Volta para a capa
Epígrafe

A Alegria de Escrever

Wislawa Szymborska

   Aonde é que, pela floresta

escrita, esta corça escrita corre?

  Rumo à água escrita de uma

fonte

  cuja superfície há de xerogra-

far seu focinho macio?

  Por que ergue a cabeça; terá

ouvido algo?

  Apoiada em quatro delgadas

pernas emprestadas à realida-

de,

  ela escuta atenta sob as pon-

tas de meus dedos.

  Silêncio esta palavra também

cruza sussurrando a página,

  e aparta os ramos

  nascidos da palavra "flores-

ta".

  Prontas para o bote, há letras

  mal-intencionadas de tocaia,

  garras de orações tão subor-

dinadas

  que jamais hão de deixar es-

capar.

  Há em cada gota de tinta uma

provisão

  de caçadores de olhos semi-

cerrados por detrás das miras

  que estão dispostos a descer a

encosta da caneta,

  encurralar a corça e apontar-

lhe as armas devagar.

  Esquecem que o que está

aqui não é a vida.

  Aqui, preto no branco, são

outras as leis.

  Um piscar de olho há de du-

rar quanto eu quiser,

  subdividindo-se, se eu assim

o desejar, em mínimas eterni-

dades,

  cheias de balas sustidas em

pleno vôo.

  Nada que eu não mande há

de acontecer.

  Sem minha permissão, ne-

nhuma folha há de cair

(Tradução: Nelson Ascher)

- Link1
- Link2
- Link3