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Grandes entrevistas

Scott Fitzgerald

Entrevistada conduziza por Michel Monk para o New York Post, de 25/09/1936 e republicada no livro: ALTMAN, Fábio. A arte da entrevista: uma antologia de 1823 aos nossos dias. São Paulo: Scritta, 1995, de onde foi extraída

Francis Scott Key Fitzgerald (1896-1940), romancista norte-americano, nasceu em Minnesota, estudou no vetusto colégio Princeton. Foi soldado voluntário na Primeira Guerra Mundial, mas não chegou a participar dos combates na Europa. Tornou-se conhecido como o memorialista da era do jazz dos anos 20. A vida hedonista dos alunos de graduação da Princeton foi descrita em This side of paradise, de 1920. Seu romance mais famoso, The great Gatsby (O grande Gatsby) de 1922, descreveu a degradação moral que acompanha a riqueza e o sucesso. Outro romance, Tender is the night (Suave é a noite), de 1934, relata a insatisfação de Fitzgerald com a vida burguesa e sem raizes que teve na Riviera Francesa, envolvido com a doença mental de sua mulher Zelda, com sua própria melancolia e o alcoolismo.

Michel Mok (1888-1961) nasceu em Amsterdã, na Holanda. Fez parte do staff dos jornais europeus e canadenses antes de integrar o Philadelphia Record. De 1933 a 1940 trabalhou para o New York Post, cobrindo o julgamento e a execução de Bruno Hauptmann pela morte do bebê Lindbergh, num dos mais rumorosos crimes da História americana, e escrevendo críticas de teatro e cinema. Mais tarde veio a ser roteirista teatral, trabalhando para vários animadores da Broadway e, em particular, para Rodgers e Hammerstein. Também ajudou a traduzir ensaios, contos e o diário de Anne Frank. Seu filho Michel Mok tornou-se um grande repórter e fonte de inspiração para jovens jornalistas como Tom Wolf, o autor do celebrado A fogueira das vaidades.
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Há muito tempo, quando era jovem, seguro de si, e estava embriagado com o sucesso repentino, Francis Scott Fitzgerald disse a um repórter que ninguém deveria viver além dos trinta. Isso foi em 1921, logo depois de seu primeiro romance, This side of paradise, explodir no paraíso literário como as chamas de uma tocha romana.

O poeta-profeta da neurose do pós-guerra contemplou ontem o seu quadragésimo aniversário aqui no quarto do Grove Park Inn. Passou o dia como passa todos os outros dias - tentando voltar do outro lado do paraíso, do inferno desesperador onde agoniza há dois anos. Ele não tinha companhia exceto pela enfermeira sulista de voz macia, maternal e indulgente e esse repórter. Com ela discutia coisas normais entre enfermeira e paciente. Com o seu visitante falava com entusiasmo, como um ator que, morto de medo de que seu nome caia no esquecimento, discute seu próximo papel.

Ele não enganava ninguém. Obviamente havia tão pouca esperança em seu coração quanto havia sol no céu chuvoso, coberto pelas nuvens que tampavam a vista da Sunset Mountain. Ele estava se recuperando das seqüelas de um acidente que sofrera há oito semanas, quando quebrou o ombro direito em um salto de 4,5 m de um trampolim.

Mas seja qual for a dor que a fratura ainda lhe cause, ela não justifica suas entradas e saídas da cama, seu nervosismo, suas mãos tremendo, sua face retorcida com a expressão sofredora de uma criança que foi severamente punida. Nem seria responsável pelas suas idas freqüentes a uma cômoda onde havia uma garrafa na gaveta. Cada vez que ele enchia o copo medidor em sua mesa de cabeceira, olhava suplicante para a enfermeira e pedia, "Só mais um?"

A cada vez a enfermeira abaixava os olhos sem responder. Fitzgerald não usou a contusão como desculpa para sua sede.

Várias coisas aconteceram ao papai aqui, disse ele, de um jeito cômico. Então ele ficou deprimido e começou a beber um pouco. O que eram essas "coisas", ele se recusou a dizer.

Um golpe depois do outro, disse ele, e finalmente algo aconteceu.

Porém antes de vir à Carolina do Norte fiquei sabendo alguma coisa da história recente de Fitzgerald através de seus amigos em Baltimore, onde ele viveu até julho passado. A mulher do escritor, Zelda, estava doente já há alguns anos. Dizem os seus amigos que uma noite, enquanto o casal andava pelos arredores de Baltimore, ela tentou o suicídio. A senhora Fitzgerald, como diz a história, se atirou nos trilhos bem na frente de um trem expresso. O próprio Fitzgerald, de saúde precária, correu e a salvou por um triz.

Outros incidentes aconteceram até que finalmente a senhora Fitzgerald foi para um sanatório perto da cidade, e seu marido logo a seguiu, ocupando um quarto no Park Grove Inn, um dos maiores e mais famosos hotéis fazenda dos Estados Unidos.

Mas os motivos do colapso de Fitzgerald são menos importantes que os efeitos causados no escritor. Em um artigo intitulado: "Pasting It Together", um dos três artigos autobiográficos publicados na edição de março da revista Esquire, Fitzgerald descreveu-se como "um prato trincado". "Algumas vezes, porém", escreveu, "o prato trincado precisa ficar no armário, precisa continuar a servir como uma peça de utilidade doméstica. Ele nunca mais poderá ser aquecido no fogão ou jogado com os outros pratos na pia; não será usado para visitas, mas servirá para colocar biscoitos, tarde da noite, ou para guardar as sobras na geladeira.”

Agora, o exemplo de cura para aquele que está no fundo do poço é levar em consideração aqueles que estão realmente destruídos ou sofrendo fisicamente - isso é uma beatitude para a tristeza em geral a qualquer tempo, e um conselho mais ou menos salutar para todos no dia-a-dia. Mas às 3 da manhã... a cura não funciona - e na verdadeira escuridão da alma são sempre 3 horas da manhã, dia após dia. Nessas horas, a tendência é de recusar-se a encarar as coisas o máximo possível, voltando-se para um sonho infantil... mas somos sempre despertos pelos vários contatos com o mundo. Encontramos essas ocasiões tão rápida e despreocupadamente quanto possível e voltamos uma vez mais para o sonho, esperando que as coisas se ajustem por uma grande graça material ou espiritual. Mas enquanto persiste o recuo, a chance de uma graça é cada vez menor - não estamos esperando pelo desaparecimento de uma única dor, mas sendo, sem querer, testemunhas de uma execução, a desintegração de nossa própria personalidade...

Ontem, ao final de uma longa e desarticulada conversa, ele falou sobre isso com palavras que não eram tão poéticas, mas nem por isso menos comoventes:

Um escritor como eu, disse ele, deve ter fé e plena confiança em sua estrela. É quase um sentimento místico, o sentimento de que nada pode acontecer-me, prejudicar-me ou tocar-me. Tomas Wolfe tinha esse sentimento. Ernest Hemingway o tem. Eu já o tive. Mas através de uma série de golpes, muitos por minha culpa, alguma coisa aconteceu a esse senso de imunidade, e eu perdi minha força.

Para ilustrar, contou uma história sobre seu pai.

Meu pai quando era criança viveu no município de Montgomery, Maryland. Nossa família esteve bastante envolvida com a história dos Estados Unidos. O irmão do meu bisavô era Francis Scott Key e escreveu The star-spangled banner; eu herdei seu nome. A tia do meu pai era a senhora Suratt, que foi enforcada depois do assassinato de Lincoln, porque Booth havia planejado o ataque a Lincoln em sua casa - você se lembra que três homens e uma mulher foram executados.

Como o caçula de nove filhos, quando fez 12 anos meu pai sentiu que a vida tinha acabado para ele. Logo que pode foi para o oeste, o mais longe possível das cenas da Guerra Civil. Abriu uma fábrica de móveis de vime em St Paul. Mas o pânico financeiro o atingiu na década de 1890 e ele faliu.

Voltamos para o leste e meu pai conseguiu um emprego de vendedor de sabão em Buffalo e trabalhou nesse emprego por alguns anos. Uma tarde - quando eu tinha dez ou 11 anos - o telefone tocou e minha mãe o atendeu. Não entendi o que ela disse, mas senti que era algo ruim para nós. Minha mãe, um pouco antes, havia me dado uma moeda para ir nadar. Dei o dinheiro de volta a ela. Sabia que algo terrível tinha acontecido e pensei que agora ela não poderia dispor desse dinheiro.

Então comecei a rezar. Meu Deus, rezei, por favor não nos deixe ir para o abrigo dos pobres; por favor não nos deixe ir para lá. Algum tempo depois meu pai chegou em casa. Eu estava certo, ele perdera o emprego. Naquela manhã, quando meu pai saiu de casa, ele era um homem relativamente jovem, cheio de energia e confiança; e quando voltou naquela noite, era um homem velho, um homem totalmente destruído. Perdera sua força vital, seus propósitos e foi um fracasso pelo resto de seus dias.

Fitzgerald esfregou os olhos, limpou a boca e ficou andando pelo quarto.

Ah , disse ele, eu me lembro de mais uma coisa. Quando meu pai chegou em casa minha mãe me disse: Scott, fale alguma coisa com seu pai. Eu não sabia o que dizer. Fui até ele e perguntei: Pai, quem você acha que será o próximo presidente? Ele olhou pela janela e não moveu um só músculo. Depois disse: Acho que será o Taft.

Meu pai perdeu sua força e eu perdi a minha. Mas agora estou tentado reavê-la. Comecei escrevendo aqueles artigos para a Esquire. Talvez tenham sido um grande erro. Meu melhor amigo, um grande escritor americano - o homem a quem chamo de minha consciência artística em um dos artigos para a Esquire escreveu-me uma carta furiosa, dizendo que eu era estúpido por escrever algo tão pessoal e triste.

- Quais são os seus planos, senhor Fitzgerald? Em que está trabalhando no momento?

Ah, em várias coisas, mas não vamos falar sobre os planos. Quando se fala sobre eles, alguma coisa acaba sempre se perdendo.

Fitzgerald saiu do quarto.

"Desânimo, desânimo, desânimo", disse a enfermeira. "Desânimo dia e noite. Tente não falar sobre o trabalho ou o futuro dele. Ele trabalha sim, mas muito pouco - talvez três ou quatro horas por semana." Ele voltou em seguida.

Devemos celebrar o aniversário do autor, disse alegremente. Devemos nos preparar para o banquete. Serviu-se de um outro drinque. Contra sua vontade, minha querida, e sorriu para a moça.

O visitante, seguindo o conselho da enfermeira, dirigiu a conversa para o início da carreira do escritor e Fitzgerald falou de como o livro This side of paradise foi escrito.

Eu o escrevi quando estava no Exército, disse ele. Tinha 19 anos e escrevi o livro inteiro um ano depois. O título também não é o mesmo. Originalmente, ele foi chamado The romantic egotis.

This side of paradise! Não é um lindo título? Sou muito bom com títulos; já publiquei quatro romances e quatro volumes de contos. Todos os meus romances têm bons títulos - The great Gatsby, The beautiful and damned e Tender is the night. Esse é o meu último livro. Trabalhei nele por quatro anos. Sim, escrevi This side of paradise no Exército. Não estive fora do país... minha experiência no exército consiste principalmente em me apaixonar por uma moça em cada cidade onde estive.

Quase saí do país uma vez. Eles nos fizeram marchar para uma expedição e depois de volta. Foi uma epidemia de gripe ou coisa parecida. Isso foi uma semana antes do armistício. Fomos alojados no Camp Mills, em Long Island. Escapei da fronteira para Nova Iorque - por causa de uma moça, sem dúvida - e perdi o trem de volta para o Camp Sheridan, Alabama, onde fomos treinados.

Então fiz o seguinte: fui até a estação Pennsylvania e requisitei uma locomotiva e um maquinista que me levasse a Washington para unir-me às tropas. Disse ao pessoal da estação que eu tinha papéis confidenciais para serem entregues ao presidente Wilson. Não poderia esperar um minuto e nem confiá-los ao correio. Eles caíram no meu blefe, tenho certeza que esta foi a primeira vez na história do exército americano que um tenente requisitou uma locomotiva. Alcancei o regimento em Washington e não fui punido.

- Mas, e sobre This side of paradise?

É verdade, estou divagando. Depois de dispensado do serviço militar, eu fui para Nova Iorque. Os editores recusaram meu livro. Então tentei conseguir um emprego no jornal. Fui a todas as redações de todos os jornais. Levei os scripts e as letras dos shows do Triangle, dos últimos dois ou três anos, embaixo do braço. Eu fui um dos mandachuvas do Triangle Club na Princeton e pensei que isso ajudaria. O pessoal das redações não ficou impressionado.

Certa vez, Fitzgerald encontrou um publicitário que lhe disse para ficar longe dos jornais. Ele o ajudou a encontrar um trabalho com a agência Barron Collier, e por alguns meses Fitzgerald escreveu slogans para adesivos de automóveis.

Eu me lembro, disse ele, do sucesso que fiz com um slogan para a lavanderia Muscatine Steam em Muscatine, Iowa - We keep you clean in Muscatine. Ganhei um aumento com ele. É um tanto pretensioso, disse o chefe, mas é certo que existe futuro para você na profissão. Em pouco tempo este escritório estará pequeno para você.

E assim foi. Não levou muito tempo para que Fitzgerald se entediasse por completo e abandonasse o trabalho. Ele foi para St. Paul, onde seus pais voltaram a viver, e pediu a sua mãe que lhe cedesse o terceiro andar da casa por algum tempo e lhe pagasse os cigarros.

Ela concordou, e em três meses reescrevi o livro todo. Os editores pegaram o manuscrito revisado em 1919 e o publicaram na primavera de 1920.

Em This side of paradise, Fitzgerald colocou uma de suas principais personagens zombando de conhecidos autores da época - alguns ainda continuam populares - nessas palavras:

Cinqüenta mil dólares por ano! Meu Deus, olhe para eles - Edna Ferber, Gouverneur Morris, Fannie Hurst, Mary Roberts Rinehart - não apresentam entre si uma só história ou romance que durará dez anos. Esse homem, Cobb - não acho que seja esperto nem divertido - e tem mais, não acho que muitas pessoas o sejam, exceto os editores. Ele só está grogue com a propaganda. E - ah, Harold Bell Wrigh e Zane Grey, Ernest Poole e Dorothy Canfield tentaram, mas eles estão presos pela total falta de humor.

E o jovem completava dizendo que não era por acaso que escritores ingleses como Wells, Conrad, Galsworthy, Shaw e Bennett dependiam dos Estados Unidos para a metade de suas vendas.

- O que pensa Fitzgerald sobre a atual situação literária no país?

Melhorou muito. A coisa deslanchou com Main Street. Acho que Ernest Hemingway é o maior escritor vivo da língua inglesa. Ele assumiu o posto quando Kipling morreu; em seguida vem Tomas Wolfe, e depois Faulkner e Dos Passos. Erskine Caldwel e alguns outros apareceram um pouco depois de nossa geração e não andam muito bem. Nós fomos produtos da prosperidade. A melhor arte é feita em tempos de opulência. Os que vieram depois de nós não tiveram a mesma chance.

Teria ele mudado de opinião sobre as questões econômicas? Amory Blaine. o herói do livro This side of paradise, prognosticou o sucesso da experiência bolchevista na Rússia e previu que o governo seria o eventual dono de todas as indústrias naquele país .

Ah, mas cometi um erro terrível, disse Fitzgerald. Você se lembra que eu disse que a publicidade destruiria Lenin? Essa foi uma ótima profecia. Ele se tornou um santo. Minhas opiniões? Elas continuam basicamente voltadas para a esquerda.

Então o repórter lhe perguntou como se sentia agora sobre a nova geração cujas efervescentes façanhas ele narrou em This side of paradise. E como se saíram eles; como estão agora?

Por que devo me preocupar com eles?, perguntou. Já não tenho minhas próprias preocupações? Você sabe tão bem quanto eu o que aconteceu com eles. Alguns viraram corretores e se atiraram pelas janelas; outros viraram banqueiros e deram tiros em si próprios. No entanto, outros são repórteres de jornal, e uns poucos vieram a ser autores de sucesso.

O rosto contraiu-se.

Autores de sucesso!, gritou. Oh, meu Deus, Autores de sucesso! Foi cambaleando até a cômoda e se serviu de outro drinque.
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