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Grandes Entrevistas

 

Rudyard Kipling

 

Concedida ao Sunday Herald, de 23/10/1892 e extraída de:

ALTMAN, Fábio. A arte da entrevista: uma antologia de 1823 aos nossos dias. São Paulo: Scritta, 1995.

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Obs.: Veja neste site uma entrevista com Mark Twain, realizada por Rudyard Kipling em 1889. Veja a diferença de tratamento recebido por ele e o tratamento dado por ele ao jornalista que o entrevistou, sendo ele, também, um jornalista. Atente para o endeusamento que ele faz de pessoa de Twain em contraste com a humilhação com que ele trata o jornalista. Que diferença de personalidade ocorrida em apenas três anos!

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Pouco tempo antes desta entrevista, Rudyard Kipling havia escrito um romance, The nauhlahka, em parceria com seu agente Wolcott Balestier, um americano que ele encontrara em Londres. Quando Wolcott morreu na Alemanha, Kipling se casou com sua irmã, Caroline Balestier, e em 1892 o casal se mudou para Brattleboro, no Estado de Vermont, onde o sogro do escritor mantinha uma residência de veraneio. Os Kipling construíram uma casa com vista para o Vale de Connecticut, a qual deram o nome de Nauhlahka. A alegria de Rudyard e sua esposa em Vermont durou pouco tempo - o irmão de Caroline, Beatty, abriu um processo contra Kipling devido a um conflito de terra. O romancista também respondeu nos tribu­nais, acusando o cunhado de tê-lo ameaçado de morte. O embaraço familiar obrigou Rudyard Kipling a deixar Vermont para se instalar na Inglaterra. Esta entrevista foi publicada pelo Sunday Herald de Boston, nos Estados Unidos, no auge da confusão entre os parentes - e talvez por isso Rudyard Kipling tenha se mostrado ainda mais amargo do que de costume.

Sim, eu sou rude. Sou feliz assim. Eu não ligo. Quero que as pessoas saibam disso."

 

Isso é o senhor Rudyard Kipling. Essas foram suas últimas palavras para o repórter quando o deixou outro dia, depois de obter uma entrevista com um homem que provavelmente é uma das pessoas mais peculiares do mundo.

O senhor Kipling não estava em casa, fazia uma caminhada. Então passei por sua casa de campo nos limites de Brattleboro, e logo em frente vi uma silhueta descendo um morro para a estrada. Sem dúvida alguma era Kipling, cuja descrição já ouvira tantas vezes.

A figura atarracada parou próximo a uma cerca de arame farpado. As pernas que sustentavam o corpo não eram muito fortes e estavam cobertas com uma calça velha de malha justa, marro. Ele usava um casaco verde desbotado, curto e com um cinto e uma camisa em estilo négligé com a gravata de seda preta. O rosto éescuro, o bigode castanho e duro, a boca firme, os olhos aguçados e esquivos, cobertos pela lentes de aros douraados. As sobrancelhas cheias, e os cabelos castanhos não cobrem a testa larga. Ele usava um enorme chapéu cinza, o qual nunca trocava, e pelo qual era identificado em toda redondeza como se fosse uma espécie de marca registrada, e era. O chapéu faz com pareça muito pesado. Tinha na mão direita um bordão comprido que sempre carregava. Sua aparência evidenciava um homem estranho. Ela estava de acordo com o esperado.

Ele parou perto da cerca com a minha indagação

- Senhor Kipling?

Às ordens, senhor.

- Posso falar com o senhor por um momento? Sou um repórter.

Palavra fatal! Logo que a ouviu, emitiu um murmúrio de desagrado que violava o terceiro mandamento e passou por entre os fios de arame sem ligar para as roupas ou os membros.

- Cuidado com o arame, senhor Kipling

Diabos! isso é melhor do que você!, e disparou na rua em um segundo. Desse modo a entrevista não aconteceria. O cavalo ficou piscando pacientemente ao sol enquanto eu descia da charrete e seguia o valente senhor Kipling.

- "Senhor Kipling, eu o abordei como um cavalheiro abordaria um outro na rua. Não o abordei sob o disfarce de um visitante casual, tal como fui alertado". Eu expliquei a ele minha tarefa. Ele ficou parado com a mão no bordão, fixando-me com os olhos penetrantes. Essa foi sua resposta animadora:

Eu me recuso a ser entrevistado. Isso é um crime. Nunca fui e nunca serei. Você não tem mais direito de me interromper para isso do que teria se me agarrasee como um ladrão. É um insulto atacar um homem em lugar público. De fato, isso é ainda pior. Se você tem algo para me perguntar, envie-o por escrito à minha casa.

E com essa diatribes ele se foi rapidamente. Era uma resposta animadora. Ele diria alguma coisa. Então escrevi uma nota que foi entregue à empregada do senhor Kipling quando ela, um pouco mais tarde, abriu a porta para mim: "Senhor Kipling: já que se recusou a ser entrevistado, me faria a gentileza de especificar suas objeções contra a classe jornalística? Eu repeitosamente afirmo que o seu tratamento comigo foi áspero e rude, quando o abordei do modo como um cavalheiro abordaria outro. Faria a gentileza de falar comigo de homem para homem? O que disse durante esse tempo não será usado sem a sua permissão".

Assinei essa nota breve e objetiva. Passaram-se mais ou menos dez minutos de espera. Enquanto aguardava, observei a casa e os arredores. Os Kipling vivem em pequeno chalé na fazenda Bliss, propriedade dos Balestier, parentes de sua mulher. Um grande varal com roupas completava a simplicidade do cenário. Mas a vista para o vale Connecticut é magnífica. A sala de visitas, obsevada pela porta aberta, é um ambiente pequeno, bem mobiliado com cadeiras, sofá mesa, tapete Kensington sobre o assoalho printado, alguns armáriose objetos da remota Índia.

Logo o singular Kipling saiu da mesa de jantar onde a empregada disse que estava. Ouvi-o pedir o cajado. Isso realmente pareceu promissor. Ele não o trouxe, porém.

Ora, o que você quer? Por que invade a privacidae da minha casa? Eu não disse que não seria entrevistado? Disse de modo brusco.

- "Senhor Kipling, fiz como mandou: enviei a questão ou assunto por escrito à sua casa e desejo uma resposta".

Eu a recebi. Por que me recuso a ser entrevistado? Porque isso é imoral! É um crime, é uma ofensa contra a minha pessoa, uma agressão, e como tal merece castigo. Isso é desleal e mesquinho. Nenhum homem de respeito pediria uma coisa dessas, muito menos a concederia.

- "Veja bem, senhor Kipling, homen tão respeitáveis quanto o senhor, se não mais - pois forma cavalheiros - discordam do senhor. É o primeiro que conheço que possui essa ótica agressiva sobre uma entrevista. Nunca ouvi as palavras imoral e criminosa aplicadas a ela antes"

Então foram tolos. Eu estou certo. Tudo que digo é verdade. Não, eu não vou lhe dar quaisquer explicações, porque vocês, com esse desapreço e falta de conhecimento tipicamente americano do jornalismo, não poderiam compreender o que eu quero dizer. Nós, ingleses, abominamos essa prática. Afinal, para que servem os repórteres? O que você esperaconseguir com isso? A imprensa americana é podre e suja. Sei tudo sobre ela. Uma vez, fui com um grupo de repórteres da Filadélfia  a uma pequena cidade onde havia ocrrido um assassinato, e eles transformaram a cidade em um verdadeiro inferno. vou lhe dizer, tudo o que querem é sensacionalismo, e você não vai conseguir isso de mim.

Nesse momento tive a impressão de que estava chegando onde queria. Mas ele prosseguiu.

Não há um só jornal respeitável neste país. O New York Tribune é aceitável, mas de vez em quando comete umas imbecilidades que o estragam também. Imagino que você queria me descrever e colocar em um canto obscuro de sua página tradicional. Só não sei em qual deles.

- Não, interrompi, o senhor merece destaque, primeira página, ao lado de artigos para simples leitura. Esse argumento sobre a imprensa americana é tão novoe espontâneo que não será relegado a um lugar obscuro. O senhor é um cidadão do mundo, continuei, e deve alguma coisa a ele e ele deve algo ao senhor.

Sim, e essa pequena dívida tem que me ser paga primeiro, e replicou em seguida, e eu nunca pagarei a minha.

- O senhor é um pensador avançado, um homem de reputação, e o que disser sobre qualquer assunto será de interesse e de valor.

Valor, continuou ele, essa é outra razão pela qual não posso dar uma entrevista. Posso ganhar mais se escrever e vender para uma revista inglesa e depois imagino que os americanos iriam roubá-la, como fizeram com a maioria dos meus livros. Eles contém tudo o que quero dizer, mas foram comprados ou roubados, ao gosto das pessoas. A lei de direitos autorais americana é uma praga.

Para saber sua opinião sobre um novo tópico, tentei o seguinte: " O senhor foi um membro da inprensa. e a classe quer saber o que tem a dizer. O senhor lhe deve algo".

Diabos! muito pouco, disse ele, de um modo que quase retirava o sentido profano daquelas palavras. Na verdade é quase um prazer ouvi-lo xinga. Ele tem um leve sotaque inglês, acentuado por um sotaque indiano que dá as palavras que começam com a letra D um som fascinante.

- Pode esta certo de que a imprensa lhe deve menos, senhor Kipling, replicou o homem do Herald, pois tenho minha dúvidas se alguma vez um repórter foi tratado com menos cortesia, do que nesse momento. Eu o abordei como um cavalheiro, e a sua recepção e comentários me permitem dizer abertamente o que penso a seu respeito, uma vez que expressou sua opinião tão francamente.

Eu admiro sua franqueza, disse ele.

Pelo que se conhecia dele, dizia-se que ninguém nunca tinha devolvido antes seus comentários rudes e ásperos. ele ficou mudo por um instante e depois afirmou.

Vou preservar sua nota como algo valioso dentre as curiosidades eruditas, senhor.

Mas eu lhe assegurei de que o privilégio era meu, e estava feliz por tê-lo feito, pois isso lhe mostrou o que um cavalheiro pensa dele.

Com os diabos, o que você acha! Você invadiu meus direitos como cidadão, e se pudesse processá-lo eu o faria. Nunca ouvi coisa parecida antes. E agora, o que você vai dizer sobre mim? Gostaria que não dissesse nada, pois não me importo de ser citado.

- O senhor não poderia esperar que uma descortesia como a sua paara com um irmão de profissão passasse deapercebida, poderia?

Ele repetiu que preferia que nada fosse dito. Não via razão para o fato de um tarefa ser entregue e cumprida à risca.

Diga ao seu redtor-chefe que ele nãosabe como dirigir um jornal se exige que uma entrevista seja feita; e nesse cado, quando você ficou sabendo que eu detesto entrevistas, devia ter dito a ele que não vinha, porque não devia vir.

- "Mas como, senhor Kipling! Eu não perderia essa entrevista, usando sua expressão predileta, por nada". Um brilho nos olhos e uma carranca foi a sus respota.

De qualquer modo, você não tem nada.

- Ah, tenho sim. Tenho o bastante para dizer às pessoas para se afastarem do senhor.

Isso é o que eu quero.

O senhor kipling acabara de fzer um comentário extravagante, uma contestação desafiadora. Ele se levantou e me fitou com os olhos penetrantes.

- Acho que está investigando a mim e as minhas característica para usar em algum de seus livros, mas eu investigo o senhor também.

O que você acha?

Não creio que seja lisonjeiro.

Ele não insistui, mas negou ter colocado em seus livros qualquer caractrerística pessoal que tivesse observado. "Não seria nada descortês ou desleal, nem pejorativo, o senhor sabe"

Ele negou a velha história de que certa vez um repórter de Nova Iorque havia lhe dito que se ele (Kipling) assinasse uma entrevista, ela seria publicada independente de seu contéudo. Ele, então disserea ao repórter para escrever a oagem que quisesse que estaria pronto para assiná-la.

Ele não assinaria agora também, nem mesmo para endossar a revelação qos jornalsitas americanos querealizar uma entrevista era imoral e criminoso.

O senhor Kipling disse que se um cavalheiro - "inclusive você" - se dirigisse a ele como eu fiz, e lhe pedisse para conversarem por alguns minutos, ele ficaria encantado. Não haveria depreciação nisso, mas queeu era um salteador, porque era um repórter. ele nãome daria qualquer crédito porque não se iludiu com o modo como foi abordado.

O jornalismo inglês, disse ele, é digno e respeitável. Não há negócios escusos nele. O que vocês americanos chamam de empreendedor não passa de sensacionalismo barato. Um redatoringlês não insulta um homem de respeito, perguntando suas idéias. As idéias são suas, assim comoa sua casa, e ninguém tem o direito de invadi-las. O repórter americano é uma mancha no jornalismo, e quando alguém perpetua um crime, como você fez, ele deve ser preso onde não possa causar nenhum mal. Não existe nada para admirar e muito menos para respeitar no jornalismo americano. O repórter inglês é um cavalheiro e deixa as pessoas em paz.

Finalmente, a empregada apareceu para lembrá-lo de que o jantar continuava à mesa. Ele devia ir. Kipling estava contente por ter me visto, pois havia obtido muita informação, assim como eu obtivera. Qual citação dele escreveria?

Bem, escreva o que quiser. Dê asas à sua imaginação. Ponha sua cópia no espaço tradicional das dolunas secundária de seu jornal do domingo, e as pessoas irão degustá-la com o café da manhã, do mesmo modo que farão com o lixo restante, pois é só isso que imprimem hoje em dia. Diga que sou rude, pois eu sou, e quero que as pessoas saibame me deixem em paz.

Com esta última frase ele bateu a porta e entrou. O senhor fora entrevistado.

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