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Cinema
Michael Cunningham

"Não acho que o romance seja um gênero superior ao cinema como forma artística, mas creio que os filmes possam ir além do livros, Num filme como As horas, por exemplo, é possível mostrar uma atriz genial como Julianne Moore consumida em lágrimas num banheiro enquanto diz ao marido, através da porta fechada, que tudo está bem, num tom de voz absolutamente normal. A literatura, contudo, permanece a melhor forma de mostrar ao leitor o que é ser uma pessoa bem diferente de si mesma. ela pode explorar o interior mais profundo das pessoas, seus sentimentos e pensamentos mais secretos, produzindo uma empatia que nenhum outro veículo conseguiria. Conhecemos personagens como Anna Karenina ou Emma Bovary mais profundamente do que poderiam ousar as versões para o cinema. Este é, acho, o mais poderoso argumento a favor da literatura como forma de arte que resiste. Isso implica, por consequência, que a ficção seja inerentemente política, mesmo que história em questão nada tenha a ver com política. Se os leitores entenderem verdadeiramente que outras pessoas são verdadeiras e profundas como eles, pelo menos em teoria, estarão menos propensos a atirar bombas nas cabeças dos outros. Fiquei muito feliz com a transposição de As horas  para o cinema, o que me torna, talvez, o único autor vivo contente com um filme baseado num livro meu... Adoro escrever roteiros. Literatura será sempre minha primeira ocupação, mas produzir para o cinema também é gratificante. Um roteiro é uma fascinante combinação de criatividade com quebra-cabeças. Um romance pode tomar a forma que o escritor quiser e ficar tão extenso quanto ele deseje. Um roteiro tem de se adaptar à duração do filme, a não ser que seja uma produção anticonvencional. Ele pode ser alterado, de modo imprevisível, pelo diretor, por atores, por qualquer um. Enquanto, como romancista, tenho autonomia e pleno controle sobre o texto, como roteirista tenho de estabelecer a base fundamental para uso dos artistas, que irão interferir no texto com suas próprias visões. Após tantos anos trabalhando sozinho, é muito gratificante participar desse processo coletivo de criação".

Fonte: O Estado de São Paulo, 20/08/2011 - Antonio Gonçalves Filho

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