Oficina de Luiz Antonio de Assis Brasil (RS)
O trabalho total da "Oficina da PUC", que dirijo desde 1985 e que funciona junto ao Programa de Pós-Graduação em Letras, é dividido em dois semestres letivos; isso representa trinta encontros de quatro horas de duração cada qual. São aceitos os candidatos que passam por uma seleção que, com as naturais falhas que possam ter as seleções, visa receber pessoas que revelem intimidade com a literatura; oficinas há que aceitam pessoas sem experiência alguma, mas isso decorre de uma outra proposta, e respeitável e útil como tal.
Uma vez admitidos, os alunos têm contato com a experimentação narrativa - visto que essa oficina destina-se por exclusivo à narração -, à busca da habilidade nos recursos que a ficção oferece; outrossim, realizam-se certos jogos, ao estilo dos praticados pelos poetas surrealistas. Esses jogos, em geral intrigantes, tendem a mostrar ao aluno que ele é capaz de criar. Ademais, estudam-se o tempo da narrativa, o espaço, o diálogo, as estruturas narrativas, etc., e isso acontece não apenas na intenção de conhecer esses elementos - coisa que um curso de letras dá conta -, mas para mostrar o arsenal técnico que um escritor deve possuir.
No segundo semestre, para além da seqüência dessas atividades, o aluno pratica o conto, buscando adquirir competência no gênero; não porque o conto seja mais fácil do que as outras formas literárias, mas porque sua pequena dimensão permite uma análise mais direta. Neste semestre, fazendo par com a leitura de contos dos grandes autores, são feitos seminários sobre os contos escritos pelos próprios alunos. No debate sereno, mas firme, são examinadas as virtudes do texto e os eventuais problemas. Isso, aliás, é o que fazemos quanto aos livros que lemos: ou conversando com amigos, ou refletindo individualmente. No final, é publicada uma antologia que reúne os contos elaborados durante o período. São, por evidente, contos iniciais - mas alguns perfeitos e acabados - e assim devem ser entendidos. O empenho futuro de cada aluno será o fiel da balança.
Apesar de todo esse inequívoco acúmulo de realizações nacionais e internacionais, temos de convir que meio século de existência é pouco; será preciso que passe uma geração para que as oficinas sejam aceitas de modo natural e integradas sem restrições ao sistema cultural.
Chega-se agora à pergunta: o que se faz, então, numa oficina literária? Para que a resposta seja satisfatória, peço a paciência do leitor para uma sumária explanação do meu plano de estudos - o qual, naturalmente, conheço melhor do que outros.
O material que utilizo são, na maior parte, de elaboração pessoal, mas sirvo-me, e bastante, dos exemplos norte-americanos e franceses, por serem complementares: se por um lado os autores americanos trazem uma série de exercícios que visam à criação imediata (Muriel Anderson, Harry Golden, John Gardner, Dennis Whitcomb, Robert Meredith, Pauline Bloom, Don James, Susan Thaler, Rust Hills, entre outros), já os franceses (Odile Pimet, Claire Boniface, Andrée Guiguet, Nicole Voltz, Alain Andre, Raymond Queneau, etc.) buscam um aprendizado mais longo e mais profundo - isso não impediu que A. Duchesne e Th. Leguay publicassem em 1990 um livro a que denominaram, de modo ironicamente pragmático e provocador, de Petite fabrique de littérature, já um clássico. Dito isso, podemos tirar algumas conclusões, e para que fiquem bem claras, é preciso lembrá-las:
As oficinas sempre existiram, e apenas agora se institucionalizam sob a forma de um curso - passe a palavra - organizado por um escritor que é, ao mesmo tempo, seu professor.
As oficinas evidenciam, pela produção comprovável de seus alunos, que não são tolhidas as formas individuais de expressão literária; muito ao contrário: a discussão coletiva dos textos propicia diversidades estilísticas e de conteúdo, fazendo com que o aluno se aventure pela inovação estética. O fato de freqüentar uma oficina não transforma ninguém em escritor, assim como freqüentar uma escola de dança não transforma ninguém em bailarino.
É possível realizar uma carreira ou uma brilhante obra literária - e até ganhar o Nobel - sem que se passe por uma oficina, e a história está aí para confirmar de modo esmagador; contudo, numa oficina os caminhos tornam-se mais breves, e a possibilidade de erros de percurso é bem menor. Não sendo o fim e nem o começo de nada, as oficinas demonstram ser uma passagem, e de reconhecido proveito. É só perguntar a quem já cruzou por elas.
Luiz Antonio de Assis Brasil é doutor em Letras, romancista, músico e animador cultural dos mais destacados em seu estado, com diversas premiações: Portugal Telecom 2004, Jabuti 2004, Machado de Assis 2001, Instituto Nacional do Livro 1988, Ilha de Laytano 1976.
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