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Entrevista

 

Cecília Prada

Entrevista conduzida por Luís Carmelo, publicada no site//www.pnetliteratura.pt em 05/03/2010

- No mundo tecnológico e instantanista em que vivemos, crê que a literatura, tal como a aprendemos a significar pelo menos desde o Iluminismo, ainda tem sentido?

Mais do que nunca – a “verdadeira” literatura, a que tem resistido através dos tempos a todas as ondas de mediocridade, de selvageria, que tentaram submergi-la. Só considero literatura aquelas obras que nos dão algo a mais, algo novo, criativo, que nos faz pensar, sentir, principalmente – que me motiva a continuar escrevendo. É difícil distingui-la, em meio à enxurrada de livros que se publicam atualmente: estamos atolados em pilhas de coisas chochas, podres, confusas, idiotas. Mas sairemos desta.

– Qual foi o último acontecimento literário, independentemente da sua natureza, que mais lhe tocou? Porquê?

Vivo afastada de “eventos” , grupos e “acontecimentos”, literários ou não... e a verdade é que nenhum livro contemporâneo, brasileiro, está fazendo balançar meu coração. Há alguns que leio com agrado, mas é tudo. Mas os romancistas portugueses, ah!... — e não vai nisto vontade de agradar os irmãos de Portugal... há vários, ótimos, e para mim o inexcedível é Lobo Antunes, leio-o sempre... Melhor que Saramago, peço vênia para achar.  Ele é muito considerado e lido no Brasil principalmente nos círculos universitários, é um escritor capaz de mergulhar fundo em psicologia, história, situações, tudo ao mesmo tempo, fabuloso. E vivo mergulhada na minha biblioteca, relendo ou descobrindo ainda uma multidão de escritores de primeira linha dos quais nunca se ouve mais falar... inventei até um díptico para caracterizar esta fase, imensamente fértil e produtiva e animada, de minha vida literária: “De madrugada, acesa, / Apascento meus livros.” — Às vezes, quando releio um conto tão perfeito como The Garden Party de Katherine Mansfield, tenho vontade de dar um grito: de alegria. O conto é meu gênero preferido — sou boa nisso.

– Fale-nos resumidamente do seu último livro, como se estivesse a revê-lo em voz alta para um grupo de amigos.

É meu quinto livro de contos, Faróis estrábicos na noite, lançado pela Bertrand Brasil em agosto de 2009. Um bom livro de contos escritos nos últimos anos, inéditos em livro até agora. Que reuni tematicamente sob uma epígrafe de Guimarães Rosa:  “A gente navega na vida servido por faróis estrábicos” — é o meu principal tema, detectar tudo o que “não deveria ser bem assim” na vida, comportamentos de pessoas, sofrimentos inúteis, perguntas não-resolvidas, inquietações desamparadas, amores desencontrados. Gosto dele por inteiro — tenho consciência de meu estilo, das soluções encontradas, das histórias e personagens que vim catando e colecionando na minha batalha cotidiana (que tem agora 60 anos de profissionalismo, literário e jornalístico!). O retorno que tenho recebido dos leitores, pessoalmente ou pela internet, é mais do que gratificante.

– Pensa que a literatura e a rede poderão vir a ter, de algum modo, um destino comum?

Já estão perfeitamente entrosadas. A net ampliou o universo da comunicação, possibilita o relacionamento entre todos os agentes culturais, é uma grande vitrine — na qual, inevitavelmente, se espelham também multidões de imbecis que só querem se promover... mas nossa sabedoria consiste, hoje, justamente em saber escolher. E descartar — como diz nosso amigo Umberto Eco.

– Refira dois autores e duas obras que o tenham marcado na sua carreira.

Impossível citar só duas obras ou autores.  Como já vivi muito, me permito listar seis  livros, fundamentais para meu próprio projeto literário: a)  Dom Casmurro, de Machado de Assis, a grande revelação de meus 10/11 anos; b) Perto do coração selvagem e O lustre, de Clarice Lispector, aos 16 anos; c) Retrato do artista quando jovem, de Joyce, aos 18 anos; d) The turn of the screw, de Henry James, e Absalom, Absalom!, de Faulkner, aos 30 anos; e) Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, até hoje.

 

 



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