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Grandes entrevistas históricas
                          John Kennedy
Entrevista conduzida por Henry Brandon, publicada originalmente no The Sunday Times, de 03/06/1960 e republicada no livro: ALTMAN, Fabio. A arte da entrevista: uma antologia de1823 aos nossos dias. São Paulo: Scritta, 1995.
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John Fitzgerald Kennedy (1917-1963), o 35° presidente dos Estados Unidos, nasceu em Brookline, no estado de Massachusetts. Filho do milionário Joseph Kennedy - que construiu sua fortuna durante o período da lei seca e seria nomeado embaixador na Inglaterra entre 1938 e 1940. John foi educado em Harvard e Londres. Durante a Segunda Guerra Mundial, serviu como comandante de navio torpedeiro no oceano Pacífico e foi condecorado por bravura ao salvar a vida de alguns membros de sua tripulação.Tornou-se senador democrata pelo Massachusetts em 1952. Oito anos depois, seria eleito como o mais jovem presidente da história americana e o primeiro católico a ocupar.o posto. Sua gestão foi marcada por amplas reformas nos direitos civis e pela crise dos mísseis em Cuba, que por muito pouco não degenerou para um conflito nuclear entre os Estados Unidos e a União Soviética. Era o auge da chamada guerra-fria. Kennedy morreu assassinado em Dallas, no Texas, em 22 de novembro de 1963 - há um clichê segundo o qual as pessoas são capazes de lembrar o que faziam quando a televisão e o rádio deram a notícia dos tiros disparados contra Kennedy.


Henry Brandon entrevistou Kennedy durante o “café da manhã entre suco de laranja e ovos quentes, na velha e charmosa casa em Georgetown", pouco tempo antes de ele se tornar presidente.

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- Quando lhe ocorreu a idéia, pela primeira vez, de tentar chegar à Presidência da República?

Acho que foi depois da corrida à vice-presidência, na Convenção Democrática de 1956. Comecei a ter uma participação mais ativa na campanha de 1956, mais como uma figura nacional do que como uma figura só regional de Massachusetts. E então, depois que o governador Stevenson foi derrotado em 1956, no começo de 1957 eu comecei a considerar seriamente essa questão.

- Foi porque o senhor sentiu que havia um campo mais aberto, ou foi devido a alguma compulsão?

Bem, eu acho que havia as duas razões. Primeiro, em certo tido, havia mesmo um campo mais aberto e, portanto, havia a oportunidade - havia indicações de que meu nome estava sendo considerado, junto com o de outros candidatos. É claro que o mais importante é que realmente a presidência tornou-se o cargo-chave. Estou no Congresso há 14 anos, e, enquanto a Constituição nos faz um ramo igualitário e coordenado ao governo, a pressão dos eventos e a mudança das circunstâncias dá ao presidente uma influência predominante. Isso é essencial - particularmente para a condução bem-sucedida das relações exteriores. Por isso, eu realmente concorro à presidência pela mesma razão que concorri ao Congresso há 14 anos e para o Senado há oito anos: estou muito interessado na direção que os Estados Unidos vão tomar, o papel que representarão e as responsabilidades que assumirão, e para isso a presidência é o centro da ação.

- Quais seriam as qualidades básicas que um presidente deve ter, e que o senhor sente ter?

Bem, eu acho que um presidente com certeza deve ter, assim o esperamos, caráter, discernimento, vigor, curiosidade intelectual, uma certa percepção da história e uma forte percepção do futuro. Muitas outras qualidades seriam vantajosas, mas eu diria que essas seriam essenciais para qualquer presidente bem-sucedido.

- Dizem que sua juventude e sua religião católica são fatores contrários ao senhor.

Sim. Esses dois fatores contribuíram fortemente no aspecto negativo, mas não foram totalmente ruins. Juventude: eu cheguei à cena política numa época em que a liderança estava com os velhos. O presidente é velho, sua saúde está precária, sua liderança não é totalmente bem-sucedida e por isso eu acho que há um desejo de virar a página e começar com uma liderança mais nova e fresca, e, esperamos, até mais vigorosa. Não tenho tanta certeza de que a juventude não seja uma vantagem real, apesar de ter seu lado desvantajoso também. Minha religião é uma questão de grande preocupação política e me transformou numa figura controvertida. Mas talvez tenha sido uma vantagem - olhando para a situação como era em 1957,58 e 59 - ser controvertido de um jeito ou de outro.

- Isso faz com que todo o país tome conhecimento do senhor.

Acho que as perspectivas de minha indicação são boas - e minha religião e minha juventude estão comigo -, assim não posso dizer que foram obstáculos a serem superados, no sentido político.

- O senhor acha que agora, depois da sua vitória na Virgínia do Oeste que tem só 5 % de católicos, a religião continua sendo um fator importante na política americana?

Sim, é, mas eu acho que é bem menos. Por algum tempo ela pareceu ser o único aspecto, e isso, é claro, foi muito ruim. Agora ela é um aspecto entre muitos outros - mas mesmo assim ainda é um aspecto.Toda a luta pela liberdade religiosa, a batalha da reforma, a característica dos Estados Unidos, todas essas coisas fazem a possibilidade da eleição de um presidente católico uma séria preocupação para muitos americanos.A maioria desses americanos querem ver certas perguntas respondidas, e quando estas o forem, de um modo responsável, acho que então eles estarão preparados para os outros problemas sérios que afligem os Estados Unidos. Alguns nunca aceitarão qualquer resposta.

- Sempre se ouve falar da oposição entre os eleitores protestantes, mas existe uma oposição na hierarquia católica?

Alguma, sim - mas espero que aqueles que são republicanos apóiem um candidato republicano. O corolário do desejo de não ter votos contrários simplesmente por causa da minha religião é também a esperança de que aqueles que são correligionários não votarão em mim por causa da minha religião. Por isso, se houver oposição entre a hierarquia, eu espero que se limite àqueles membros da hierarquia que são republicanos.

- Têm surgido sinais... por exemplo, na declaração sobre o controle da natalidade e alguns editoriais no Osservatore Romano, que de um modo ou de outro, são comentários críticos à sua candidatura.

Não tenho essa opinião. Não acho que eles tivessem em mente minha candidatura. Esse pode ser um fato bom ou mau, mas acho que a perspectiva deles vai além da eleição de 1960. Eles não estavam pensando realmente nas implicações de suas afirmações na minha candidatura, e penso que provavelmente é isso mesmo. Se a hierarquia começou a adequar suas afirmações à minha candidatura, então ficaria provada a conexão imprópria, ou imprudente, entre os políticos católicos e a Igreja Católica. Minha opinião é de que não há essa conexão, e o simples fato de essas afirmações terem sido feitas, e terem tido de algum modo um efeito potencialmente prejudicial para minha candidatura, indica que eles não estão envolvidos num complô papal.

- Ouvi dizer que uma das razões por que a Igreja Católica não gostaria de ver um um presidente católico neste país é que os Estados Unidos é um dos poucos - talvez o último país - onde a Igreja ainda pode conquistar novos membros, onde ainda há um amplo campo para os missionários, e os dados provam que os católicos tiveram muitos lucros neste país nos últimos anos e ainda podem ter mais. Com um presidente católico, porém, isso talvez não seja tão fácil

Bem, eu não sei quem tem essa visão específica, mas eu não a tenho, e não acho que seria prudente para os católicos negar a si mesmos o cargo da presidência a fim de influir na política da Igreja nos Estados Unidos. Não acredito que essa opinião seja defendida seriamente por muitos membros da hierarquia, e, se for, eu discordo dela. Não acredito que a religião do presidente afetaria a decisão de muitos americanos em relação à Igreja que pretendem adotar. Se a resposta for sim, então sua conversão não terá bases sólidas. Não sei qual é a religião do presidente Eisenhower - o que ele é, presbiteriano?

- Sim.

Não tenho certeza se ele provocou a conversão de muita gente, será? Ou evitou que muitos passassem à Igreja Presbiteriana?

- Bem, eu acho que eles não estão no mesmo "ramo" de conversão, estão? (risadas).

O ocupante do cargo está preso ao juramento de seu cargo, que ele assume para defender a Constituição, à qual ele se compromete num juramento ou declaração dirigida a Deus. Seria uma ofensa extremamente séria violar esse juramento. A separação entre Igreja e Estado possibilita ao presidente exercer seu poder de julgamento escolhendo a melhor maneira de defender a Constituição e os Estados Unidos. Em minha opinião não há conflitos. Se houvesse, então, é claro, você poderia dizer que nenhum homem da minha religião poderia fazer esse juramento. Juízes católicos outorgam divórcios todos os dias, apesar de eles mesmos não acreditarem no divórcio. Você tem que fazer uma distinção entre sua obrigação privada e seu dever público como funcionário público. Não acho tão difícil assim fazer essa distinção. Essa questão me parece um pouco ridícula. Se você aceita o ponto de vista de que o presidente foi incapaz de cumprir seu juramento constitucional por causa da sua religião, então você realmente terá que dizer que um senador ou um congressista dessa religião foi incapaz de cumprir o juramento de seu cargo. O princípio é o mesmo. Conseguimos elaborar tudo isso com certo sucesso nesse país. Por exemplo, dois juízes da Suprema Corte eram católicos. Não acho que foi difícil para nós distinguirmos, no meio disso tudo, o que é de César e o que é de Deus.

- Os políticos que têm um senso de responsabilidade confrontam-se com o dilema: a perseguição pública feroz de suas idéias partidárias ou a ética do jogo político honesto. Quais são as regras que o guiam na arte da política?

Bem, eu acho que a ruptura dos cânones do jogo honesto normalmente termina em fracasso. Eu acho que existem auto-reguladores na política assim como em outras áreas da vida também. Eu acho que os políticos mais bem-sucedidos raramente transgridem.

- Muitas vezes se diz, a respeito do relacionamento pai-filho, que os filhos se rebelam contra o pai, ou, pelo contrário, são tal pai tal filho. Como o senhor vê o relacionamento com o seu pai?

Eu diria que a grande maioria dos casos de relacionamentos pai-filho na verdade não se enquadra nas duas categorias que você descreveu. Há muitos desentendimentos. Em meu caso em particular há muitos desentendimentos na política e tem havido por muitos anos. Ele tem uma visão totalmente diferente da minha de 14 anos de Congresso do que deva ser o papel dos Estados Unidos no mundo. E em muitas questões domésticas ele tem opiniões substancialmente diferentes. Mas não é o caso de uma discussão real. Nós temos opiniões divergentes e não pretendo tentar convertê-lo, nem ele a mim, por isso a questão está fora do âmbito de nosso relacionamento pessoal, que é muito satisfatório.

- Será que talvez o orgulho que ele sente do filho que pode tornar-se presidente é maior do que seu desejo de vê-lo concordar com suas próprias idéias?

Não, eu não acho que seja isso. Eu acho que é simplesmente porque ele tem uma família grande, e cada um deveria escolher suas próprias vidas e tomar suas próprias decisões. Sua responsabilidade não é impor suas idéias políticas a seus filhos. Quando um pai desiste de fazê-lo o relacionamento fica melhor e mais duradouro.

- Se não foi seu pai, então quem ou o que influenciou seu pensamento político?

A experiência e minha própria observação, meu julgamento pragmático - tudo isso. Além disso, eu acho que o mundo ao nosso redor influenciou a mim e a meu julgamento. Agora, ele pode até ver o mundo sob uma perspectiva diferente. Mas não posso acreditar que todos os filhos sejam ecos das idéias dos pais ou então rebeldes; eu gostaria que para a grande maioria o relacionamento fosse comparável ao meu.Vivendo numa geração diferente, enfrentando problemas totalmente diferentes, tomando suas próprias decisões - mas seu relacionamento pessoal permanecendo harmonioso.

- Arthur Miller disse-me, outro dia, que se os Estados Unidos fosse vítima de uma crise suficientemente intensa, o macartismo voltaria, porque foram os conservadores que o derrotaram, não os liberais e nem a esquerda, as pessoas que o conheciam bem. O senhor concorda com isso?

Bem, não tenho certeza se algum período histórico já se repetiu exatamente da mesma forma. Eu acho que as palavras "pacificação" e "indulgência com o comunismo", e todo o resto, têm sido espalhadas por aí com alguma força nos últimos meses, desde a crise do U-2. O senador Scott, da Pensilvânia, afirmou que seria necessário que o governador Stevenson e eu nos livrássemos da suspeita de sermos pacificadores porque não concordamos com o modo como a administração tratou o caso do vôo do U-2. Isso indica que há, nos Estados Unidos, aqueles que ficariam felizes em criar dificuldades caso as pressões políticas os perturbassem, pois assim eles voltariam às velhas técnicas.

- O senhor assumiria no futuro uma posição mais enérgica do que aquela que assumiu no macartismo?

Não concordo com a técnica, se é essa a sua pergunta, e não concordaria nunca.

A definição de Churchill da política externa da Grã-Bretanha é que ela era baseada em três círculos, com a Grã-Bretanha no meio: uma, a aliança anglo-americana; a outra, a Europa; e a terceira, a Comunidade de Nações Britânicas (Commonwealth).Eu acho que essa base tornou-se obsoleta. Gostaria de saber como o senhor vê o papel da Grã-Bretanha no mundo hoje.

Eu diria que os três círculos ainda estão aí. A aliança angloamericana é com certeza um elemento básico na política externa de ambos os países. O elo da Comunidade de Nações tem primazia. A área de preocupação mais recente, é claro, tem sido o terceiro círculo, o relacionamento entre Grã-Bretanha e Europa. Quando o poder dos Estados Unidos, da Comunidade de Nações e da Europa se desenvolveu, influenciou a posição relativa da Grã-Bretanha, mas ela ainda permanece como o elo de ligação entre os três círculos.

- A Grã-Bretanha deveria, na realidade, entrar no mercado comum?

Essa é uma decisão que ela deve tomar. Não compete a um estrangeiro recomendar qualquer política comercial a um país com problemas complexos como os que a Grã-Bretanha enfrenta. O seu povo pode julgar melhor se ela deve fazer isso ou não. Talvez os britânicos tenham assumido uma política mais afirmativa, nos últimos três anos, em relação a todo esse desenvolvimento, mas não tenho certeza se seria conveniente nós tentarmos aconselhá-la sobre esse assunto.

- O senhor gostaria de ver uma autoridade supranacional na Europa? Digo, um desenvolvimento nessa direção?

Sim, eu gostaria. Eu acho que podemos evoluir no comércio e podemos evoluir em outras áreas também. Acho que existe um limite óbvio, além do qual, pelo menos num futuro próximo, não haverá avanços.

Cedo ou tarde os Estados Unidos terão suficientes mísseis de longo alcance e não precisarão de bases na Europa. Você acha que isso os levaria a uma política bem mais independente da Europa?


Não, eu acho que as ligações entre os Estados Unidos e a Europa são básicas, e a necessidade de cooperação persistirá, talvez até com mais força. Há muitas áreas que podemos considerar numa base comum. Não acho que nossa necessidade de bases no estrangeiro explique totalmente nosso interesse no desenvolvimento da reconstrução da Europa nos últimos 15 anos. Uma Europa livre e vigorosa, com uma economia em expansão, representando um papel proporcional na assistência ao mundo subdesenvolvido, e um papel apropriado na defesa do Ocidente - esses são os grandes objetivos comuns que transcendem a implantação de bases militares.

- O senhor quer dizer que a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) sobreviveria a esse desenvolvimento?

Bem, a OTAN no sentido das garantias militares da Europa ocidental contra os ataques de outros países - no sentido de uma cooperação de esforços militares - com certeza ela sobreviveria, e eu espero que sobreviva de uma forma mais vigorosa em outras áreas, para que as energias da Europa ocidental e dos Estados Unidos possam ser efetivamente conjugadas em novas áreas de responsabilidade. A situação militar poderá mudar, mas eu acho que o elo básico expresso pela OTAN permanecerá.

- Quando o senhor diz "militar", refere-se à questão das tropas americanas na Europa?

Não, eu me refiro às bases. Com certeza seria prudente continuar com as tropas americanas na Europa mesmo quando não precisarmos mais das bases aéreas. Essas tropas não estão lá simplesmente para defender as bases aéreas, mas também como uma garantia de nossa determinação em cumprir nossos compromissos para com a OTAN, com a Alemanha Ocidental e com Berlim. Enquanto Berlim estiver num estado de efervescência, acho que as tropas deveriam permanecer, independentemente da necessidade ou não da manutenção das bases.

- Em vista do fato de a Alemanha ter que ficar dividida por dez anos, ou talvez mais, o senhor acha que será possível manter a situação atual em Berlim por todo esse tempo?

Não acho que alguém seja capaz de dizer o que irá acontecer nos próximos dez anos. Eu diria que os Estados Unidos não poderiam, nem a Europa, nem a Alemanha Ocidental, nem Berlim, permitir que a liberdade em Berlim Ocidental corresse riscos. Acho que esse continuaria a ser nosso objetivo. Não sei como será a situação na Alemanha, ou em Berlim; não sei como será a política da União Soviética na próxima década, mas pelo menos essa premissa básica deve permanecer em nossos corações.

- Poderíamos manter uma Berlim livre com a ajuda das Nacoes Unidas?

O peso maior da responsabilidade pela liberdade em Berlim Ocidental continuará nos ombros dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e dos próprios alemães; entretanto, a participação das Nações Unidas na garantia dessa liberdade poderá ser vantajosa.

- Se o senhor tentar vislumbrar as relações russo-americanas, digamos, para os próximos dez anos, o que pode-se prever?

Vejo-as como uma contínua disputa competitiva, com períodos de relativo calor e períodos de muito frio. Não imagino que possa haver uma grande mudança dentro da própria União Soviética, ou dentro da China, na próxima década, que provoque uma total reviravolta nas políticas atuais. O ritmo poderá mudar, mas os objetivos não. Digo isso com um certo grau de hesitação porque o mundo mudou muito nos últimos dez anos, com certeza nos últimos 15 anos, e de muitas maneiras. Mas eu diria - baseado nas informações que temos atualmente - que a competição continuará e será afetada, em sua força, pelas ações que impetrarmos.

- De Gaulle parece pensar que cedo ou tarde seremos capazes de trazer a Rússia para o lado do Ocidente, numa defesa contra os chineses. O senhor acha possível que ...

Não há dúvidas de que parece haver alguma diferença na postura e na filosofia da União Soviética e da China. Mas eu acho que levaria mais tempo para criar uma maior comunidade de interesses entre a União Soviética e o Ocidente do que a que existe entre a União Soviética e os comunistas chineses.

- O senhor acredita que seria possível manter os chineses tão excluídos da comunidade mundial, das Nações Unidas, como o são atualmente?

Acho que caso sua política mudasse, caso houvesse alguma indicação de seu desejo de viver em harmonia conosco e com os países do Sul, de seu desejo de solucionar os problemas em áreas onde há divergências, então eu acho que o relacionamento se tornaria mais harmonioso. Mas eu acho que é ingenuidade de alguém acreditar que sob as condições atuais, trazendo os chineses comunistas às Nações Unidas, eles relaxariam sua inflexibilidade, sua tendência na política externa ou interna.

- Os Estados Unidos poderiam se dar ao luxo de renunciar a Formosa?

Em troca de quê? Ou por qual razão, ou sob quais condições? É impossível que Formosa seja reconhecida como um país independente, e por aí afora, mas dependerá em grande parte do que serão as relações entre os Estados Unidos e a China comunista- o quão rigorosos eles serão na implementação de suas atuais políticas stalinistas - o quão duros eles serão ao pressionar a Índia e Birmânia *. Acho que os Estados Unidos deveriam tentar encorajar os chineses comunistas a entrar nas atuais negociações de Genebra sobre o desarmamento e os testes nucleares. Se conseguirem isso, possivelmente conseguiremos entrar em outras áreas de negociação, em problemas que poderão nos dividir: a admissão de jornalistas, as viagens, e assim por diante, e começar a estabelecer os fundamentos de um relacionamento mais satisfatório. Mas, nas condições atuais, não me sinto otimista quanto ao fato de os chineses comunistas estarem dispostos a pagar o preço que terão que pagar - pelo menos no que se refere ao relaxamento de suas intenções agressivas - para estabelecer relações harmoniosas conosco ou para cumprir as determinações exigidas para a admissão às Nações Unidas. Eu acho que eles são muito mais determinados, muito mais implacáveis, e preferem, de certo modo, a sua condição atual, que lhes permite tentar alcançar seus objetivos com poucas coerções.

- E qual a sua opinião sobre as ilhas ao largo de Formosa?

Acho que não foi prudente de nossa parte fixar o limite em Quemoy e Matsu. Elas não são essenciais para a defesa de Formosa e são bastante difíceis de defender. Fui contra a inclusão delas na Resolução de Formosa há cinco anos, e disse em várias ocasiões que aquele não era o lugar para se fixar os limites. No entanto, nós defenderíamos Formosa.

- Que tipo de lição o senhor extraiu do fiasco da reunião de cúpula?

Bem, eu acho que devemos tomar consciência de que os sinais de melhora nas relações entre os Estados Unidos e a União Soviética são muito experimentais. Eles podem sempre esfriar novamente e devemos manter nossa força em todas as áreas da vida nacional de tal modo que, caso as negociações sejam bem-sucedidas, nós lucraremos, caso contrário, não teremos meios de proteger nossa segurança ou nosso compromisso. Essa é a primeira coisa. A segunda, é que eu achei muito insensato que os vôos do U-2 tivessem sido realizados tão próximos à reunião. Eu acho que a falta de coordenação executiva e a falta de preparação para o fracasso dessa máquina contribuíram para o desastre da reunião de cúpula.

- O senhor reassumiria os vôos dos U2?

Não, eu acho que eles foram suspensos como um meio de se ganhar em inteligência - seria muito provocativo e perigoso continuar com eles

- E o que o senhor acha de ir a outra reunião de cúpula?

Não até que tenha havido alguma ação razoavelmente bem- sucedida em nível secundário, em nível dos ministros das Relações Exteriores das embaixadas ou das Nações Unidas; assim teremos razões para acreditar que a reunião será bem-sucedida, que os russos estarão genuinamente interessados nela.

- O senhor se esforçou tanto em promover a ajuda à Índia, mas já pensou numa aproximação ao problema africano?

Bem, isso é de certa forma diferente, porque, em primeiro lugar, há muitos países lá, e poucos estão num estágio avançado que permita um tipo de assistência eficaz como o que poderíamos dar à Índia. E, além disso, há um desenvolvimento econômico de nível inferior nas nações africanas livres, o que requer um tipo diferente de esforço dos Estados Unidos. Professores, assistência econômica, doações, fundos para a educação, intercâmbios médicos - tudo isso nós poderíamos fazer de útil. E eu acho que precisamos ter uma atitude mais simpática em relação às suas aspirações.

- No seu discurso algeriano, em julho de 1957, o senhor usou a frase: “A casa ocidental deve ser limpa de seu próprio imperialismo remanescente".

Bem, eu acho que tem sido feito um trabalho expressivo a esse respeito. Existem áreas em que a casa ocidental ainda não foi limpa, e há pessoas que são compelidas a manter seus elos com a Europa ocidental relutantemente. Mas eu diria que foram feitos grandes progressos nos últimos 15 anos para libertar a África dos remanescentes do imperialismo ocidental. Não acho que existam dúvidas de que a África será livre em outra década. O grande problema agora será: o que acontecerá nesses países livres, eles serão capazes de manter uma sociedade livre? Serão capazes de resolver os problemas desconcertantes que enfrentam? Na medida em que as pessoas esperam, mais e mais, que a vida seja generosa com elas, o grande problema é fazer com que os benefícios da vida sejam repartidos com mais generosidade. Esse será um grande problema para os líderes africanos e para nós que temos interesse ria África livre.

- Os britânicos têm tentado encarar o problema africano, ou o povo africano, e eu acho que eles chegaram à conclusão de que não é possível parar na metade do caminho.

Bem, a democracia é uma planta muito sensível. O desejo pela independência política é, por assim dizer, a maré que está invadindo a África. Construir algo sobre ela, particularmente a democracia, eu acho que será extremamente difícil. Os africanos estão decididos a pegar a estrada da liberdade, e devem mesmo fazê-lo. Os dias do grande desafio para a África ainda estão por vir, e um dos problemas é que há muita ignorância por aqui, assim como uma grande falta de interesse pelos seus problemas. A política africana é uma questão muito debatida entre os partidos britânicos e há muitas discussões sobre o assunto em todos os periódicos políticos da Grã-Bretanha. Há comparativamente pouca informação sobre a África aqui nos Estados Unidos. Não é um assunto político. Não há um sentimento forte. Do ponto de vista da informação, ele ainda é o continente obscuro.

- Tem sido escrita muita coisa sobre o desperdício da riqueza americana na produção de bens supérfluos. Como os Estados Unidos poderiam usar sua riqueza sabiamente para cumprir seus compromissos globais e se habituar a liderar a sociedade ocidental?

Penso que, se vamos representar nosso papel de grandes defensores da liberdade - para cumprir todos os nossos compromissos, preparar-nos para uma população que será o dobro do que temos hoje - teremos de continuar a manter nossa "estrutura de capitalistas".Temos que desenvolver nossos recursos naturais, construir escolas e hospitais, asilos e facilidades recreacionais, e todo o resto. E isso requer um grande esforço público, não somente a satisfação particular de nossas necessidades. Isso significa que os governos local, estadual e federal devem assumir suas responsabilidades, o que é sempre uma luta porque requer um escoamento do consumo privado - o que é imediato - para os fundos de consumo público, o que é menos óbvio para o indivíduo.

- Mas como o senhor irá persuadir as pessoas a produzir, digamos, menos aparelhos de televisão?

Não estou na verdade sugerindo que eles produzam menos aparelhos de televisão.

- Bem, máquinas de lavar.

Bem, máquinas de lavar. Não acho que isso seja uma riqueza em particular. Acho que os aparelhos de televisão e as máquinas de lavar roupa contribuem para o conforto de nossas vidas. As máquinas de lavar aliviam o trabalho pesado e a televisão abre uma janela para muitas pessoas. Eu diria que precisamos convencer as pessoas de que há certas despesas nos setores públicos que precisam ser feitas - que esse é um compromisso que precisa ser cumprido. Com o que sobra - tudo o que o governo não precisa recolher através dos impostos - o próprio povo deve decidir como gastar. Talvez consigam fazê-lo melhor do que nós. Mas eu acho que as necessidades do serviço público devem ser satisfeitas.

- O senhor realmente está falando sobre a regulação através dos impostos, mais do que pelo racionamento.

O objetivo não é a regulação. O objetivo é assegurar fundos suficientes para satisfazer esses compromissos públicos, a fim de proporcionarmos uma vida harmoniosa ao nosso povo. Não estamos tentando nos orientar por preferências. Não acho que tenhamos chegado a isso e não acho que estamos particularmente equipados a fazê-lo no governo.
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