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Grandes entrevistas

 

John Le Carré

Entrevista publicada na revista  Veja, de 29/06/2005.

No começo dos anos 60, o inglês David Cornwell levava uma vida tripla. Oficialmente, trabalhava como diplomata na Alemanha. Clandestinamente, executava serviços de espionagem contra os comunistas. E, sob o pseudônimo John Le Carré, lançava-se numa carreira literária que logo ganharia força. Com romances como O Espião que Saiu do Frio (1963), o autor conquistou algo raro: um best-seller que a crítica também respeita. A queda do Muro de Berlim, em 1989, fez especular se Le Carré perderia o seu tema – o mundo dos agentes secretos. Mas ele continuou a produzir livros eletrizantes e inteligentes. O mais recente deles é Amigos Absolutos,  que transita entre a Alemanha do fim dos anos 60, no auge da Guerra Fria, e o presente dos ataques terroristas. O romance anterior é O Jardineiro Fiel, que se passa no Quênia e contém uma dura invectiva contra as indústrias farmacêuticas. Ele acaba de ser transposto para o cinema pelo diretor brasileiro Fernando Meirelles, de Cidade de Deus – uma adaptação para a qual Le Carré só reserva elogios. Aos 73 anos, o romancista recebeu VEJA em sua casa em Londres para a seguinte entrevista.  

Veja – Quando a Guerra Fria terminou, disseram que os autores de livros de espionagem haviam perdido o seu tema. O senhor chegou a sentir isso?

Le Carré – Não, jamais. Cada vez que me diziam que não havia mais motivo para espionagem depois da queda do Muro de Berlim, eu pensava comigo mesmo: "Esperem só até divulgarem o novo orçamento da CIA. Aposto que terá crescido 35%". A idéia era muito simplista, e a indústria da espionagem, grande demais para morrer assim, de uma hora para outra. Isso posto, antes mesmo de tudo acontecer eu já estava tentando deixar a Guerra Fria e seu mundo de espiões para trás em minha obra. Principalmente na última década, creio que o motor principal de meu trabalho tem sido o fascínio por situações coloniais e pós-coloniais. São os fantasmas do passado que me atraem, e a maneira como criam novas catástrofes, seja no Panamá, uma antiga possessão americana, seja na Chechênia, uma antiga colônia soviética. A história do presente é, em boa parte, a história de como a herança colonial está vindo nos assombrar. Você não consegue entender o Iraque sem atentar para a presença britânica naquela região, como os cartógrafos colonialistas traçaram algumas linhas num mapa e assim criaram o país que mais tarde seria governado por Saddam Hussein. Um dos motivos por que há tanta incompreensão sobre a política atual é a falta de consciência histórica.


Veja – O senhor não escreveu apenas best-sellers sobre espionagem. Foi espião na juventude, durante a Guerra Fria. Por que realizou esse tipo de trabalho?

Le Carré – Essa é uma história que tem a ver com o tempo em que nasci, com a forma como fui educado, com o meu país. Meu pai era, digamos assim, um empreendedor muito peculiar. Ele foi parar na cadeia várias vezes. Mas estava determinado a fazer de mim uma pessoa respeitável. E para ser respeitável na Inglaterra você tem de freqüentar certas escolas privadas, você tem de aprender a linguagem, os modos, os padrões de comportamento da elite. Quando você cresce nesse ambiente, ou submerge nele de vez ou passa a vida tentando se reinventar, livrar-se das doutrinas que lhe foram incutidas. Pertenço à segunda espécie de homem. Ingressar no serviço secreto foi minha primeira tentativa de reinvenção. Espionei enquanto ocupava cargos diplomáticos. Comecei em postos baixos, depois fui secretário político na embaixada britânica em Bonn e conselheiro político em Hamburgo. Isso durou dos 17 aos 31 anos. Mas o processo de reinvenção continuou ao longo da vida. Hoje, aos 73, sinto-me intelectualmente livre. Finalmente saí do colégio.


Veja – Para um antigo espião ocidental, o senhor se tornou um crítico bastante acerbo do capitalismo. "Agora que derrotamos o comunismo, talvez tenhamos de combater o capitalismo", diz um personagem no final do livro O Peregrino Secreto, de 1991. O que o levou a essa posição?

Le Carré – Eu não renego a política dos tempos de Guerra Fria. Eu conheço pessoas que atuavam do outro lado, talvez seja amigo de algumas delas. Mikhail Lubimov, por exemplo, um antigo oficial da KGB, visitou minha casa várias vezes. Tive longas conversas com ele, e elas reforçaram minha convicção de que não jogávamos o mesmo jogo. Nós, deste lado, protegíamos algo que merecia ser protegido: uma sociedade aberta, apesar de todas as falhas. Eles operavam em nome de uma sociedade fechada. Muitas vezes disse a Lubimov que os agentes da KGB estavam mais perto da verdade sobre o Ocidente do que qualquer outra pessoa de seu mundo. Eles viviam entre nós, tinham informantes entre nós, sabiam que estavam tratando com uma sociedade aberta e relativamente decente. No entanto, guardaram essa informação como um segredo. Eles se tornaram culpados na posse do conhecimento. A queda do comunismo foi um acontecimento magnífico, uma dádiva. Isso posto, sinto-me bastante nauseado com o sabor atual do mundo – com o poder indecente das grandes corporações e a maneira como isso afeta as democracias. Tenho a terrível sensação de que a verdadeira vitória foi roubada de nós. A humanidade não avança.


Veja – O que deu errado?

Le Carré – Quando o conflito entre o mundo capitalista e o mundo comunista acabou, estivemos diante de um daqueles raros momentos em que a história poderia ter sido inteiramente reescrita. Só que não tínhamos nenhum plano de contingência para a paz. Tínhamos vários planos de guerra e nenhum projeto de reconstrução. Jovens americanos não foram enviados à antiga União Soviética para encontrar as pessoas que antes pretendiam matar, e vice-versa. Não houve esforço para fomentar entendimento. E, nesse vácuo, duas coisas aconteceram. Primeiro, vimos surgir a cultura da cobiça terminal. Creio que foi meu país que deu essa inestimável contribuição ao mundo. A parteira foi Margaret Thatcher, com seu enorme empenho político em desvalorizar a idéia de solidariedade social. Thatcher deixou um legado de total indiferença pelos problemas que afligem o mundo. Ela disse que privatizaria o ar se pudesse, e na cultura em que vivemos esse é um pensamento aceitável. A segunda coisa que aconteceu foi o início da busca por um novo inimigo. Podíamos sentir as lideranças à procura de um novo demônio, e elas finalmente conseguiram criá-lo. Elas criaram o demônio terrorista. A luta contra ele? Acho que o bombardeamento do Afeganistão foi um crime insuficientemente denunciado e a invasão do Iraque, injustificável tal como foi feita.  


Veja – O primeiro-ministro britânico, Tony Blair, usou documentos do serviço secreto sobre a existência de armas químicas no Iraque para justificar a adesão do Reino Unido à guerra. Mas as armas não foram encontradas. O que achou desse episódio?

Le Carré – Quando ficou claro que os Estados Unidos iam invadir o Iraque, em 2003, Blair prometeu que os seguiríamos, com ou sem as Nações Unidas, com ou sem a Europa. Houve então uma situação de pânico, uma pressão tremenda para que nosso serviço de inteligência apresentasse algo que o ajudasse. E eles tinham muito pouca informação com que lidar, já que Saddam Hussein periodicamente eliminava quadros inteiros de assessores, entre os quais muitas pessoas que provavelmente prestavam informações a nós. Finalmente, Blair revelou que o relatório sobre armas químicas de que dispunha se baseava numa fonte só. O que é ridículo. Ao menos no meu tempo, não seria possível para um relatório tão canhestro passar por todos os filtros internos do serviço e finalmente ser usado por uma autoridade do nível hierárquico de Blair. Do ponto de vista de alguém que trabalhou no serviço secreto, essa história é inimaginável.  


Veja – Qual foi a contribuição da espionagem no quadro da Guerra Fria?

Le Carré – Nós demos nossa contribuição colhendo informações, ajudando pessoas, impedindo isto ou aquilo. Mas não acho que se deva exagerar esse papel. Não foram os espiões que venceram a guerra, tampouco os soldados. Foi a sanidade que, aos poucos, se infiltrou naquela sociedade fechada que era a União Soviética. Foi a erosão econômica do regime. Como disse alguém, "o cavaleiro morria dentro de sua armadura".


Veja – Como se conquista uma fonte no serviço secreto?

Le Carré – O charme da espionagem – e aquilo que, a meu ver, a torna atraente para a literatura – é que todas as possibilidades de nosso caráter humano ficam expostas em suas tramas. As pessoas lhe servirão de fonte pelos motivos mais diversos: porque se sentem sozinhas, porque não gostam do chefe, porque vão com a sua cara, porque você as diverte, porque lhes paga uma bebida ou é simpático com sua mulher. Espionagem tem a ver com sedução, com confiança, com manter promessas. É uma atividade demasiado humana. Quando se fala de serviços de espionagem, as pessoas tendem a se transportar para um mundo estranho. Uma névoa desce sobre os olhos delas. Na verdade, estamos falando da busca de informação em meio ao comportamento humano mais comezinho. É muito próximo do jornalismo. O maravilhoso das histórias de espionagem está nessa riqueza de experiências que elas permitem mostrar – esse mundo de motivações e desejos que se tenta compreender e às vezes manipular. Também gosto do fato de que elas lhe permitem falar de temas políticos, do grande palco do mundo, sem soar pretensioso. Enquanto a história corre, os leitores o perdoam.  

Veja – Relações pai e filho são muito importantes em seus livros. Por quê?

Le Carré – Meu pai forjou a própria vida com um talento extraordinário – só que para o desastre, e não para o sucesso. Ele era basicamente um vigarista. Suas aventuras eram tão extraordinárias, tão irreais, que numa certa altura da vida passei a duvidar de minhas próprias memórias a respeito dele e fiquei obcecado pelo personagem. Cheguei a contratar dois detetives particulares para investigar sua vida e eu mesmo fiz um monte de pesquisas. Ele era um tipo extravagante, um completo fantasista, que num dia se candidatava ao Parlamento e no dia seguinte ia preso por fraudes. Certa vez, tive de tirá-lo da cadeia em Jacarta. Às vezes ele ganhava 1 milhão – e logo descobríamos que tinha outros 2 em débito. Ele morreu aos 69 anos com uma mulher no interior, duas amantes em Londres e uma casa cheia de empregados que não viam o salário havia tempos. Suponho que isso explique meu interesse pelo tema. De fato, há muitas histórias sobre pais e filhos em meus romances. Um deles, Um Espião Perfeito, é francamente autobiográfico e contém um retrato de meu pai no personagem Rick Pyn.


Veja – Os ingleses parecem ter uma obsessão por seu sistema escolar. Ela está muito presente na literatura, dos romances de Harry Potter aos seus thrillers de espionagem, quando é preciso descrever a origem de um personagem. Por que isso?

Le Carré – Colégios são importantes na formação de qualquer um, em qualquer lugar do mundo. Mas as escolas privadas e sobretudo os internatos da Inglaterra, com seus uniformes, seus brasões, e suas longas histórias, são realmente instituições muito peculiares. Nelas, categorizamos desde cedo nossos jovens. Eu fui professor durante um tempo. Ensinei alemão em Eton, um dos colégios mais tradicionais. Lá encontrei classes para os ultra-ricos, para os garotos promissores, para os criminosos em potencial, para os indomáveis. Todos já estavam em seus nichos. Além disso, ser despejado num internato inglês já é uma experiência e tanto. "Aqui estou eu. Meus pais me mandaram embora", pensa o garoto de, digamos, 5 anos. Foi nessa idade que eu mesmo caí numa dessas versões polidas de uma penitenciária. E então você se torna imediatamente seduzível e cooptável pelo poder daqueles que estão à sua volta e parecem capazes de lhe dar abrigo. Várias escolhas têm de ser feitas. Você não pode ser estúpido, nem esperto demais. Você tem de se acomodar ao padrão. Você precisa conviver com sistemas totalmente ilógicos de disciplina. Você pode apanhar muito – e carregar desde então uma grande indignação e uma grande raiva. Você precisa criar sistemas próprios de justiça. Os colégios são, enfim, instrumentos muito poderosos de socialização na Inglaterra – e também o palco de enormes dramas e batalhas.  


Veja – Como o processo de adaptação de O Jardineiro Fiel foi parar nas mãos do cineasta brasileiro Fernando Meirelles?

Le Carré – O projeto começou há quatro anos e, inicialmente, faríamos um filme no estilo americano. O diretor Mike Newell, de Quatro Casamentos e Um Funeral, estaria à frente dele. Mas Newell saltou do barco para filmar um dos episódios da série Harry Potter e, nesse ponto, entrou Fernando Meirelles. Ele deu ao filme o espírito que eu desejava. A história se passa no Quênia e fala de uma grande indústria farmacêutica que usa africanos como cobaias para testar remédios. Em Fernando, encontrei um diretor que entendia a questão da complexidade racial e que sabia falar da tragédia que é a destruição de vidas humanas, pois a mostrou de maneira admirável em Cidade de Deus. Além disso, ele tinha uma percepção não européia do livro, o que me pareceu excelente. Com ele, eu sabia que não teríamos somente um thriller e uma história de amor, mas também um olhar político sobre a ação das grandes corporações no mundo. Creio que Fernando está se tornando, rapidamente, um grande nome do cinema internacional. Deverá ser muito assediado por Hollywood, esse grande cemitério de talentos inocentes, mas sinto que tem o fogo e a inteligência para seguir um caminho próprio.

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Entrevista conduzida por Guillermo Altares, publicada no jornal El Pais, de 4/4/2009.

La vida y la obra de John Le Carré giran en torno a un gran tema: la lucha de un hombre por permanecer moral en un mundo amoral. Y como ocurre con Albert Camus o George Orwell, la mezcla de talento con una visión política del mundo, la unión del compromiso y la experiencia, han producido una literatura gigantesca, pero también un referente moral más allá de las letras. Basta con pasar la primera media hora con él en su casa de Cornualles para darse cuenta de que Le Carré, seudónimo de David Cornwell, está incluso por encima de su leyenda. Es un hombre sabio, generoso, divertido, afable, que mira la vida desde la constante preocupación por el otro. Vive aislado, a pocos kilómetros del Land's End del suroeste de Inglaterra, el fin del mundo, en un lugar llamado Tregiffian, que quiere decir algo así como "un refugio junto al mar". Pero el aislamiento es sólo físico: está perfectamente informado, pregunta por Zapatero, Aznar y la situación en el País Vasco. Tiene el estudio lleno de novedades literarias, desde el Larsson, que todavía no ha leído, hasta McMafia, de Misha Glenny. Su último libro, El hombre más buscado, es buena prueba de ello. Es una gran novela sobre el mundo posterior al 11-S, ambientada en Hamburgo. Es un puro Le Carré: hay espías, muchos, de varios países y agencias; víctimas del sistema; inmigración ilegal, Chechenia; banqueros con las cuentas poco claras, héroes cansados que seguramente ni siquiera lo sean y, cómo no, personas que tratan de sobrevivir a todo esto sin vender su alma.

Le Carré concede a los visitantes todo el tiempo que necesiten. Tras cinco horas de encuentro, uno abandona Tregiffian con la certidumbre de haber conocido a uno de los hombres del siglo, de éste y del pasado, con la extraña sensación de que a veces, sólo a veces, la palabra, la literatura, tienen la fuerza y la estatura moral que queremos concederles.

PREGUNTA. La inmensa avaricia de las grandes corporaciones y de los bancos ha sido uno de los temas centrales de sus últimos libros, incluido El hombre más buscado. ¿Ha sido ésa la causa de la crisis que padecemos?

RESPUESTA. Es un sistema imposible de mantener... Hay grandes corporaciones cuyos presupuestos son superiores a los de algunos países, y tienen una influencia enorme. Una parte de la globalización consistía en dar a la industria y al comercio un gran poder. La idea era que podría haber un crecimiento ilimitado en un mundo ilimitado y que eso sería sostenible desde el punto de vista ecológico y financiero. Traería lo que mucha gente creía que era prosperidad y felicidad. Allí donde he viajado del mundo en desarrollo, he visto que los efectos de la globalización no eran precisamente ni la felicidad ni la prosperidad universal.

P. Pero supongo que nunca intuyó que contemplaría el final del sistema bancario tal y como lo conocemos.

R. Es casi como un movimiento popular. Y es tan drástico y tan irreversible como la caída del muro de Berlín. No paro de decirles a mis nietos que tienen mucha suerte de estar vivos en un momento como éste. Creo que es mucho más que la revisión de la historia económica. Esto es radical y revolucionario. Y es muy posible que los resultados sean positivos. En los últimos años, he tratado de escribir sobre cuáles fueron las disciplinas que han reemplazado a las que nos fueron impuestas durante la guerra contra el comunismo. Hubo un vacío, necesitábamos un nuevo enemigo, lo encontramos en el islam, necesitábamos una nueva excusa. Puede ser que estemos ante un momento revisionista, no creo que todos nos convirtamos en socialistas de la noche a la mañana, pero sí que se inventará una nueva forma de respeto mutuo.

P. ¿Y no cree que en cierta medida el socialismo está regresando?

R. Ha vuelto la era de los Gobiernos fuertes. Durante muchos años el Gobierno era el enemigo, en la época del capitalismo ilimitado, en la era de Bush. Se ha demostrado que eso era un tremendo error. El futuro es imposible de prever, puede funcionar o puede que no. Pero no creo que sea un futuro negro. Puede ser, insisto, en mi país, positivo. En mi caso, la literatura me ha convertido en un hombre rico, pero la distancia entre los ricos y los pobres es terrible y en este momento estamos divididos entre los que están afectados por la recesión y aquellos que simplemente la observan. Pero el acto final de todo esto será mucho más igualitario.

P. Otro de los temas centrales de su último libro es la inmigración y la integración de las minorías musulmanas en Europa. ¿Es uno de los mayores problemas a los que nos enfrentamos?

R. En los británicos hay dos almas: aquellos que creen que nuestro pasado imperial nos ha hecho responsables de la inmigración y que, como explotamos sus países, ellos pueden venir aquí. Pero está la otra rama, nacionalista e insular, que es totalmente extraña a aceptar a otra gente. Pero ahora uno de cada cinco ciudadanos británicos es de raza mixta, lo que quiere decir que algo está pasando. Quizá hacen falta más generaciones. La experiencia de Rushdie y la declaración de una guerra cultural contra el islam ayudaron a esta polarización. Tras el 11-S no era seguro tener un tipo de piel en áreas urbanas y toda la retórica fácil sobre el islam ayudó a demonizar a esta gente. Lo que más me preocupa de la reacción tras el 11-S, y creo que es la ansiedad que he expresado en El hombre más buscado, es lo que eso nos hace a nosotros, mucho más de lo que les hace a ellos. Nos hace peores. Nos olvidamos de lo cerca que estamos en las sociedades occidentales de la tortura: la practicamos, a escondidas, o invitamos a otra gente a hacerla por nosotros. Haber organizado Guantánamo, tener cerca de 27.000 prisioneros secretos, porque Guantánamo sólo es la punta del iceberg, el efecto es tan degradante hacia nuestras propias normas de comportamiento que no puedo pensar que no vaya a tener repercusiones sobre nosotros.

P. ¿Cree que Barack Obama va a ser capaz de arreglarlo?

R. Los que protestamos contra Guantánamo, contra la violación del hábeas corpus y de los derechos humanos pensamos que Obama sería capaz de parar todo esto. Tenemos que esperar y ver hasta qué punto este Gobierno es liberal en la realidad, hasta qué punto se puede permitir serlo porque su primera preocupación es la economía. Tiene que seleccionar prioridades. No puede luchar contra todo a la vez.

P. La guerra fría estuvo marcada por la paranoia, pero el mundo posterior al 11-S también. ¿Qué periodo es peor?

R. Eso es lo que nos estamos haciendo a nosotros mismos. Ha vuelto, nos hemos vuelto a encarcelar a nosotros mismos. Es como si tuviésemos que alimentar un apetito, una adicción a la paranoia. Hemos olvidado que durante la guerra fría éramos constantemente conscientes de la amenaza nuclear, pasamos por crisis como el muro de Berlín o los misiles en Cuba, y siempre pensamos que estábamos a un paso de la destrucción nuclear. No sé si tenemos más miedo ahora o entonces, porque ahora nos dicen que tengamos miedo.

P. ¿Entonces cree usted que es un miedo fomentado desde el poder?

R. Estuve entre los muchos británicos que estaban en contra de la guerra de Irak y entre los que habían votado a Blair y se avergonzaban de haberlo hecho. Supongo que recordará cómo durante una alarma en el aeropuerto de Heathrow rodearon la zona con tanques, era una forma de decir que tengamos miedo. Es verdad que padecimos el terrible 7-J y ustedes el todavía peor 11-M y que esas cosas ocurren, y nos ocurrieron una y otra vez en los tiempos del IRA. Pero en esa época nunca alcanzamos este grado de paranoia y nos decíamos a nosotros mismos: éste es el precio que pagamos por ser una sociedad libre, y nuestra principal defensa ante estos ataques es ser una sociedad abierta y democrática, atractiva para los demás, la mejor que podamos. La consecuencia del caso Rushdie fue que podíamos acabar con toda la tolerancia hacia el islam. Era muy fácil en esos tiempos ser un héroe cultural si te sumabas a la cruzada contra el islam, y usted lo sabe mejor que yo viviendo en un país católico, hasta qué punto Aznar tenía motivos religiosos. Y eso da mucho miedo: que Bush y Blair fuesen en el fondo tan cristianos, y no me refiero a la religión. Si vas a Dios para justificar tus acciones, eso no es fe... Se está reproduciendo el esquema de la guerra fría: la gente inventa enemigos a la medida de su imaginación, es una guerra entre fantasmas. De acuerdo, hay unos cuantos miles de personas que forman Al Qaeda y hay una parte de la sociedad islámica que les apoya, es verdad, eso es la realidad, pero imaginar que Amaniyedad es Hitler...

P. ¿Y otro fantasma de la guerra fría no cree que es el poder que está alcanzando el antiguo KGB en Rusia?

P. No podemos pensar que por un lado está el Kremlin, por otro el nuevo KGB, por otro el crimen y por otro los oligarcas. Todo forma parte de la misma pieza. Sería imposible distinguir el crimen de la riqueza soviética, a los oligarcas de la Mafia. Tenemos que ver a Putin como el oligarca en jefe y como alguien que quiere acumular tanta riqueza y poder como sea posible para controlar Rusia desde cualquier posición, ése es el punto de partida en el que está. Creo que acumula poder para el futuro. Y cuando elimina a oligarcas como Jodorkovski, son realmente guerras entre facciones del poder.

P. ¿Está usted trabajando ahora en algo relacionado con los oligarcas?

R. Bueno, interpretan un papel. Estoy escribiendo una novela y aparecen en un rincón.

P. Creo que si hay un gran tema en sus 21 libros, es que relatan la historia de hombres morales que tratan de sobrevivir en un mundo inmoral. ¿Está de acuerdo?

P. Sí, es así, y además tiene que ver con lo que estoy escribiendo ahora mismo. No es suficiente, además hay que organizar una trama; pero creo que es el momento en que los lectores se identifican con la historia porque la mayoría de la gente quiere tomar el camino decente. Y el problema es cómo tomar la opción decente en una situación compleja. Naturalmente, el patriotismo y la idea del patriotismo son muy cuestionables para cualquier persona porque están muy cerca del racismo. La opción decente es algo que también marca mi propia vida. En primera instancia sobre qué hacer con mi padre cuando me di cuenta de que era un estafador. ¿Qué hacía? ¿Avisar a la gente de que no tratase con él? Mi solución fue escapar a Suiza a los 16 años. Y luego entré muy rápidamente en la experiencia de la guerra fría. Me empezaron a decir desde muy joven: "Éste es un trabajo sucio, David, pero alguien tiene que hacerlo, y porque hacemos el trabajo sucio somos héroes". Ésa es otra asunción muy peligrosa. Detesto que midamos la fuerza de un país por la fuerza de sus servicios secretos, es totalmente antidemocrático.

P. He visto que tenía en su despacho Legado de cenizas, el libro de Tim Weiner en el que afirma que todo lo que hizo la CIA fue un tremendo desastre. ¿Está de acuerdo con él?

R. Es un libro muy bueno y muy útil, fracasaron en muchas de las cosas que hicieron y nosotros también la fastidiamos en la mayoría de las cosas que hacemos. El problema es que el acierto ocasional lo justifica todo, como en el periodismo. Hay cuestiones que analiza muy bien. Por ejemplo, en mi país no podemos organizar de manera eficaz un servicio de salud, los bancos están hechos pedazos, mi Gobierno no sabe si es de izquierdas o de derechas, nuestra policía está corrupta. ¿Por qué tengo que creer que nuestro servicio secreto es brillante, cómo puede existir este Rolls Royce en ese mundo tan caótico?

P. Y hubo momentos surrealistas durante la guerra fría, como que el amigo íntimo de Angleton, el hombre más poderoso de la CIA, fuese Philby y ni siquiera se diese cuenta de que era un agente de Moscú. Supongo que si usted pone algo así en una de sus novelas, nadie le hubiese creído.

R. Lo sé, es totalmente delirante. Angleton se volvió loco después y fue el mayor creador de teorías de la conspiración. Cuando estaba en el servicio secreto, su gente venía constantemente a Inglaterra para decirnos que cada parte de nuestra Administración estaba horadada por los comunistas y fastidiaron muchas operaciones. La atmósfera creada por el macartismo en Estados Unidos tuvo unas enormes consecuencias sobre nosotros. E incluso, más que la guerra contra el terror, nos puso en una posición de estás con nosotros o contra nosotros. Existen ecos muy curiosos entre el macartismo y la guerra contra el terror. Lo que sí es cierto es que (y se ríe) Moscú tenía muy buenos espías... Acertó, pero por las razones equivocadas.

P. ¿Y ve el servicio secreto, el mundo de los espías, en su literatura como un gran teatro del mundo, como una metáfora de la vida?

R. Creo que hay universalidad en esas organizaciones, intento que el mundo secreto hable por el mundo que no es secreto, hace que los problemas sean más interesantes y más visibles para la gente. Puedo contar una historia de amor siempre que alguno de los dos sea un espía.

P. Uno de los momentos que mejor definen sus novelas es cuando a Smiley le dicen que ha ganado y él responde con infinita tristeza: "¿Sí? Seguramente...". ¿Tuvo esa impresión cuando terminó la guerra fría?

R. Smiley sabía que había utilizado los métodos del absolutismo para derrotar a Karla y sintió que había sacrificado su propia humanidad, que se había traicionado a sí mismo. No fui capaz de celebrar con intensidad el final de la guerra fría. Naturalmente fue maravilloso que el comunismo se acabase, pero no tenía muy buenas corazonadas sobre el futuro. El comunismo se destruyó a sí mismo, no a causa de los espías, sino por la imposibilidad de gobernar una sociedad cerrada en un mundo que se estaba abriendo a gran velocidad. Pero ahora no tenemos la más mínima idea de cómo controlar el capitalismo.

P. ¿Y no tiene la tentación de volver a escribir sobre aquellos viejos tiempos, aunque sólo sea para que sus nietos lleguen a entender cómo fue todo aquel mundo?

R. Es la única cosa que me tienta para escribir una autobiografía. Vistos desde ahora, fueron unos tiempos completamente locos. Era una comedia de los hermanos Marx. ¿Ha leído En la corte del zar rojo, de Sebag Montifiore? Es un libro terrorífico sobre la vida bajo Stalin. Molotov estaba casado con una mujer de origen judío, que hablaba demasiado y que molestaba mucho a Stalin. Y un día no estaba allí: la había mandado a los campos. Toda la época en que Molotov fue ministro de Exteriores soviético su mujer estaba en Siberia y Krutchev, tras la conferencia del partido de 1956, trajo a esta anciana y se la devolvió a Molotov. Es increíble.


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