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Causos Literários

Ferreira Gullar & Irmãos Campos

 

"Nós constituíamos a chamada vanguarda da época, que nasceu basicamente desse meu livro (Luta corporal, 1954). Não porque ele tivesse proposto o caminho da poesia concreta, mas porque ele quebrou a poesia anterior, rebentou o que existia. Os Campos, quando viram meu livro, me procuraram e disseram que eles também queriam mudar a poesia brasileira. Algumas das ideias foram dadas por mim a partir da ideia básica de que a nova poesia deveria propor o fim da sintaxe verbal. Eles aderiram a essa tese, depois se apropriaram e me expulsaram da história. Como a enciclopédia soviética, apagaram tudo e reescreveram. Deixei de merecer a glória de pertencer às origens da poesia concreta, o que agradeço. Eu não tinha a mesma posição. Esse coisa de desintegrar a linguagem eu já tinha feito com Luta corporal, algo que tinha raízes profundas em minha experiência pessoal. Eles propunham um plano-piloto de poesia, o que considerava um contrassenso. Imagine se eu ia me ligar a um movimento para dizer como se faz poesia. Seria ingenuidade. Não digo nem o Augusto mas o Haroldo e o Décio são pessoas inteligentes, cultas, e a tese é primária, Eles sempre tiveram esse vezo de coisa modernosa, do momento. Depois ele adotaram a expressão da guerrilha, coisas em moda, que nunca me agradou. Jamais pensei que a poesia fosse um produto racional, cerebral. No manifesto, eles propuseram que poesia fosse feita a partir de então segundo fórmulas matemáticas! A métrica é a única possiblidade que há de você usar uma relação verbal/matemática. As palavras são arbitrárias. Liguei para Augusto, falei que isso era impossível. Eles estavam propondo um fórmula matemática que determinasse as palavras do poema! Aconselhei-os a ler Cassirer, que demonstra que as linguagens simbólicas são intraduzíveis. Não existe relação matemática para dizer que agora é tal palavra que deve entrar em tal lugar. Falei para eles que isso era charlatanismo. Ficaram zangados e confirmaram a publicação. Falei então que publicaria um manifesto ao lado me desligando do movimento. O engraçado nisso é que algum tempo depois, passado o calor da briga, o Décio, que sempre foi o mais cordial e o menos sectário do grupo, apareceu no jornal falando que finalmente se criava no país uma indústria de base e que na poesia era a mesma coisa. Eles propunham agora a criação de uma tal de 'posia de base'. Falei: ' Mas que diabo é isso?' (risos) Queriam publicar outro manifesto. Lembrei a ele que havíamos rompido porque eles escreveram um manifesto dizendo que a poesia ia ser feita segundo fórmulas matemáticas. Disse que não publicaríamos um manifesto anunciando uma poesia que nunca seria feita. Ele nunca mandou poesia de base nenhuma nem o manifesto. Não há na história da literatura brasileira a fase 'poesia de base' da poesia concreta porque, felizmente, não publicamos. Se tivéssemos feito isso, já estaria sendo ensinada nas universidades. Nunca houve posição ideológica no movimento. Houve um certo oportunismo deles na época da renúncia do Jânio, quando começa a discussão pela reforma agrária... Para não perderem o bonde, começam a querer introduzir na poesia deles tinturas políticas, mas quem lê a teoria da poesia concreta vê que ela é, por definição, apolítica, uma atitude formalista. Eles chegam a dizer que 'o conteúdo da poesia é a época. O poeta não tem de pôr conteúdo algum'. Ora, se o poeta não pode colocar conteúdo em seu poema e o conteúdo é mera elaboração formal - velocidade, cidade, dade... Então isso é que é poesia!? Novo, novelo, no velho... São jogos de palavras, trocadilhos, aliterações". 

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Fonte: LUCENA, Suênio Campos de. 21 escritores brasileiros: uma viagem entre mitos e motes. São Paulo: Escrituras, 2001.

 

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