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Poesia

Homenagem à Camões

O Novo Velho do Restelo

Marcelo Moraes Caetano

Mas um velho de aspecto sobre-humano,
Que ficava nas praças, entre a gente,
Fitou-nos com clareza e desengano,
E negou co´a cabeça e mais co´a mente;
Alto, o brado latino-americano
Se fez mais claro que a aurora vidente.
E nós, de ouvido aberto (e olhar estreito),
Capitalistas: já não tem mais jeito...

– “Ó glória de comprar! Ó vã cobiça!
Desta vaidade a que chamamos Posses!
Podem chamar-se Bens! Também Divisa!
Aumentam tua sede! E como tosses!
Não sabes que não há maior premissa
Que a de calcular que, se tu não fosses
Tão rico, a Etiópia e Angola
Teriam mais comida e mais escola?

– “Besta inquietação d´alma e da grana
Que resume tudo a Poder e Impérios!
Tão tolos, que não passa uma semana,
Sem que haja inúteis, fortes, deletérios
Assassinatos! – Sim, porque é insana
A boca que não grita os casos sérios
Ocorrendo, em jornais, na própria vida,
A tanta gente pobre, desvalida!

– “Mas não! Queres comprar! Comprar! Só isso!
O que causa esta fome, este vazio?
Talvez porque tu sejas tão submisso
Que nem discernes nada? És arredio?
Impõem sobre teus pés um precipício,
Mas te endividas, e o teu toque é frio?
Será que, na verdade, não tens medo
De que, sem posses, saibam teu segredo?”

 * * *

Marcelo Moraes Caetano é Professor de Português e Literatura; Gramático; Crítico literário; Tradutor de Alemão, Inglês, Francês e Italiano; Estudioso de Latim, Grego e Mandarim. Escritor e poeta, com 14 livros publicados, e várias premiações (Academia Brasileira de Letras, ONU, UNESCO, Fundação Guttenberg, Sesi, Firjan). Seu lançamento mais recente é a Gramática Reflexiva da Língua Portuguesa, lançada na XIV Bienal Internacinal de Literatura do Rio de Janeiro, em 2009

  * * *

Canto IV - Episódio do Velho do Restelo. D´Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões.

94

Mas um velho d'aspeito venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C'um saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:

95

—"Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C'uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!

96

— "Dura inquietação d'alma e da vida,
Fonte de desamparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de impérios:
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo dina de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!

97

—"A que novos desastres determinas
De levar estes reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas
Debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos, e de minas
D'ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? que histórias?
Que triunfos, que palmas, que vitórias?


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