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Grandes Entrevistas

 

Oscar Wilde

 

 

entrevistado por Oscar Wilde e  -  Extraída do livro: A arte da entrevista:

Robert Ross                                  uma antologia de 1823 aos nossos dias,

St. Jame's Gazette, 18/01/1895   organizada por  Fabio Altman.  São Pau-

                                                     lo: Scritta, 1995.                                                  

 

Oscar Fingall O'Flahertie Wills Wilde (l854-1900), poeta e escritor irlandês, nasceu em Dublin. Wilde iniciou sua trajetória literária com ensaios e artigos. Seu único romance, O retrato de Dorian Gray, foi editado em 1890. Cinco anos depois, Oscar Wilde foi levado aos tribunais pelo marquês de Queensberry, pai de um antigo e notório amante do escritor. A acusação: Wilde, que terminaria preso e condenado a dois anos de trabalhos forçados, estaria fazendo a apologia da sodomia e da homossexualidade. Durante seu julgamento, os promotores utilizaram trechos de O retrato de Dorian Gray como evidência da homossexualidade do autor. Liberado, ele passou a viver na França, onde escreveria um poema baseado em sua experiência na cadeia, A balada da prisão de Reading, de 1898. Os historiadores acreditam que o próprio Wilde escreveu esta entrevista, utilizando como cabeçalho "Mr. Oscar Wilde sobre Mr. Oscar Wilde, uma entrevista"Mas o editor das cartas de Wilde, Duff Hart-Davis, a atribui a uma colaboração entre o irlandês e seu secretário particular, Robert Ross. É um dos primeiros exemplos de auto-entrevista, gênero que depois seria praticado por escritores modernos como Truman Capote, Gore Vidal e Norman Mailer.

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Encontrei o Sr. Oscar Wilde se preparando para uma breve visita à Argélia e lendo, é claro, um jornal francês que publicava um artigo sobre a noite de estréia de Un mari ídéal (Um marido ideal) e sobre a presença do autor após a peça.

 

Os franceses sabem apreciar esses momentos de brilho e obstinação na vida de um artista, comentou o senhor Wilde, entregando-me o artigo como se considerasse a entrevista terminada.

 

- É gratificante subir ao palco depois da apresentação de uma de suas peças?, perguntei.

 

De forma nenhuma. Nenhum artista tem interesse em ver o público. O público é que se interessa em ver o artista. Pessoalmente, eu prefiro o estilo francês, que manda que o ator mais antigo da peça anuncie o nome do autor para o público.

 

- O senhor defenderia esse estilo na Inglaterra?, perguntei.


 

Claro. Quanto mais o público se interessar pelo artista, menos se interessa­rá pela arte. A personalidade do artista não é um assunto que o público deva conhecer. Ela é totalmente dispensável. E então, após uma pausa...

 

Talvez fosse mais interessante se o nome do autor fosse anunciado pelo ator mais jovem.

 

- Então o senhor só subiu, ao palco em respeito a uma exigência imperiosa do público?

 

É verdade. Sempre fui generoso quanto a isso. O público sempre gostou tanto do meu trabalho que eu achei que seria uma pena estragar a noite de todos.

 

- Eu percebi que as pessoas não gostaram do que o senhor disse.

 

É verdade, o velho costume manda que o dramaturgo suba ao palco apenas para agradecer aos caros amigos pelo patrocínio e pela presença. Fico feliz em dizer que alterei esse hábito. O artista não pode ser rebaixado à posição de empregado do público. Ao mesmo tempo em que reconheço o apreço que os atores e o público demonstram pelo meu trabalho, também reconheço que a humildade é para os hipócritas, e a modéstia para os incompetentes. A certeza é, ao mesmo tempo, um dever e um privilégio do artista.

 

-A que o senhor atribui, senhor Wilde, o fato de que apenas alguns escritores além do senhor escrevam peças para apresentação ao público?

 

Em primeiro lugar, por causa da existência de uma censura irresponsável. O fato da minha Salomé não poder ser representada é o suficiente para mostrar a insensatez dessa instituição. Se os pintores fossem obrigados a mostrar seus trabalhos para os funcionários da Somerset House, aqueles que se dedicam às formas e às cores iam adotar outra maneira de se expressar. Se todos os romances tivessem que ser submetidos a uma justiça policiadora, aqueles cuja paixão é a ficção iam procurar uma nova forma de realização. Nenhuma arte conseguiu sobreviver à censura, nem jamais conseguirá.

 

- E em segundo lugar?

 

Em segundo lugar, por causa dos rumores espalhados com freqüência pelos jornalistas durante os últimos trinta anos, de que o dever de um dramaturgo é agradar ao público. O objetivo da arte é despertar alegria e dor. O objetivo da arte é a própria arte. Como eu disse certa vez, o trabalho da arte é dominar o espectador - o espectador não deve dominar a arte.

 

- O senhor não admite nenhuma exceção?

 


Admito. Os circos, onde os desejos do público parecem ser razoavelmente realizados.

 

- O senhor considera a crítica teatral francesa superior à nossa?

 

Seria injusto confundir a crítica teatral francesa com a crítica teatral inglesa. O crítico teatral francês é sempre um homem culto e em geral um intelectilal. Na França, poetas como Gautier são críticos teatrais. Na Inglaterra, os críticos pertencem a uma classe menos ilustre. Eles não têm nem a mesma capacidade nem as mesmas oportunidades. Têm todas as qualidades morais, mas nenhuma qualificação artística. Para criticar uma forma tão complexa de arte como o teatro é necessário uma grande cultura. Aqueles que não sofrem os efeitos de outras formas de arte também não são capazes de criticar uma peça teatral.

 

- O senhor admite que eles sejam sinceros?

 

Admito, mas a sinceridade deles não passa de uma estupidez estereotipada. O crítico teatral deve ser tão versátil quanto o ator. É preciso que ele seja capaz de mudar de disposição e captar a importância do momento.

 

- Pelo menos, eles são honestos?

 

Claro. Eu não acho que exista um único crítico teatral em Londres que se disponha a deliberadamente deturpar o trabalho de um dramaturgo - a não ser, é claro, que ele não goste do dramaturgo como pessoa, ou que tenha uma peça escrita de próprio punho, que gostaria de ver encenada no mesmo teatro, ou que tenha algum velho amigo entre os atores, ou alguma outra razão natural dessa espécie. Mas eu estou falando sobre os críticos de teatro de Londres. Nas províncias, tanto o público quanto os críticos são cultos. Em Londres, só o público é culto.

 

- Acho que o senhor não tem uma opinião muito boa sobre os nossos críticos teatrais, senhor Wilde, mas, em todo caso, eles são incorruptíveis, não são?

 

Em um mercado onde não existe quem os corrompa.

 

-Ainda assim, a memória deles é útil, aleguei.

 

A velha história de ter visto Macready. Deve ser uma memória muito dolorosa. Os de meia idade se gabam de lembrar-se de Diplomacy, mas eu não acho que essa seja uma lembraça agradável.

 
- Então o senhor lhes nega até mesmo um passado honroso?

 

Eles não têm passado ou futuro, e são incapazes de entender a importância da peça.

 

- O que o senhor sugere que seja feito?

 

Eles devim se aposentar e só escrever sobre política, teologia ou qualquer outro assunto mais fácil do que arte.

 

- Na verdade, disse eu, entusiasmado com o aforismo do senhor Wilde, eles deviam ser vistos e não ouvidos.

 

Os velhos não deviam  ser vistos nem ouvidos, disse o senhor Wilde, com certa ênfase.

 

- Outro dia, o senhor disse que só havia dois críticos teatrais em Londres. Posso perguntar...

 

Eles devem ter ficado muito satisfeitos com a minha confissão, mas eu estava prestes a dizer que, desde a semana passada, risquei o nome de um deles da lista.

 

- Quem ainda está na lista?

 

Acho melhor não mencionar o some dele. Isso talvez o torne muito presunçoso. A presunção é um privilégio dos criativos”.

 

- Como o senhor definiria a crítica teatral ideal?

 

No que se refere ao meu trabalho, eu a definiria como uma avaliação incompetente.

 

- E quem o senhor riscou da lista?

 

O senhor William Archer, do World”

 

- Qual a sua principal objeção ao artigo dele?

 

Não faço nenhuma objeção ao artigo dele, mas lamento tudo o que está escrito nele. Foi de mau gosto escrever sobre mim, usando o meu nome de batismo, e ele não precisava roubar as vulgaridades que usou no artigo dos piores tempos do "National Observer".

 

- O senhor Archer perguntou se lhe agradava ser aclamado pelo seu nome de batismo quando os espectadores entusiasmados o chamaram no palco.

 
Ser chamado assim pelos espectadores entusiasmados é um grande elogio, mas é uma grande ofensa ser tratado pelo nome de batismo em um artigo de jornal. As ofensas são características dos jornalistas.

 

- O senhor acha que os atores franceses, assim como os críticos franceses, são superiores aos nossos?

 

Os atores ingleses trabalham bem, mas fazem um trabalho melhor quando não estão falando. Eles não têm a soberba elocução dos franceses - tão clara, tão ritmada e tão musical. Uma fala longa parece deixá-los esgotados. Nós vamos ao teatro francês para ouvir, e ao teatro inglês para ver. É claro que há exceções. O senhor George Alexander, o senhior Lewis Wailer, o senhor Forbes-Robertson, e outros que eu poderia mencionar, têm vozes soberbas e sabem como usá-las. Eu gostaria de poder dizer o mesmo sobre os críticos. Mas o teatro na Inglaterra tem muito do que é tecnicamente conhecido como cena muda. Entretanto ainda temos alguns atores ingleses que são capazes de produzir um efeito dramático maravilhoso com a ajuda de um monossílabo e dois cigarros.

 

O senhor Wilde ficou em silêncio por algum tempo e depois acrescentou:

 

Talvez, afinal, isso seja representar.

 

- Mas o senhor está satisfeito com os intérpretes de "Um marido ideal"?

 

Estou encantado com todos eles. Talvez eles sejam fascinantes demais. O palco é o refúgio daqueles que são excessivamente fascinantes.

 

- O senhor já ouvir falar que todos os personagens das suas peças falam como o senhor?

 

Esse tipo de boato chega a mim de vez em quando, disse ele, acendendo um cigarro, e eu deveria imaginar que algum tipo de crítica tenha sido feita. A verdade é que apenas nos últimos anos os críticos teatrais tiveram a oportunidade de ver peças escritas por autores que têm um estilo próprio. No caso do dramaturgo, que é também um artista, é impossível não achar que uma obra-de-arte, para ser uma obra-de-arte, deve ser dominada pelo artista. Todas as peças de Shakespeare são dominadas por ele. Ibsen e Dumas dominam a própria obra.  Minhas obras são dominadas por mim."

 

- O senhor já foi influenciado por qualquer um dos seus antecessores?

 

Acho que basta que eu diga, e eu espero que de uma vez por todas, que nem um único dramaturgo deste século teve a menor influência sobre o meu trabalho. Apenas dois deles me interessaram.


- E quem são eles?

 

Victor Hugo e Maeterlinck.

 

- Com certeza, outros autores influenciaram suas obras?

 

Além da poesia e prosa dos autores gregos e latinos, os únicos escritores que me influenciaram foram Keats, Flaubert e Walter Pater; e antes de conhecer a obra deles, o meu trabalho já se inclinava para esses autores. O estilo deve estar na alma da pessoa antes que seja reconhecido em outros.

 

- E o senhor considera "Um marido ideal" como a sua melhor peça? Um sorriso encantador iluminou a face do senhor Wilde.

O senhor esqueceu a minha clássica declaração - de que só a mediocridade pode ser melhorada? Como disse um jovem poeta maravilhoso, minhas três peças são

 

as one white rose

on on green, to anotber one.

 

(Como uma rosa branca/em um ramo verde, oferecida a outro.)

 

Elas formam um ciclo perfeito, e na sua delicada esfera completam a vida e a arte.

 

- O senhor acha que os críticos vão entender a sua nova peça, já aprovada pelo senhor George Alexander?

 

Espero que não.

 

- Suponho que eu não deva me atrever a perguntar se o público gostará dela...

 

Quando uma obra-de-arte é encenada, o que está sendo testado não é a peça, mas o palco; quando uma peça que não é uma obra-de-arte é encenada, o que está sendo testado não é a peça, mas o público.

 

- Que tipo de peça nós devemos esperar?

 

Ela é de uma beleza simples, uma delicada fantasia, e tem sua própria filosofia.


- A sua própria filosofia?

 

Que nós devíamos tratar todas as coisas simples da vida com seriedade, e todas as coisas sérias da vida com simplicidade sincera e calculada.

 

- O senhor não tem nenhuma inclinação pelo realismo?

 

Nenhuma. O realismo é apenas o pano de fundo; ele não pode ser a razão artística de uma peça que é uma obra-de-arte.

 

- Mesmo assim, ouvi dizer que o senhor foi cumprimentado pela sua descrição da sociedade inglesa.

 

Se Robert Chiltren, o marido ideal, fosse um funcionário comum, o lado humano de sua tragédia não seria menos pungente. Coloquei-o nas mais altas esferas da vida apenas porque esse é o lado da vida social que conheço melhor. Em uma peça que lida com fatos, o autor deve conhecer esse fatos para escrever com facilidade.

 

- Então o senhor não vê nada que sugira um tratamento especial para as tragédias do dia a dia?

 

Se um jornalista fosse atropelado por uma carroça às margens do Tâmisa, algo que eu sinto nunca poder ter visto, isso não iria me sugerir nada do ponto de vista dramático. Talvez eu esteja errado; mas um artista tem suas limitações.

 

- Eu me diverti muito, disse, levantando-me.

 

Eu sabia que o senhor iria se divertir, afirmou o senhor Wilde. Mas diga-me como o senhor assina suas entrevistas?

 

- Como Pitman, disse eu sem prestar muita atenção.

 

É esse o seu nome?  Não é um nome simpático.

 

- Então fui embora.