Oficina de João Silvério Trevisan
Oficina literária virtual administrada pelo SESC de São Paulo. Trata-se basicamente de treinamento. Não tem nada de curso de extensão universitária ou cursinho em 10 lições práticas para ser escritor(a).
Estrutura da Oficina:
- Aspecto prático:
Enquanto coordenador da oficina, estarei usando minha experiência como autor de literatura pra orientar vocês. Haverá, o quanto possível, duas vertentes básicas nos trabalhos: escrever a partir de estímulos (exercícios) que dou; e discutir: todos precisam discutir o trabalho de todos - inclusive os(as) tímidos(as). A discussão é importante para que cada um possa colher dos colegas de trabalho reações provocadas por seu texto, positivas e negativas. Será um referencial importante, pois se trata de gente mexendo na mesma massa. Além disso, o exercício da crítica em relação aos textos dos outros é fundamental para exercitar a crítica com relação ao seu próprio texto. Quanto menos vocês exercitarem a crítica, mais tempo demorarão para ter consciência dos problemas e qualidades do seu próprio texto. Trabalharemos em três fases:
1) soltar-se; 2) descobrir-se; 3) aprimorar-se.
Se vocês demorarem pra se soltar, o trabalho de descoberta de seu texto demorará mais e, portanto, mais longe ficará o objetivo final de elaborar-se, aprimorar-se. Nem sempre é possível chegar à terceira fase, durante a oficina; tem gente que demora mais, tem quem demore menos. Isso depende da abertura pessoal de cada um(a) - e eu preciso que haja um mínimo de abertura, senão a oficina não anda. Por que falo em abertura ou entrega? Porque mexer no texto criativo é um processo de meter o dedo na alma (às vezes beirando o processo terapêutico, ainda que siga outros parâmetros - e não se trata de terapia, nem de longe). Estarei dando dois tipos de exercício, o quanto possível: durante a conexão na internet; e em casa. Serão em torno de 14 exercícios escritos, para serem discutidos. Os dois tipos de exercício pretendem atingir diferentes objetivos. Os da internet (in loco) são importantes porque assim posso colher melhor as qualidades e defeitos de cada participante, através de respostas imediatas e sem maquiagem (e trocados via e-mail). Os de casa serão escritos dentro de um prazo restrito, entre uma oficina e outra, sendo também trocados via e-mail, entre os(as) participantes e o coordenador.
- Aspecto teórico:
Na medida do possível e necessário, estarei fazendo uma apresentação geral da literatura do século XX e de autores(as) modernos, não como referencial acadêmico mas como subsídio para ajudar e instigar os trabalhos práticos e as conquistas estilísticas de cada um(a). Autores(as) não serão escolhidos necessariamente apenas por sua importância, mas por sua funcionalidade instigadora, em momentos precisos da oficina. Por exemplo, quando for preciso entender certa falha técnica num texto de oficineiro, eu irei remetê-los a um texto de autor consagrado, que apresenta solução para esse problema.
Minha Função:
- Estarei propondo exercícios, mas também acompanhando e discutindo tanto seus textos quanto suas próprias críticas. Vocês podem imaginar como é uma função estafante e um trabalho nada fácil. Fico numa posição incômoda, carmática, em plena corda bamba. Sejam compreensivos(as) com ela e não me imputem o papel de juiz nem de paizão da literatura. Mesmo porque não tenho nada pra ensinar a vocês, além de encontrarem seu próprio caminho literário.
Objetivos da Oficina:
- Buscar os jeitos pessoais de verter Poesia no espaço brilhoso do monitor ou no branco do papel. Vejam que estou falando da Poesia com P maiúsculo e não do gênero poesia. Refiro-me àquela Poesia necessariamente presente em toda criação artística.
- Não há fórmulas para escrever literatura (como os realistas, como os surrealistas, como o nouveau-roman, como os concretos, etc.) Há mil diferentes maneiras de atingir e comunicar a mesma Poesia. Poesia legítima é aquela que encontra dentro da gente novos caminhos pessoais de expressão, é invento pessoal e intransferível - tiramos a Poesia de dentro de nós. Em meu romance Vagas Notícias de Melinha Marchiotti falei um pouco sobre isso, e transcrevo o trecho pra vocês: "A partir de uma multiplicidade de gostos e tendências individuais, há múltiplos caminhos e múltiplos projetos de poesia. Em quaisquer dos casos, importa sempre a qualidade do texto. É preciso concentrar-se na palavra, matéria-prima da escritura. Certos autores conseguiram atingir a poesia ao lutar com as palavras, perseguindo-as e acuando-as. Outros, ao se refletirem nelas, quase narcisisticamente, criando um texto incontido, feito de borbotões, cachoeiras, fascínio. Há aqueles que atingem a poesia pela contenção, dominando as palavras uma a uma, na busca da expressão perfeita, como se esculpissem. Há os que são poéticos porque arrebentam tudo, não reconhecendo o que parecia estar pronto, destruindo o sagrado e destroçando as palavras ou suas combinações. Alguns usam a palavra em si. Outros utilizam-na para atingir determinado objetivo fora dela. Em cada um desses casos, há sempre uma relação muito pessoal com as palavras, seja no amor seja no ódio. Só dessa relação nascerá uma emoção poética no texto."
- Nós inventamos Poesia de dentro de nós, como em coito com aquilo que nos fecundou de fora (certos temas, influência de autores, humores quotidianos, experiências, lembranças, etc.) É preciso buscar a expressão de cada um, que é nova. Cada um de nós é inédito(a) porque único(a): não está previsto(a) em fórmulas. Assim, esta oficina quer abrir caminhos e pistas para o seu interior se manifestar poeticamente, de maneira inaudita. Aqui vale, antes de tudo, a fidelidade absoluta à expressão (ainda que caótica e repleta de influências) de cada um(a), não importando os estilos escolhidos. Claro, é preciso não confundir nada disso com "fazer terapia" (apesar de ambas as coisas caminharem de certo modo juntas, como eu disse antes). Mas aqui eu estou falando sempre de expressão poética de cada um e de texto com função literária. E isso não é finalidade de terapia nenhuma.
- Abrir caminho à nossa linguagem pessoal é algo imprescindível para dar vazão ao nosso mistério interior. E como se verte o mistério interior senão através de uma expressão totalmente pessoal? O poeta Antonin Artaud afirmava que quando sinto dor e repito a frase "Eu sinto dor", ela é incapaz de exprimir toda a dor que eu sinto. Preciso achar meu jeito de exprimir a dor de uma maneira que seja a real expressão da minha dor, para além da repetição de uma fórmula lingüística.
- Orientação Básica:
Soltem a imaginação, ela é o terreno propício da criação poética. Gaston Bachelard disse certa vez: "O instante poético é essencialmente uma relação harmônica entre dois contrários; o mistério poético é uma androginia." Em outras palavras: trata-se de um absurdo ao alcance só da imaginação. Nosso imaginário é um mundo reprimido pelo quotidiano banal: perderemos nossa capacidade de compreender o real se perdermos a imaginação. No imaginário de cada um está escondido um eu desconhecido, na forma pessoal de exprimir seu encontro com o mundo. Algo parecido disse o diretor teatral italiano Emílio Genazzini, numa entrevista de 1988: "Cada pessoa tem dentro de si a semente de 10 mil pessoas diferentes e, por circunstâncias, ela é apenas uma." Assim como Genazzini fazia em seu teatro, na minha oficina eu vou usar alguns métodos para tentar abrir o mais possível as portas internas desses tantos personagens que estão dentro de cada um de vocês, e que são fundamentais para a criação.
A presente oficina quer ajudar vocês a lapidar seu texto, checando muito. Fundamental aqui será exercer a crítica e estar aberto à crítica. Para tanto, precisaremos criar um clima de confiança entre nós: estamos todos irmanados e coniventes num mesmo ofício literário. Se não houver confiança, as críticas não funcionarão, os textos não funcionarão e não funcionará a Oficina.
Uma amostra dos melhores textos criados nas oficinas, encontra-se no site: www.sescsp.org.br/sesc/conviência/oficina/07_oficina.htm
Sobre o autor:
João Silvério Trevisan é escritor, jornalista, dramaturgo, tradutor e cineasta. Recebeu inúmeros prêmios em teatro, cinema e literatura, dentre os quais o Concurso Latinoamericano del Cuento, em Puebla, México, o Jabuti (três vezes) e o da Associação Paulista dos Críticos de Arte - APCA (duas vezes). Tem obras traduzidas para o inglês, o alemão e o espanhol. Obras literárias:
Testamento de Jônatas deixado a David (1976)
As incríveis aventuras de el cóndor (1980)
Em nome do desejo (1983)
Vagas notícias de Melinha Marchiotti (1984)
Devassos no paraíso (1986)
O livro do avesso (1992)
Ana em Veneza (1994)
Troços & destroços (1997)
Seis balas num buraco só: a crise do masculino (1998)
Pedaço de mim (2002).
Rei do cheiro (2009)
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