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Cinema
João Antonio

"Pessoalmente, estou mutio triste com o que o cinema tem feito com o autor brasileiro e não apenas comigo. Autores como João Felicio dos Santos e Geraldo Ferraz têm sido aviltados do ponto de vista econômico e também de natureza das suas obras, modificadas arbitrariamente pelos cineastas. Um cinema que, como nenhuma outra arte no país, recebe tanto apoio e tanto dinheiro do governo, deveria e poderia apresentar qualidade melhor. Aqui aparece uma questão aberta: o que é um cineasta? O que eu noto no Brasil é que não há cinema de autor, e sim uma porção de obras literárias aproveitadas devido à falta de talento próprio de seus cineastas. Não creio que a  grande época dos cineastas tenha passado. Acho que Glauber Rocha, para dar um exemplo, ainda é uma fonte própria de inspiração. Pelas próprias condições do cinema, que se vale de uma linguagem objetiva, é natural que um filme, sobre uma obra literária, acabe sendo obra menor. Os nossos cineastas estão pensando nisso? Ou estão acomodados nas verbas da Embrafilme e no mau pagamento de autores que lhes fornecem os argumentos? Exemplos? Eu mesmo, que estou processando com duas ações no Fórum de São Paulo os realizadores da adaptação de Malagueta, Perus e Bacanaço, que até o nome trocaram para medíocre título de O jogo da vida, que mais parece título de filme estranjeiro traduzido - e muito mal traduzido -, sem a minha autorização, sem a minha licença e contrariando o contrato. Enquanto minhas relações com os realizadores do filme foram amistosas, trabalhei no roteiro e o refiz três vezes ao longo de quinze anos, com o Capovilla ao meu lado. Depois da briga, os realizadores agiram como se estivessem em terra de ninguém, a ponto de colocar uma mentirosa feijoada numa favela miserável, o que nunca me passou pela cabeça. E que só pode passar pela cabeça de quem não conhece favela. Não sou o único autor que tem sérias reclamações quanto ao que fazem com o texto no Brasil. Me dei a dignidade de não ver este filme, porque ele não é representativo de Malagueta, Perus e Bacanaço. E se for levado, sob tortura, a assisti-lo, insistirei em fecahr os olhos. Esses casos deveriam ser encaminhado à ONU ou à AIA, por se tratar de uma vergonha muito grande. O que nós precisamos também é terminar com a mistificação do cineasta no Brasil que, devido ao poder de badalação do cinema, acaba se tornando mais importante do que o autor do argumento. Quem é que sabe quem é João Felício dos Santos, ator fundamental de Chica da Silva? E alguém ficou sabendo, depois do filme exibido, quem é ele? O autor brasileiro continua sendo um pasto de piratas, oficiais e particulares".

Fonte: STEEN, Edla van. Viver & escrever 1. Porto Alegre: LP&M, 2008.

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