Academia: uma casa bem-humorada
Murilo Melo Filho
Fundada no dia 20 de julho de 1897, por iniciativa de Lúcio de Mendonça, esta Academia foi presidida, durante os seus primeiros 11 anos, por Machado de Assis.
Com uma tenaz vigilância do idioma e da literatura nacional, ela tem sido um desmentido permanente aos vaticínios pessimistas sobre a vida curta dos organismos literários, como esta ABL, que ainda hoje subsiste consolidada no respeito de todo o Brasil.
Fundada há 116 anos, esta Academia Brasileira de letras é uma casa habitada por Acadêmicos humanos e bem-humorados.
Sobrevivem muitas estórias e episódios, como a nos lembrar que nem sempre as coisas devem ser narradas com a “tinta da melancolia” e sim, como diz o Acadêmico Ivan Junqueira, coma “pena do humor”. ira de letras.
Escrevo, então, sobre “A ABL, uma casa bem-humorada”, começando com a estória de um candidato que foi pedir um voto ao Acadêmico LUÍS VIANNA FILHO e ouviu dele a seguinte resposta:
– Preciso esperar que se esgote o prazo das inscrições. Porque, se, por exemplo, Gilberto Freyre, Érico Veríssimo ou Drummond se inscreverem candidatos, você acha que eu ainda poderei votar em você?
Já como candidato, coube ao biógrafo Luís Vianna Filho visitar um Acadêmico para pedir-lhe o voto.
Na saída, quando se despediram, o Acadêmico e dono da casa sentiu um aperto de mão diferente e perguntou:
– O candidato é maçon?
E o candidato Luís Vianna Filho respondeu:
– Maçon propriamente dito não sou. mas acontece que não seria pelo erro cometido num simples aperto de mão maçônico que eu perderia um voto tão importante como o do senhor. Vamos apertar as mãos, de novo?
Luís Vianna Filho achava que as sucessões na Academia, não raro, são mis-teriosas, com segredos pelos quais ela paga até certo preço, pois existem os que não aceitam como ela é, e tem sido até hoje.
Nem sempre essas sucessões têm muita lógica. Um orador substitui um romancista e vice-versa. Um poeta toma o lugar de um historiador. Um médico sucede a um filósofo, um jornalista, a um militar, e um advogado, a um teatrólogo.
Luís Vianna Filho acrescentava que, neste assunto, a Academia Francesa é muito sábia, quando, fundada há quase 400 anos, vem reservando uma cota para notáveis, como: o próprio fundador e primeiro Presidente, Cardeal Richelieu; os marechais Foch, Weigand e Villard; e mais recentemente o oceanógrafo Jacques Custeau e o cineasta francês René Clair, que foram várias coisas na vida, menos a de escritor.
Enquanto isto, essa mesma Academia não teve, entre seus membros: os intelectuais Molière, Sthendal, Beaudelaire, Zola, Balzac, e o próprio Victor Hugo, que foi recusado três vezes e que só conseguiu eleger-se na quarta tentativa.
Numa campanha eleitoral, Luís Vianna dirigiu-se aos eleitores dizendo:
– Saúdo os pescadores de xaréu, os banhistas de Amaralina, os tripulantes dos saveiros, os jangadeiros de Itapoã, os frequentadores da Baixa do sapateiro e da Ladeira do Pelourinho, as baianas do Acarajé e da menininha do Gantois.
E o candidato apresentou-se:
– Peço-lhes que, ao votarem, se lembrem bem do meu nome, luís Vianna, que rima bastante com bacana e com banana.
No carnaval de 1945, o nosso futuro Acadêmico GENOLlNO AMADO estava na lapa, em torno de uma boêmia, com Francisco Alves, Pixinguinha, Aracy de Almeida, Sylvio Caldas, Orlando Silva, Herivelto Martins, Dalva de Oliveira e Ary Barroso, quando, de repente, Genolino se lembrou que ainda não tinha enviado a crônica daquele dia, para ser lida por Cesar ladeira, na rádio Mayrink Veiga.
Pegando um tosco telefone, acionado por manivela, conseguiu uma precária ligação com a emissora, improvisou um texto e o ditou para uma nervosa secretária, que, na outra extremidade, ia penosamente recolhendo o ditado, só deus sabe como.
Por uma infeliz coincidência e como acontecia todos os dias, sua mãe, Donana, estava ao pé do rádio, ouvindo a crônica do filho. E não gostou nada daquele texto improvisado. No dia seguinte, interpelou Genolino:
– Você está doente, meu filho?
– Não. estou bem.
– Muito ocupado?
– Ah, sim. como a senhora adivinhou?
E donana concluiu:
– Pelo seguinte. Porque a sua crônica de ontem estava muito ruinzinha. Uma pinóia.
Genolino ressalta as marcas dos conterrâneos intelectuais, jurisconsultos, críticos, historiadores e pensadores de Sergipe, sua terra: Sílvio Romero, João Ribeiro, Gilberto Amado, Laudelino Freire, Jackson de Figueiredo, Amando Fontes, Joel Silveira e o maior deles, Tobias Barreto.
Na boca maldita, de Curitiba, onde se reuniam as línguas mais ferinas da cidade, Emílio de Menezes, um humorista famoso, começou a notar que uma senhora bem vestida, de meia-idade, com alguns resquícios de beleza, voltava-lhe com frequência os olhares.
Imaginou fosse uma admiradora, que o tivesse reconhecido, e perguntou-lhe:
- Por que me olhas tanto?
E o próprio Emílio completou:
– Porque seu ar bonacheirão, sua silhueta redonda, sua cintura bem larga e seu busto avantajado lembram bem minha mãe, dois meses antes de morrer. E grávida.
E apontando para um desafeto, famoso porque não pagava as contas. Emílio comentou:
– Ele parece até um botão. Não paga nem a casa em que mora.
Noutra ocasião, um conterrâneo o convidou:
– Vamos tomar um aperitivo? Quero dar-te a honra da minha companhia.
E Emílio, impiedoso:
– mas logo honra? Queres dar-me justamente uma coisa da qual tanto precisas?
Ao ouvir certo crítico dizer que ele era um ladrão da honra alheia, Emílio não se conteve:
– Em matéria de honra, você pode despreocupar-se, porque nada tem para ser roubado.
Certo dia, Emílio encontrou-se com um amigo na Rua do Ouvidor. era julho, fazia frio. E ele estava usando um vistoso fraque. O amigo, com um peteleco, espanou um cisco do seu ombro e pediu-lhe cinco mil réis emprestados. Emílio ponderou:
– Está muito caro. Pode botar o cisco de volta.
Certa vez, Emílio era o quarto passageiro no banco do bonde do méier e uma artista, muito conhecida e volumosa, tentou sentar-se ao seu lado, quando no banco traseiro havia apenas três passageiros, além de uma vaga. Emílio protestou:
– Oh! Atriz atroz, atrás há três.
Noutra tarde, estava ele no mesmo bonde, quando entraram duas senhoras, suficientemente gordas para fazerem o banco dianteiro desabar com tanto peso. Emílio inclemente, comentou:
- Esta é a primeira vez na vida que vejo um banco quebrar por excesso de fundos.
Emílio voltou-se depois contra o historiador, diplomata e Acadêmico Oliveira Lima. E versejou:
De fala mole e de pele bombalhona,
Ante a própria figura se extasia.
Como Oliveira de carne não dá azeitona,
Sendo Lima parece melancia.
Quem contava esta história era Manuel Bandeira:
– Quando a Academia elegeu Emílio de Meneses, o Acadêmico Afrânio Peixoto, que não gostava dele, jurou vingar-se da desfeita, fazendo a seguinte ameaça aos seus confrades:
– Vocês elegeram o Emílio, não foi? está muito bem. Pois, então, eu, como vingança, vou eleger o Ataulfo de Paiva.
E, em 1917, três anos depois, cumpriu a promessa, aumentada em seguida, com o nome dado a uma bonita avenida no Leblon.
Agripino Grieco tinha especial marcação com Viriato Correia, debochando com frequência de sua baixa estatura. dizia Grieco:
- O fardão dele terá de ser feito numa loja de artigos infantis. Por exemplo: na “colegial”.
Comparecendo a um jantar, Viriato deparou com uma senhora elegante, de seios fartos, que transbordavam do sutiã. E não se conteve:
– Esta seguramente não será a ceia do senhor. Porque simplesmente estamos diante de uma senhora dos seios.
Do crítico Agripino Grieco para o Acadêmico Peregrino Júnior:
– Acabo de ouvir um discurso-serpentina do Acadêmico Viriato correia.
Peregrino perguntou:
– Serpentina? Por quê?
E Grieco respondeu:
– Porque colorido, comprido e enrolado.
Embora conterrâneos do maranhão, os Acadêmicos Humberto de Campos e Viriato Crreia mordiam-se com frequência.
Certa vez, informaram a Humberto que, em reunião numa casa de família, Viriato dele falara muito mal.
E Humberto, impiedoso, reagiu:
– Essa notícia não deve ser verdadeira, porque, ao que sei, Viriato nunca frequentou uma casa de família.
Endeusada com a fama de bela, Evita Perón, primeira-dama da Argentina, chegava gloriosamente ao Rio e deslumbrava o público concentrado ao longo da Avenida Rio Branco.
Igualmente empolgado, Viriato Correia dedicou-lhe uns versos:
Do seu povo argentino,
Ela veio ao Rio,
Sem ser uma viúva.
Nem uma ave, nem uma ova,
Muito menos uma iva,
Mas, sim, uma Eva e uma... uva.
Candidato à Academia, Viriato correia visitou o médico e Acadêmico Fernando Magalhães, expôs-lhe as razões da candidatura e pleiteou o seu voto, logo no primeiro escrutínio, ouvindo dele a seguinte resposta:
– É incrível como você, jovem e tão pequenino, está sendo tão atrevido e, nas nossas eleições, já sabe até o que seja o primeiro escrutínio.
O Acadêmico José Carlos de Macedo Soares dormia profundamente durante o discurso de posse de Viriato Correia, que, em certo trecho, alterou a voz e conseguiu despertá-lo:
– Sempre sonhei em entrar nestas portas.
E gritando, para acordar o Acadêmico dorminhoco:
– A-bri-ram-nas!
Preocupado com a saúde, Viriato Correia queixou-se a Múcio Leão:
– Há poucos minutos, esteve aqui comigo um tal de Rache, que me veio comunicar a sua candidatura à Academia. Acontece que não há vagas.
– Desconfio, assim, que eu deva andar muito doente, porque Rache, meio rachado, perguntou bastante pela minha saúde, certamente de olho na minha vaga.
Viriato ficou sabendo depois que esse
Rache visitara todos os Acadêmicos, deixando-o como último a ser visitado. E concluiu Viriato:
– Se ele, só agora, me visitou por último, é porque deve estar certo de que minha vaga tem tudo para ser a que ele pretende ocupar. Mas, vai enganar-se redondamente. Estou sentado nesta cadeira há 32 anos. E dela, nem tão cedo pretendo sair.
Certa vez, Viriato recebeu a visita dos Acadêmicos Josué Montello e Múcio Leão, que lhe foram cumprimentar pelo 20º aniversário de sua peça A Juriti. Viriato relembrou-lhes o sucesso da estreia:
– O teatro estava cheio, com a música de Chiquinha Gonzaga e a presença de Procópio Ferreira, como personagem principal, tendo no palco um papagaio, um cachorro e um jumento. No elenco de reservas, havia um ator experimentado em substituir qualquer companheiro faltoso.
E acrescentou Viriato:
– Eu vou entrando no teatro, quando aquele ator-melé, de reserva, passa por mim em disparada, como se estivesse fugindo dos bastidores. E eu o interpelo:
– Que é isso? O que se passa com você?
E o ator-curinga, gritando de longe, já no meio da rua:
– Hoje, quem não está vindo trabalhar é o jumento. E o papel dele eu não faço.
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