Volta para a capa
Entrevistas históricas
STALIN

Entrevista realizada por H.G publicada originalmente no jornal inglês The New Statesman and Nation, de 27/10/1934, e republicada no livro: ALTMAN, Fábio. A arte da entrevista. São Paulo: Scritta, 1995., de onde foi extraída.

* * *

      Esta entrevista foi editada com o título “uma conversa entre Stalin e Wells”. O escritor inglês – autor de um dos grandes clássicos da ficção científica, A guerra dos mundos – visitou o líder soviético em seu segundo dia de permanência em Moscou. A publicação da conversa provocou muita controvérsia ente os intelectuais de esquerda da época, irritados com o tom complacente da reportagem. George Bernard Shaw utilizou o mesmo espaço de Wells, as páginas da revista mensal The New Statesman and Nation, para criticá-lo. Shaw, com sua habitual malícia, escreveu o seguinte: “Stalin escuta com atenção e seriedade tudo o que Wells diz, aceita suas alegações, e acerta em cheio com suas respostas. Wells não escuta Stalin: ele apenas espera, com sofrida impaciência, para recomeçar a falar no instante em que Stalin pára. Ele não estava ali para ser informado por Stalin, e sim para informá-lo. Shaw descreveu Stalin, a quem conheceu pessoalmente, como um “ouvinte de primeira” e Wells como “o pior ouvinte do mundo”. Em resposta aos comentários de Shaw, J.M. Keynes saiu em defesa de Wells na edição seguinte da revista: “Meu retrato da entrevista é a de um homem se debatendo com um gramofone. A reprodução é excelente, a gravação perfeita. E o pobre Wells sentindo que sua única chance é adular o aparelho e – vã esperança – ouvi-lo em um tom humano”. Shaw zomba da pequena ambição de Wells que mostra, pateticamente, que é preciso ser polido quando se é convidado de alguém, mesmo que seja um gramofone

                                                     * * *

- Muito obrigado por concordar em me ver, senhor Stalin. Estive no Estados Unidos há pouco tempo. Tive uma longa conversa com o presidente Roosevelt e tentei verificar quais as principais idéias dele. Agora, venho perguntar o que o senhor está fazendo para mudar o mundo.

Não estou fazendo grande coisa.

- Eu viajo pelo mundo como uma pessoa comum e, como tal, observo o que acontece ao meu redor.

Homens públicos importantes como o senhor não são “homens comuns”. É claro que só a história pode mostrar o quanto esse ou aquele homem público foi importante; em todo caso, o senhor não vê o mundo como um “homem comum”

- Não é falsa modéstia. O que quero dizer é que eu tento ver o mundo com os olhos de um homem comum e não como um político partidário ou um administrador. A visita aos Estados Unidos me perturbou. Lá, o velho mundo financeiro está entrando em colapso; a vida econômica do país está sendo reorganizada sobre novas diretrizes. Disse Lênin: “Nós temos que aprender a fazer negócios”, aprender com os capitalistas. Hoje, os capitalistas tem que aprender com o senhor; entender o espírito do socialismo. Parece-me que o que está ocorrendo nos Estados Unidos é uma profunda reorganização, isto é, a criação de uma economia socialista planejada. O senhor e Roosevelt começam de dois pontos de partida diferentes. Mas não existe uma relação entre as idéias e as necessidades de Washington e Moscou? Em Washington, tive a mesma sensação que tenho aqui, eles estão construindo novos prédios, criando uma série de novos órgãos de regulamentação do Estado, organizando um serviço público necessário há muito tempo. A necessidade deles, assim como a da URSS, é a eficiência do governo.

Os Estados Unidos têm uma meta diferente da nossa. O objetivo dos americanos surgiu a partir dos problemas econômicos, da crise econômica. Os americanos querem se livrar da crise através da atividade capitalista privada sem mudanças nas bases econômicas. Eles estão tentando reduzir ao mínimo os estragos, as perdas causadas pelo sistema econômico existente. Aqui, entretanto, como o senhor sabe, no lugar das velhas bases econômicas destruídas, foram criadas novas bases econômicas completamente diferentes. Mesmo que os americanos que o senhor mencionou consigam atingir, em parte, a meta deles, isto é, reduzir essas perdas ao mínimo, eles não irão destruir as raízes da anarquia herdada do sistema capitalista existente. Eles estão preservando o sistema econômico que leva inevitavelmente, e não poderia ser de outra maneira, à anarquia na produção. Assim, na melhor das hipóteses, será uma questão não de reorganização da sociedade, não de destruição de um velho sistema social queda origem à anarquia e às crises, mas de restrição de certas características negativas, de certos excessos. Subjetivamente, esses americanos talvez pensem que estão reorganizando a sociedade; objetivamente, entretanto, eles estão preservando as bases atuais dessa sociedade. É por isso que, objetivamente, não haverá nenhuma reorganização da sociedade. Também não haverá economia planejada. O que é a economia planejada? Quais são as suas características? A economia planejada tenta acabar com o desemprego. Vamos supor que seja possível reduzir o desemprego ao mínimo e, ao mesmo tempo, preservar o sistema capitalista. Mesmo assim, com certeza, nenhum capitalista concordaria em acabar completamente com o desemprego, acabar com o exército de desempregados que tem como propósito exercer pressão sobre o mercado de trabalho, assegurando uma oferta de mão-de-obra barata. É aí que nós temos umas das falhas da “economia planejada“ da sociedade burguesa. Além disso, a economia planejada pressupõe aumento da produção naqueles setores da indústria que produzem bens necessários às massas. Mas o senhor sabe que a expansão da produção no capitalismo acontece por razões totalmente diversas, que o fluxo do capital se faz na direção daqueles setores da economia onde a porcentagem de lucro é maior. Jamais será possível obrigar um capitalista a sujeitar-se a perdas e concordar com uma porcentagem de lucro menor para satisfazer as necessidades do povo. Sem livrar-se dos capitalistas, sem abolir o princípio da propriedade privada dos meios de produção, é impossível criar uma economia planejada.

- Em parte, eu concordo com o que o senhor disse. Mas gostaria de enfatizar um ponto: se todo um país adota o princípio da economia planejada, se o governo, aos poucos, começa a aplicar esse princípio, a oligarquia financeira será abolida no final, e o socialismo, no sentido anglo-saxão da palavra, será estabelecido. O efeito das idéias do New Deal de Roosevelt é muito forte e, na minha opinião, essas idéias são socialistas. Eu acho que nós devíamos nas atuais circunstâncias, lutar para estabelecer uma linguagem comum para todas as forças construtivas.

Quando falo na impossibilidade dos princípios da economia planejada e das bases econômicas do capitalismo coexistirem, não desejo depreciar as extraordinárias qualidades pessoais de Roosevelt, sua iniciativa, coragem e determinação. Sem dúvida, Roosevelt é uma das figuras mais fortes entre os líderes do mundo capitalista contemporâneo. É por isso que eu gostaria de chamar a atenção mais uma vez para a minha convicção que o fato de a economia planejada ser impossível sob as condições do capitalismo não significa que eu tenha dúvidas sobre o talento pessoal e a coragem do presidente Roosevelt. Mas se as circunstâncias forem desfavoráveis, nem o líder mais talentoso conseguirá atingir as metas a que o senhor se refere. Teoricamente, é claro, a possibilidade de caminhar aos poucos, sob as condições do capitalismo, em direção a uma meta que o senhor chama de socialismo no sentido anglo-saxão da palavra, não é impossível. Mas o que era esse “socialismo”? Na melhor das hipótese, controlando até certo ponto o mais incontrolável dos representantes individuais do lucro capitalista, ele será um aumento na aplicação dos princípios de regulamentação na economia nacional. Não há nada de errado nisso. Mesmo assim que Roosevelt, ou qualquer outro líder do mundo burguês contemporâneo, se comprometer a tomar alguma medida será contra as bases do capitalismo, ele sofrerá uma derrota inevitável. Os bancos, aa indústrias, as grandes empresas e as fazendas não estão nas mãos de Roosevelt. São todas propriedades privadas. As estradas de ferro, a frota mercantil, tudo está nas mãos da iniciativa privada. E, por fim, o exército de trabalhadores especializados, engenheiros e técnicos, esses também não estão sob as ordens de Roosevelt, estão sob as ordens da iniciativa privada. Não devemos esquecer as funções do Estado em um mundo burguês. O Estado é uma instituição que organiza a defesa do país e a manutenção da “ordem”; é um mecanismo de coleta de impostos. O Estado capitalista não lida com a economia no sentido estrito da palavra; ela não está nas mãos do Estado. Pelo contrário, o Estado está nas mãos ca economia capitaista. É por isso que eu acho que, apesar de todo o seu talento e energia, Roosevelt não atingirá a meta que o senhor mencionou, s essa for realmente a meta dele. Talvez, ao longo de várias gerações, seja possível aproximar-se dessa meta de alguma forma; mas, pessoalmente, acho que nem mesmo isso é possível.

- Talvez eu acredite mais na interpretação econômica da política do que o senhor. Forças poderosas lutando por uma organização melhor, para o melhor funcionamento da comunidade, isto é, para o socialismo, foram colocadas em ação através da ciência moderna e ds invenções. A organziação e a regulamentação das teorias sociais. Se começarmos om o contrle estatal dos bancos e depois passarmos para ocontrole estatal das ind´sutria pesadas, das indústrias em geral, co comércio, etc. esse controle geral será equvalente ao posse pelo Estado de todos os setores da economia nacional. Esse será o processo de socialização. O socialismo e o individualismo não são opostos como o preto e o branco. Há vários estágios intermediários ente eles. Há o individualismo que se aproxima do banditismo, e há a disciplina e a organização que são equivalentes ao socialismo. A introdução da economia planejada depende, enm grande parte, dos organizadores da economia, dos intelectuais e técnicos especializados que, aos poucos, podem ser convertidos aosprincípios socialistas de organização. E isso é o mais importante. Porque a organização precede o socialismo. Esse é o fato mais importante. Sem organização a idéia socialista é apenas uma idéia.

Não há, nem dave haver um contraste irreconciliável ente o individual e o coletiv, entre os interesses do indivíduo e os da coletividae. Não deve haver tal contraste porque o socialismo não nega, ele concilia os interesses individuais e coletivos. O socialismo não pode ignorar os interesses individuais. Só a sociedade socialista pode satisfazer completamente esses intersses pessoais. Mais do que isso; a sociedade socialista pode com firmeza assegurar os interesse do indivíduo. Nesse sentido, não há contraste irreconciliável ente o “individualismo” e o socialismo. Mas será que nós podemos negar os contrastes entre as classes, entre a classe proprietária, capitalista, e a classe trabalhadora, proletária? De um lado temos a classe proprietária que possui os bancos, as fábricas, as minas, os transportes e as plantações nas colônias. Essas pessoas só defendem os próprios iteresses, a própria luta por lucro. Elas não se submetem aos desejos da coletividade; lutam para subordinar toda a coletividade aos seus desejos. De outo lado, temos a classe dos pobres, a classe dos pobres, a classe explorada, que não possui nem fábricas, nem o produto do trabalho, nem bancos, que é obrigada a viver da venda da própria força de trabalho para os capitalistas e que não tem a oportunidade de satisfazer as necessidades mais básicas. Como conciliar lutas e interesses tão opostos? Até onde sei, Roosevelt não conseguiu encontrar um caminho para a conciliação entre esses interesses. E isso é impossível, como nos mostra a experiência. Incidentalmente, o senhor conhece a situação nos Estados Unidos melhor que eu, já que nunca estive lá e observo os acontecimentos principalmente através da leitura. Mas tenho alguma experiência na luta pelo socialismo, e essa experiência me diz que, se Roosevelt fizer uma tentativa real de satisfazer os intereses da classe proletária à custa da classe capitalista, esta colocará outro presidente no seu lugar. Os capitalistas dirão: os presidentes são substituíveis, nós não, se este ou aquele presidente não defender nossos interesses, encontraremos outro. Como o presidente pode se opor à classe capitalista?

- Eu discordo dessa classificação simplista da humanidade em pobres e ricos. É claro que há uma categoria de pessoas que luta apenas pelos próprios lucros. Mas essas pessoas não são vistas como um inconveniente tanto no ocidente como aqui? Não há muita gente no ocidente para quem o lucro não é um fim? Gente que tem dinheiro, que quer investir e ter retornos, mas que não faz disso o seu principal objetivo? Eles encaram o investimento como uma necessidade inconveninete. Não há muitos engenheiros e organizadores da economia devotados, cujas atividades não são voltadas para o lucro? Na minha opinião, há uma numerosa classe de pessoas capazes que admitem que o sistema atual é instisfatório e que estão destinadas a desempenhar um grande papel a sociedade capitalista do futuro. Nos últimos anos, tenho me envolvido muito e pensado na necessidade de liderar a propaganda em favor do socialismo e do cosmopolitismo nos grandes círculos de engenheiros, aeronautas, pessoal técnico-militar, etc. É inútil aproximar-se desses círculos com propaganda de luta entre classes. Essas pessoas compreendem a condição do mundo. Elas compreendem que isso tudo é uma grande desordem, mas consideram o seu simples antagonismo entre classes como um absurdo.

O senhor discorda da classificação simplista da humanidade em ricos e pobres. É claro que existe uma camada intermediária; existem os técnicos e intelectuais que o senhor mencionou, entre os quais há pessoas boas e honestas. Entre eles, também há pessoas más e desonestas, há todo tipo de pessoas no meio deles. Mas, antes de mais nada, a humanidade está dividida entre ricos e pobres, em proprietários e explorados; e ignorar essa divisão fundamental e o antogonismo entre ricos e pobres significa ignorar os fatos principais. Eu não nego a existência de camadas intermediárias que tomam o lado de uma ou outra dessas classes conflitantes, ou ainda, tomam uma posição neutra ou semi-neutra nessa luta. Mas repito, ignorar essa divisão básica da sociedade e a luta fundamental entre as suas classes principais significa ignorar os fatos. Essa luta está acontecendo e não vai parar. O resultado dela Será determinado pela classe proletária, a classe trabalhadora.

- Mas não existe muita gente que, mesmo não sendo pobre, faz um trabalho produtivo?

Claro que existe. Há pequenos propreitários de terra, artesãos, pequenos comerciantes, mas não são apenas essas pessoas que decidem o destino de país, é a massa trabalhadora, que produz tudo o que a sociedde precisa.

- Mas há tipos diferentes de capitalistas. Há capitalistas que só pensam em lucro, em enriquecer; mas também há aqueles que estão preparados para fazer sacrifícios. O velho Morgan, por exemplo, só pensava em lucro; não passava de um parasita da sociedade; só se dedicou a acumulação de riquezas. Mas o Rockfeller é um organizador brilhante; ele deu um exemplo de como organizar a distribuição de petróleo digno de ser seguido. Ou o Ford que, é claro, é um egoísta, mas ele não é um organizador apaixonado da produção racionalizada que é seguida pelo senhor? Gostaria de enfatizar o fato de que ultimamente tem ocorrido uma importante mudança de opinião sobre a URSS nos países de língua inglesa. A razão para isso, antes de mais nada, é a posição do Japão, e os acontecimentos na Alemanha. Mas há outras razões além daquelas que têm origem na política internacional. Há uma razão mais profunda, isto é, o reconheciento por muitas pessoas do fato de que o sistema baseado no lucro privado está desmoronando. Nessas circunstâncias, me parece, nós não devemos trazer à tona o antagonismo entre os dois mundos, mas lutar; tanto quanto possível, pela união de todos os movimentos construtivos, de todas as forças construtivas em uma frente. Parece que eu sou mais esquerdista do que o senhor Stalin; acho que o velho sistema está mais próximo do fimdo que o senhor pensa.

Quando falo nos capitalistas que só lutam pelos próprios lucros, pela própria riqueza, não quero dizer que eles sejam inúteis, incapazes de qualquer outra coisa. Muitos deles têm talento indubitável para a organização que nem sonho em negar. Nós, os soviéticos, aprendemos muito com os capitalistas. E o Morgan, que o senhor caracterizou de forma tão deplorável, era, sem dúvida um organizador capaz. Mas se o senhor se refere à pessoas preparadas para reconstruir o mundo, é óbvio que não as encontrará entre aqueles que servem fielmente à causa do lucro. Nós estamos do lado oposto deles. O senhor mencionou For. Éclaro queele é um organizador de produção capaz. Mas o senhor não conhece a atitude dele em relação à classe trabalhadora? Não sabequantos trabalhadores ele joga no meio da rua? Os capitalistas estão presos ao lucro e nenhum poder sobre a terra pode separá-los dele. O capitalismo não será abolido por “organzadores” de produção nem por técnicos e intelectuais, mas pela classe trabalhadora, pois as camadas já mencionadas não desempneham um papel independente. O engenheiro e o organzador da produção não trabalham como eles gsotariam, mas como são obrigados a trabalhar, seervindo aos interesses dosempregadores. É óbvio que já exceções; há pessoas nessas camadas que despertam do sonho do capitalismo. Essas pessoas podem, sob certas condições, fazer milagres e beneficicar muito a hunaidade. Mas também podem causar grandes danos. Nós, soivéticos, temos bastante experiência com eles. Depois da Revolução de outubro, um certo grupo de técnicos e intelectuais se recusou a tomar parte no trabalho de construção da nova sociedade; eles fizeram oposição a esse trabalho e sabotaram. Fizemos todo o possível para atraí-los para esse trabalho de contrução; tentamos de várias maneiras. Não tardou para que os nossos técnicos treinados concordassem em colaborar com o novo sistema. Hoje, os melhores técnicos e intelectuais estão na liderança dos construtores da sociedade socialista. Com essa experiência, estamos loge de substimar o lado bom e ruim deles e sabemos que, por um lado, eles podem causar danos, mas por outro, podem fazer “milagres”. É claro que as coisas seriam diferentes se pudéssemos, de uma vez só, separar espiritualmente essas pessoas do mundo capitalista. Mas isso é utopia. Será que muitos deles ousariam separar-se do mundo burguês e começar a trabalhar na reconstrução da sociedade? O senhor acha que há muita gente assim, digamos, na Inglaterra ou na França? Não, pouca gostaria de separar-se do próprio empregador e começar a reconstruir o mundo. Além disso, nós podemos esquecer que para transformar o mundo é preciso ter poder político? Acho, Senhor Wells que o senhor está subestimando muito a questão do poder político, que ela está completamente fora de sua concepção. O que podem aqueles, mesmo com as melhores intenções do mundo, fazer se não têm o poder em suas mãos e são incapazes de levantar a questão da tomada do poder? No máximo, eles podem ajudar a classe que conquista o poder, mas não podem mudar o mundo sozinhos. Isso só pode ser feito por uma classe numerosa que tomará o poder da classe capitalista e se tornará soberana como a anterior costumava ser. É óbvio que a ajuda dos técnicos e intelectuais deve ser aceita; e estes, por sua vez, devem ser ajudados. Mas não se dve achar que eles são capazes de desempenhar um papel histórico independente. A transformação do mundo é um processo importante, complicado e penos. Para essa grande tarefa é necessário uma classe numerosa. Para viagens longas são necessários navios grandes.

- É, mas para uma viagem longa são necessários o capitão e o navegador.

É verdade, mas a primeira necessidade para uma viagem longa é um grande navio. O que é um navegador sem um navio? Um homem inútil

- O grande navio é a humanidade, não uma classe

O senhor, senhor Wells, parte do princípio de que todos os homens são bons. Eu, entretanto, não esqueço que há muitos homens maus. Não acredito na bondade da burguesia.

- Lembro-me da situação dos técnicos e intelectuais décadas atrás. Naquela época, eles eram poucos, mas havia muito a ser feito e todos os engenheiros, técnicos e intelectuais tinham oportunidades. É por isso que eles formavam a classe menos revolucionária. Agora, no entanto, há técnicos e intelectuais demais e a mentalidade deles mudou completamente. Essas pessoas, que no passado não ouviriam discursos revolucionários, estão muito interessados neles agora. Há pouco tempo, jantei na Royal Society, nossa importante sociedade científica inglesa. O discurso do presidente falava em planejamento social e controle cientifico. Hoje em dia, o homem que preside a Royal Society tem uma visão revolucionária e insiste na reorganização cientifica da sociedade humana. A sua propaganda da luta de classes não acompanhou o ritmo desses fatos. A mentalidade das pessoas muda.

É, eu sei, e isso pode ser explicado pelo fato de a sociedade capitalista encontrar-se no momento em um beco sem saída. Os capitalistas buscam, mas não conseguem encontrar, uma saída para esse cul de sac compatível com a dignidade, com os interesses da classe. Eles podem, até certo ponto, sair da crise engatinhando, mas não conseguem encontrar uma saída que permita sair de cabeça erguida, que não perturbe os interesses do capitalismo. Isto, é claro, é compreendido por grandes círculos de técnicos e intelectuais. Grande parte deles está começando a compreender as semelhnaças entre os próprios interesses e os interesses da classe que pode indicar a saída para esse cul de sac.

- O senhor entende de revolução melhor do que qualquer um, senhor Stalin, do ponto de vista prático. As massas se revoltam? Não é uma verdade comprovada que todas as revoluções são feitas por uma minoria?

Para realizar uma revolução é necessária uma minoria revolucionária na liderança; mas a mais talentosa, devotada e enérgica minoria seria importente se não pudesse confiar no apoio, ao menos passivo, de milhões.

- Ao menos passivo? Talvez inconsciente?

Em parte também o apoio semi-instintivo e semiconsciente, mas sem o apoio de milhões, a minoria, por melhor que seja, é impotente.

- Eu observo a propaganda comunista no mundo ocidental e me parece que nas condições modernas ela está bastante ultrapassada, porque é propaganda insurreicional. A propaganda favorável à derrubada violenta do sistema social era válida quando direcionada contra os tiranos. Mas nas condições modernas, quando o sistema está em colapso de qualquer maneira, a ênfase deveria ser colocada na eficiência, na competência, na produtividade e não na insurreição. Eu acho o tom insurrecional obsoleto. A propaganda comunista no ocidente é um absurdo para as pessoas construtivas.

É óbvio que o velho sistema está desmoronando, decaindo. Isso é verdade, Mas também é verdde que novos esforços estão sendo feitos com o uso de outros métodos e de novos meios para proteger, para salvar o sistema decadente. O senhor tira conclusão errada do postulado certo. O senhor disse muito bem que o velho mundo está desmoronando. Mas o senhor está errado ao pensar que ele está desmoronando por vontade própria. Não, a substituição de um sistema social por outro é um processo revolucionário complicado e longo. Não é um simples processo espontâneo, mas uma luta; éuma processo relacionado ao choque enre as classes. O capitalismo está em decadência, mas não deve ser comparado ao umaárvore que chega a tal ponto de decadência que cai ao chão sozinha. Não, arevolução, a subsitutição de um sistema social por outro sempre foi uma luta cruel e dolorosa, umaluta de vida ou morte. E todas as vezes que as pessoas do novo mundo chegaram ao poder, tiveram que defender-se contra as tentativas do velho mundo de restaurar a antiga ordem à força; essas pessoas do novo mundo sempre tiveram que ficar alertas, sempre tiveram que estat prontas para repelir os ataques do velho mundo sobre o novo sistema. É verdade, o senhor está certo quando diz que o velho sistema social está desmoronando; mas não por livre e espntânea vontade. O fascismo, por exemplo, é uma força reacionária que está tentando preservar o velho mundo por meio da violência. O que se pode fazer a respeito dos fascistas? Argumentar com eles? Tentar convencê-los? Isso não terá nenhum efeito sobre eles. Os comunistas, de forma alguma idealizam métodos de violência. Mas eles nãoquerem ser pegos de surpresa, não podem contar com a retirada voluntária de cena do velho mundo, eles percebem que o velho sistema se defende com violência, e é só por isso que os comunistas dizem para a classe trabalhadora. Violência se combate com violência; façam tudo o que puderem para evitar que a velha ordem decadente esmague vocês, não deixem que ela algeme suas mãos, mãos que derrubarão o velho sistema. Como vê, os comunistsas não encaram a susbistituição de um sistema social por outro como um processo pacífico e espontâneo. Mas como um processo complicado, longo e violento. Os comunistas não podem ignorar os fatos.

- Mas observe o que está ocorrendo no mundo capitalista neste momento. Não é um simples colapso, é o surgimento de uma violência reacionária que está degenerando em gangsterismo. E me parece que quando se trata de conflito com a violência estúpida e recionária, eles devem apelar para a lei e, ao invés de encarar a policia como inimigo, os socialistas deveriam apoiá-las na luta contra os reacionários. Eu acho que é inútil operar com os métodos do velho e rígido socialismo insurrecional.

Os comunistas se baseiam em uma rica experiência histórica que os ensina que as classes obsoletas não abandonam a cena histórica voluntariamente. Lembre-se da história da Inglaterra no século XVII. Muitos não disseram que velho sistema social estava acabado? Mas não foi necessário, entretanto, um Cromwel para esmagá-los?

- Cromwell agiu com base na constituição e em nome da ordem constitucional.

Em nome da constituição, ele recorreu à violência, decepou a cabeça do rei, dissolveu o Parlamento, prendeu uns e decapitou outros! Vamos tomar um exemplo da nossa história. Não estava claro há muitos anos que o sistema czarista estava em decadência, que ele estava desmoronando? Mas quanto sangue teveque ser derramado para que ele fosse derrubado? E a revolução de outubro? Não havia muita gente que sabia que só nós, os bolcheviques, estávamos indicando a saída correta? Não estava claro que o capitalismo russo era decadente? Mas o senhor sabe como foi grande a resistência, quanto sngue teve que ser derramado para defender a Revlução de Outrubo de todos os seus inimigos internos e externos. Outro exemplo é a França no finaldo século XVIII. Muito antes de 1789, estava claro para muitos o quanto o poder real e o sistem feudal eram decadentes. Mas umn insurreição popular, um choque de classes não foi, nem poderia ser, evitdo. Porquê? Porque a classe que deve abandonar a cena histórica é a última a se converncer de que o seu papel está encerrado. É impossível convencê-la disso. Ela pensa que as re=achadruas no prédio decadente da velha ordem podem ser reparadas, que os alicerces abalados da velha ordem podem ser consertaods e salbvos. É por isso que a classe decaadente recorre àluta e aqualquer outro recuros parasalvar a própria existeência como classe governante.

- Mas não existiam alguns advogados à frente da grande revolução francesa?

Eu não nego o papel dos intelectuais no movimentos revolucionários. A grande Revolução Francesa foi uma revolução de advogados ou uma revolução popular, que chegou a vitótria mobiliado grandes massas contra o feudalismo e em defesa dos interesses do Terceiro Estado? E os advogados que estavam entre os líderes da grande Revolução Francesa agiram de acordo com as leis da velha ordem? Eles não apresentaram novas leis revolucinárias burgueses? A rica experiência histórica ensina que até hoje nenhuma classe cedeu lugar a outra por livre e espontânea vontade. Não existe tal precedente na história do mundo. Os comunistas aprenderam essa lição com a história. Os comunistas teriam apreciado a partida voluntária dos burgueses. Mas tal mudança de estado é improvável, é isso que a experiência nos ensina. È por isso que os comunistas querem estar preparados para o pior e pedem à classe trabalhadora que fique atenta, preparada para a luta. Quem quer um capitão que não exige vigilância do próprio exército, um capitão que não compreende que o inimigo não se renderá, que ele terá que ser esmagado? Ser esse tipo de capitão significa enganar, trair a classe trabalhadora. É por isso que aquilo que parece ultrapassado para o senhor é, na verdade, uma medida de cautela revolucionária para a classe trabalhadora.

- Eu não nego que a força tenha que ser usada, mas acho que as formas de luta deveriam servir-se, tanto quanto possível, das oportunidades apresentadas pelas leis vigentes. Que precisam ser defendidas contra os ataques reacionários. Não há necessidade de desorganzar o velho sistema, porque ele já está se desorganizando sozinho da maneira que é. É por isso que me parece que a insurreição contra a velha ordem, contra a lei é obsoleta. Acontece que eu exgerei deliberadamente para apreentar a verdade com mais clareza. Posso formular o meu ponto de vista da seguinte maneira: primeiro sou a favor da ordem; segundo ataco o sistema vigente porque ele não garante a ordem; terceiro, acho que a propaganda da luta de classes pode separar do socialismo as pessoas cultas que ele precisa.

Para atingir um grande objetivo, um objetivo social importante, dever haver uma força principal, um apoio, uma classe revolucionária. Depois, é necessário organizar a ajuda de uma força auxiliar para essa força principal; neste caso, a força auxiliar é o partido, ao qual pertencem as melhores forças da intelectualidade. O senhor acabou de falar sobre “pessoas cultas”. Mas a que tipo de pessoas cultas o senhor se referia? Não havia muita gente culta do lado da velha ordem na Inglaterra nos século XVII, na França, no final do século XVIII e na Rússia, na época da Revolução de Outubro? A velha ordem tinha a seu serviço muitas pessoas extremamente cultas que a defendiam, pessoas que se opunham à nova ordem. A cultura é uma arma cujo efeito é determinado pelas mãos que a empunham, pelos que devem ser mortos. É claro que o proletariado e o socialismo precisam de pessoas muito cultas. É óbvio que os tolos não podem ajudar o proletariado a lutar pelo socialismo, a construir uma nova sociedade. Não substimo o papel dos intelectuiais, pelo contrário, eu enfatizo esse papel. No entanto a qustão é: que intelectualidade nós estamos discutindo? Porque há tipos diferentes de intelectuais.

- Não pode haver revolução sem uma mudança radical no sistema educacioal. Basta citar dois exemplos – o exemplo da República Alemã, que não transformou o sistema educacional antigo, e assim nunca se tornou uma república; e o exemplo do Partido Trabalhista inglês, que não tem a determinação necessária para insistir em uma mudança radical no sistema educacional.

A sua observação está correta. Permita-me agora responder aos seus três argumentos. Primeiro, o principal fator para uma revolução é a existência de um apoio. Esse apoio da revolução é a classa trabalhadora. Segundo, é necessária uma força auxiliar, que os comunistas chamam de partido. Ao partido pertecem os trabalhadores inteligentes, os técnicos e os intelectuais que estão intimamente ligados à classe trabalhdora. A intelectualidade só é forte quando se une à classe trabalhadora. Se ela se opuser à classe trabalhadora, irá se tornar insignificante. Terceiro, o poder político é necessário como uma alavanca para as transformações. O novo poder politico cria as novas leis, a nova ordem. Defendo a ordem que corresponde aos interesses da classe trabalhadora. Se, no entanto, qualquer uma das leis da velha ordem puder ser utilizada no interesse da luta por uma nova ordem, ela deve ser usada. Não posso fazer objeções ao seu postulado de que o sitema vigente deve ser atacdo por não assegurar ordem necessária para o povo. E finalmente, o senhor está errado se pensa que os comunistas gostam da violênica. Eles ficariam felizes em abandonar os métodos violentos se a classe governante concordasse em ceder à classe trabalhadora. Mas a experiência histórica contradiz esse pressuposto.

- Houve um caso na história da Inglaterra, entretanto, de uma classe que cedeu o poder à outra por vontade própria. No periodo entre 1830 e q870 a aristoracia, cuja influência ainda era considerável no final do século XVII, voluntariamente, sem uma grande luta, entregou o poder à burguesia, que serviu como um apoio sentimental à monarquia. Mais tarde, essa transferência de poder levou ao estabelecimento do governo da oligarquia finananceira.

Mas o senhor, sem perceber, passou da questão da revolução para a questão da reforma. Não é a mesma coisa. O senhor não acha que o movimento cartista desempenhou um papel importante nas reformas da Inglaterra o século XIX?

- Os cartistas pouco fizeram e desapareceram se deixar vestígios.

Eu não concordo com o senhor. Os cartistas e o movimento grevista que eles organizaram desempenharam um papel importante; eles obrigaram a classe governante a fazer uma série de concessões no que dizia respeito aos privilégios e ao fim dos suspostos “burgos podres”, bem como a certos pontos da “Carta”. O cartismo desempenhou um papel histórico importante e obrigou um setor da classe governante a fazer certas concessões, reformas, para evitar grandes confrontos. De modo genérico, devemos dizer que, de todas as classes governantes, as classes governantes da Inglaterra, tanto a aristocracia quanto a burguesia, provaram ser as mais inteligentes, mais flexíveis do ponto de vista dos interesses de classe, do ponto de vista de manutenção do poder. Vamos tomar um exemplo, digamos, da história moderna – a greve geral na Inglaterra em 1926. A primeira coisa que qualquer outra burguesia faria diante de tal fato, quando o Conselho Geral dos Sindicatos convocou uma greve, seria prender os líderes sindicais. Os burgueses britânicos não fizeram isso e agiram com sabedoria do ponto de vista dos próprios interesses. Não posso imaginar uma estratégia tão flexível sendo empregada pela burguesia dos Estados Unidos, da França ou da Alemanha. Para manter o governo delas, as classes governantes da Grã-Bretanha fizeram pequenas concessões, reformas. Mas seria um erro achar que essas reformas eram revolucionárias.

- O senhor respeita mais as classes dominantes do meu país do que eu mesmo. Mas há uma grande diferença entre uma pequena revolução e uma grande reforma? Uma reforma não é uma pequena revolução?

Devido à pressão das massas, a burguesia pode às vezes permitir certas reformas parciais enquanto forem mantidas as bases do sistema sócio-econômico vigente. Agindo dessa forma, ela calcula que essas concessões são necessárias para preservar o domínio exercido pela classe. Essa é a essência da reforma. A revolução, no entanto, significa a transferência de poder de uma classe para outra. É por isso que é impossível descrever qualquer reforma como uma revolução. É por isso que não podemos contar com a mudança dos sistemas sociais como uma transição imperceptível de um sistem para outro por meio de uma reforma, pelas concessões feitas pela classe dominante.

- Muito borigado pela entrevista, que significou muito para mim. Ao me dar explicações, é provável que o senhor tenha se lembrado de como tinha que explicar os fundamentos do socialismo nos circulos ilegais antes da revolução. No mmento, milhões de pessoas só escutam a voz e as opiniões de dois homens – o senhor e Roosevelt. Os outros podem dizer o quanto quiserem; o que dizem nunca será publicado ou ouvido. Ainda não pude avaliar o que foi feito no seu país; só cheguei ontem. Mas já vi os rostos felizes de homens e mulheres saudáveis e sei que algo importante está sendo feito aqui. O contraste com 1920 é estarrecedor.

Se nós, os bolcheviques, tivéssemos sido mais inteligentes, muito mais poderia ter sido feito.

- Não, se os seres humanos fossem mais inteligentes. Seria uma boa idéia inventar um plano quinquenal ara a reconstrução do cérebro humano, que objetivamente não tem muitos elementos necessários para uma ordem social perfeita (risos).

O senhor não pretende ficar para o Congresso do Sindicato dos Escritores Soviético?

- Infelizmente tenho que cumpir vários compromissos e só posso ficar na URSS uma semana. Eu vim para ver o senhor e fiquei muito satisfeito com a nossa conversa. Mas pretendo conversar com esses escritores sobre a possibilidade da filiação deles ao Pen Club. Essa associação é uma organização internacional de escritores fundada por Galsworthy; depois da morte dele, eu me tornei presidente. A organização ainda é fraca, mas tem representações em muitos países, e, o que é mais importante, os discursos dos seus membros são muito difundidos pela imprensa. Ela insiste na livre expressão de opiniões – mesmo de opiniões opostas. Espero discutir esse assunto com Gorki. Não sei se os ingleses já estão preparados para tanta liberdade...

Nós, os bolcheviques, chamamos isso de “autocrítica”. Ela é muito usada na URSS...
___________

- Link1
- Link2
- Link3