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Perfil literário

Esta seção, comandada pelo nosso correspondente no velho oeste paulista, Vicentônio Regis do Nascimento Silva, publicará semanalmente um breve perfil de alguns escritores destacados, porém pouco badalados, da literatura brasileira. É sabido que a nossa mídia é seletiva, onde apenas alguns autores aparecem, muitas vezes, mais do que merecem. Assim, Tiro de Letra também adota o critério da seletividade, só que ao contrário da grande mídia: vamos dar publicidade àqueles escritores que realmente merecem e precisam ser conhecidos pelo público. Abordamos hoje mais um dos expoentes da literatura brasileira

Cyro dos Anjos:

o estilista do século XX

 

     Embora os críticos literários apontem Machado de Assis como o maior escritor brasileiro de todos os tempos, o século XX – considerado a Era dos Extremos pelo historiador Eric Hobsbawm – ficaria em segundo plano sem a presença de um escritor mineiro que fez da magnitude da linguagem questão de capacidade e distinção.

     Alguns podem se lembrar naturalmente de Guimarães Rosa, Murilo Rubião, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Autran Dourado, Affonso Romano de Sant’Anna ou Carlos Drummond de Andrade. Apesar da contribuição de cada um deles, o século XX jamais seria o século XX, insisto, se Minas Gerais não tivesse concebido Cyro dos Anjos.

    Autor de, entre outros livros, “O amanuense Belmiro” e “Abdias”, Cyro dos Anjos atingiu o ápice do refinamento lingüístico, deixando para trás o grande Machado de Assis. O crítico literário Wilson Martins rebateria as comparações e argumentaria contra a hipótese de um Machado de Assis “renovado”, “melhorado” ou “rejuvenescido”. Obviamente Machado e Cyro possuem personalidades e estilos diferentes. Entretanto, não se pode deixar de inventar um trajeto de elegância e concisão iniciado com Machado de Assis, passando por Cyro dos Anjos e buscando o fim em algum escritor que ainda aparecerá. A procura da perfeição para os que desejam esgotar as possibilidades semânticas – destacando-se entre os contemporâneos Dalton Trevisan – é cíclica: constituiu-se em recomeço permanente e, em alguns casos, patológicos.

     Pouco (re)conhecido no âmbito acadêmico e fora dele, Cyro dos Anjos aparentemente reflete simpatias por protagonistas masculinos, silenciosos, acanhados ou socialmente distanciados. Narrando sempre em primeira pessoa, Belmiro e Abdias sofrem com o isolamento optativo ou forçado. A escolha do narrador em primeira pessoa colabora para realçar o sofrimento e alçar os diários de ambos à verossimilhança transfigurada pela confissão, pela confidência, pelo delírio, pela paixão, pela mágoa e pela esperança. Mágoa e esperança percebidas nas investidas (explícitas ou implícitas) de ambos os protagonistas sobre seus respectivos objetos de desejo e, tempo depois, no ridículo e na frustração causados pelo fracasso.

     Tomando Minas Gerais como ambiente predominante de seus romances, Belmiro e Abdias são caracterizados como espíritos submissos, sem ação, fechados em mundos pessoais que dialogam com o exterior por meio da palavra escrita e sem ressonâncias. Belmiro mal consegue impor suas opiniões entre os amigos, pouco se sobressaindo no trabalho de escrevente público. Abdias desfruta de vida intelectual fria e sem chances de despontar no cenário regional ou nacional: administra um museu. Convidado para lecionar numa escola feminina coordenada por freiras francesas, enlaça-se com uma das alunas. Crente de que abandonará mulher e filhos para usufruir de uma nova aventura, cai no ostracismo quando refutado pela discente numa dança em um baile bastante concorrido. Como amá-la inesperadamente? Como acreditar num amor ilusório? Como trocar de vidas e, trocando de vidas, enfrentar desafios anteriormente considerados audaciosos? Um covarde se revestiria de coragem?

      Ao término das desilusões amorosas e dos malogros cotidianos, Belmiro e Abdias seguem rotineiramente o trajeto sem sobressaltos, sem desesperos e sem instabilidades. Belmiro e Abdias retratariam o homem cético, ansioso pela aceitação no grupo e, como conseqüência desta, a aceitação de si mesmo. No entanto, o ceticismo – estável e programado – se sobrepõe aos desejos e aos desígnios inesperados, percorrendo o caminho paralelo que, tão próximo e tão premente, espera o momento adequado para se perder, se misturar e se confundir, alterando vida/realidade em morte/sonho.

      Como amplamente mencionado, a capacidade lingüística e a elegância sintática de Cyro dos Anjos possui uma qualidade singular: a inefabilidade. Embora alguns tentem, poucos são os leitores e estudiosos que consegue analisar eficientemente o escritor mineiro – e infelizmente eu não sou um deles – descrevendo pormenorizadamente e explicando pedagogicamente quais artifícios, métodos e teorias foram utilizados na constituição da escrita.

      O leitor - que se interesse pela maturidade da escrita e deseje um livro indiscutivelmente bem elaborado, personagens bem compostos, enredos rotineiros e tensão cética e estável – poderá procurar as edições recentes de ambos os títulos, lançadas impecavelmente pela editora Globo.


     Sem sombra de dúvida, Cyro dos Anjos é o escritor que mais se destacou na estilística do texto: um dos maiores romancistas do século XX.

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Vicentônio Regis do Nascimento Silva é

Crítico Literário, Educador, Contista e Cronista. Recebeu diveros prêmios literários nas categorias crônicas e contos, entre eles os da Academia de Letras de São João da Boa Vista (São João da Boa Vista - SP) e doconcurso literário Felippe D'Oliveira (Santa Maria - RS); Participou de cinco antologias literárias; colabora em jornais e revistas paulistas, fluminenses e brasilienses cujos textos, em grande parte, estão reunidos no seu blog: www.vicentonio/blogspot.com (vicrenos@yahoo.com.br)

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