na violação de um único pensamento que seja? Não sei se entre nós não se irá dissipando pouco a pouco a pressão jacobina, como se dissipou em França, onde na Terceira República a opinião toda ela é livre. Essa será a meu ver a maior conquista que a República podia fazer: garantir o direito dos seus adversários: então sim, para tornar eficazes essas garantias ela poderia exigir, em nome da patriotismo, o concurso daqueles dentre eles que colocam acima de tudo a civilização do País que só são monarquistas, porque a Monarquia representou um nível superior de civilização no que a República lhes parece poder alcançar e se desejam ver sempre esse nível a maior altura, mesmo na República.

- Mas no seu pensamento, perguntei não se estará dando alguma modificação em relação à República ou, antes, em relação à Monarquia; não haverá uma diferença de atitude, se posso me exprimir assim, mental, interior?...

Sabe que sou um apaixonado de Chateaubriand... Veja esta frase: “Eu me encontrei entre os dois séculos como na confluência de dois rios; mergulhei nas águas agitadas de ambos, afastando-me com pesar da velha margem em que nasci e nadando com esperança para a margem desconhecida onde vão aportar as novas gerações”. Tudo que eu previa e disse da República foi justificado, demonstrado com furor pelos acontecimentos. Posso dizer-lhe que era intuitivo. É muito mais difícil, porém, calcular se isso tem ou não tem volta; se é ou não é definitivo; nesse ponto, desde a minha primeira palavra tornei clara a impossibilidade para mim de decifrar os livros sibilinos. Dois homens teriam talvez feito juntos a Monarquia se tivessem ambos em 1893: Deodoro e Saldanha da Gama. A morte de Deodoro deixou Saldanha desirmanado no Exército. A morte de Saldanha alterou todo o meu cálculo de probabilidades. Sou em relação ao nosso País, à sua fase atual, um pessimista, e é lógico para um pessimista imaginar logo o melhor... É toda a mudança que há em meu pensamento, e como diminui a minha esperança de Monarquia, aumenta naturalmente o desejo de que a República não abisme o País. Também estamos na confluência de dois séculos; ao contrário de Chateaubriand, eu, que não sei nadar, fico imóvel na margem onde nasci, fazendo votos para que as novas gerações, a que hão de pertencer meus filhos, não encontrem o deserto ou a barbaria na margem oposta... Por outra, o problema que eu quisera resolver não é maiôs o da minha geração, é o da seguinte, é o deles... O meu foi resolvido com precisão matemática antes mesmo de 15 de novembro. O deles confesso que é muito mais complicado... Lembre-se que eu lhe disse que somos hoje a incógnita da um problema maior, o americano...

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(De “O Estado de São Paulo,de 25 de setembro de 1898)

Fonte: Revista do Livro, Rio de Janeiro, mar.1960

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Cenas do funeral de Joaquim Nabuco em Washington, em abril de 1910

                    

   Na primeira foto: Chegada do ataúde, numa carreta de artilharia, à Igreja de São Mateus.

   Na segunda: O Presidente dos EUA, William H. Taft e a Sra Taft chegando à Igreja.

                   

    Na terceira: Os marinheiros do North Carolina formados em frente ao Palacio Monroe.

   Na quarta: As representações oficiais ao sairem do Palácio Monroe, onde ficou exposto o corpo de Joaquim Nabuco.

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