Herta Muller
Entrevista realizada por Graça Magalhães-Ruether, publicada n'O Globo, em 14/02/2013
Prêmio Nobel de Literatura em 2009, a escritora Herta Müller descreve em sua obra experiências de vítimas da ditadura. Filha de um integrante das SS, as tropas de elite dos nazistas, ela nasceu em 1953, na Romênia, onde, como integrante da minoria alemã, foi perseguida, presa e torturada. “É uma experiência que marca uma pessoa pela vida inteira”, diz a autora, que acaba de lançar no Brasil o romance “O homem é um grande faisão no mundo” (Companhia das Letras), enquanto aguarda a publicação, nos próximos meses, do também romance “Fera d’alma” (título provisório) e da coletânea de ensaios “Der König verneigt sich und tötet” (“O rei faz uma reverência e mata”, em tradução livre), ambos pela Globo Livros. Convidada a participar da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), em julho, e do projeto Fronteiras do Pensamento, na mesma época, Herta cancelou sua vinda, como O GLOBO antecipou anteontem, alegando problemas de saúde. Após viajar para o Hay Festival, em Cartagena, na Colômbia, de onde voltou no dia 2, ela diz que passou a sofrer de hérnia de disco e dores na coluna que a impedem de se movimentar sem o uso de remédios fortes. “Acho que não suportaria em breve um voo de mais de dez horas”, justifica. Na entrevista a seguir, concedida na Casa de Literatura de Berlim, ela fala do Brasil, dos livros que estão saindo no país, de regimes totalitários e de seu modo de escrever.
Como a senhora vê o interesse que sua obra desperta no Brasil, onde tantos títulos estão sendo lançados?
Não sei o motivo, mas acredito que os brasileiros que procuram ler meu trabalho sabem que meu tema é a ditadura, e o Brasil também já foi palco de uma. Certamente o regime ditatorial brasileiro foi diferente do romeno, mas também no Brasil eu acredito que a rotina era dominada nessa época pelo medo, pela incalculabilidade da vida. Além disso, acho que há alguma semelhança entre o estilo de vida que existe no Brasil e o que tínhamos na Romênia. Também no que se refere à pobreza, sobre como as pessoas nessa situação descobrem modos de torná-la mais suportável. A ideia de ser criativo na necessidade é algo que os romenos compartilham com os brasileiros. Trata-se de uma forma de vitalidade.
Ser presa e torturada faz surgir uma força incomparável a partir da luta pela própria sobrevivência?
Nem todos os presos e torturados por uma ditadura têm força para viver depois. A perseguição é pura destruição da substância. É uma experiência que marca uma pessoa pela vida inteira. Acho que tudo depende da condição da pessoa, do quanto ela consegue suportar, também fisicamente.
Após 26 anos na Alemanha e muitos livros sobre seu passado, conseguiu superar o trauma?
Acho que sim. Mas o que significa superar? O que houve fica registrado, embora a distância dos acontecimentos, com o tempo, faça surgir outra perspectiva. Escrevi meus primeiros livros quando estava na Romênia e era vítima da perseguição do regime. Quando escrevo hoje sobre o assunto, tenho mais calma por causa do distanciamento.
Em “O homem é um grande faisão no mundo”, escrito em 1986, o personagem Sr. Windisch espera licença para deixar o país. Na época, a senhora também esperava poder vir para a Alemanha, o que fez em 1987. Deixar a Romênia era o maior sonho?
Quando vejo esse livro, ele me parece um pouco irreal. Tenho essa impressão com tudo o que escrevi há muito tempo. Hoje, talvez o fizesse diferente, mas há passagens que ainda vejo como reais. Acho que, em todas as ditaduras isoladas, sair do país é um desejo coletivo. Veja quanta gente morreu tentando cruzar o Muro de Berlim.
Foi esse ódio contra o ditador que fez com que Nicolae Ceausescu e sua mulher, Elena, fossem executados logo após a revolução de 1989?
Sou contra a pena de morte, mas as monstruosidades de Ceausescu são indescritíveis. Ele mandou matar homens, mulheres e crianças. Seu filho Nico praticava sequestros. Mas acho que ele e a esposa foram executados porque os envolvidos praticaram um golpe. Queriam que ele morresse logo para que não falasse, porque os que mataram o ditador eram do poder. Ceausescu era um psicopata e não era mais aceito pelos próprios adeptos. Veja como ainda hoje Margot Honecker, viúva do ditador alemão Erich Honecker, fala de como tudo era bom na época da ditadura. Essas pessoas são incapazes de admitir a própria culpa.
E hoje a senhora vê a Romênia como uma democracia?
Nem tanto. O governo do primeiro ministro Victor Ponta está tentando fazer voltar o nacionalismo. As instituições culturais foram obrigadas a acentuar o aspecto nacional. Acho que isso é possível porque o passado fascista da Romênia, quando o regime de Bucareste, sob o ditador Ion Antonescu, aderiu a Hitler, não foi superado. Hoje partidos nacionalistas reabilitaram Antonescu e negam a existência do Holocausto.
Recentemente, a senhora criticou a Alemanha por não lembrar devidamente os exilados durante a ditadura nazista. Poderia explicar?
É que há uma enorme discussão sobre os integrantes das minorias alemãs no Leste Europeu que foram banidos após a Segunda Guerra. Mas antes, na era nazista, aconteceu o maior banimento da História, de deportados para campos de concentração, mas também de exilados, como o austríaco Stefan Zweig, que fugiu para o Brasil, para sobreviver. Essas pessoas que enfrentaram sozinhas o exílio, muitas após perder parentes nos campos de concentração, não são lembradas como deveriam. A maior tragédia foi o Holocausto, mas há também esse aspecto do exílio.
O seu pai foi um nazista ativo. Ele falou com a senhora dessa época?
Eu condenava seu passado, perguntava, mas ele nunca disse nada. No fim dos anos 1960, comecei a me informar sobre a responsabilidade da minoria alemã durante o nazismo. O pior foi que meu pai nunca se arrependeu, nunca admitiu que tinha sido um erro. Eu tinha pouco mais de 20 anos quando ele morreu. Por causa desse envolvimento, depois da guerra minha mãe foi deportada para um gulag na Ucrânia.
Em “Fera d’alma”, a personagem trabalha numa fábrica, como a senhora fez no passado. Essa história é também autobiográfica?
Alguns elementos são autobiográficos, não tudo. É verdade que trabalhei em uma fábrica, de tratores, máquinas e cerca de arame.
Em “O rei faz uma reverência e mata” a senhora fala de uma criança solitária na imensidão do campo...
Aí é tudo autobiográfico. Eu me sentia só antes de conhecer a palavra solidão. No nosso dialeto da região Banat não havia palavra para solidão. Eu era filha única. Meus pais trabalhavam e eu assumia tarefas, como pastorear vacas, limpar chiqueiro. Era um vale gigantesco e solitário. Eu me sentia perdida.
A senhora escreve em uma mistura de poesia e prosa. Começou assim para, com metáforas, fugir à censura?
Não. Acredito que é o meu estilo. Acho necessário que a literatura seja poética. Pela formulação poética tento fazer com que o texto seja menos artificial, reflita a vida. Tento fazer com que as frases contenham mais do que as palavras que estão ali. É o que me motiva a escrever. O que quero contar, sei de imediato. A questão é como contar.
É disciplinada como Thomas Mann, todo dia na escrivaninha?
Não. Tenho horror a esse clima de escritório. Trabalho de forma espontânea. Mas, quando começo, não paro.
Herta Muller
Entrevista publicada na revista ABC (es) em 7/4/2014, extraida do site www.abc.es em 20/4/2015
La escritora nació en el seno de una minoría alemana dentro de Rumanía. Y así se escribe su historia y su literatura, por la que recibe el Nobel en 2009. En esta entrevista abre la caja de los truenos contra el riesgo de los nacionalismos
La señora Müller es muy pequeña y de una delgadez extrema. Casi parece un pajarito. Es lo que pensaría cualquiera que se cruzara con ella por la calle. Además, viste de negro integral: del pelo a los pies. Sí, lo de pajarito le viene como anillo al dedo. Incluso el fotógrafo que la retrata para la entrevista incide visualmente en esta escueta silueta. La recorta sobre los collages que expone en el Instituto Goethe de Madrid.
Herta Müller es una mujer de frente, no tiene perfiles. Le comento que el fotógrafo, Matías Nieto König, es alemán, y que puede hablar con él sin necesidad de intérpretes. Ella contesta que no sabe «si eso -que sea alemán- es bueno o malo». Se trata de una broma, pero con lo que no bromea es con la prohibición absoluta de utilizar focos para la sesión fotográfica.
Los fogonazos le traen a la memoría los interrogatorios en las dependencias de la Securitate de Ceaucescu. Este detalle pone los pelos de punta, como cualquier otra secuencia de su biografía, por cuyos renglones discurren muchos de esos ríos y afluentes que van a dar al gran Danubio europeo que surcara Claudio Magris en su novela homónima.
Herta Müller ha conseguido navegar contra todas las corrientes totalitarias que se han cruzado en su camino: del nacional-socialismo a los campos de trabajos forzados soviéticos y la Rumanía de Ceaucescu. Por eso, es una voz dotada como pocas en el escenario europeo para analizar un presente que recuerda mucho al ayer porque nos adelanta un futuro que también se asemeja a ese pasado bélico, cuyos aniversarios ahora celebramos. El eterno retorno de la Historia, que Herta Müller denuncia con una contundencia que le sale de la mirada y del vibrato de la lengua alemana.
Su llegada coincide con el fallecimiento de Adolfo Suárez, el primer presidente de la democracia en España. ¿Conocía al personaje?
No en detalle. Yo solo sé que Adolfo Suárez fue primer ministro después de la dictadura y que fue muy importante para la transición a la democracia, pero bueno, lo que he leído en el periódico. De todas maneras, he venido a España muchas veces, desde hace bastantes años, porque Siruela ya hizo los primeros libros hace mucho; también vine aquí para realizar lecturas.
¿Ya tenía el Premio Nobel?
En aquella época no había tantos periodistas tan interesados por mí. Era muy normal que fuera así y también es normal como es ahora. Las cosas evolucionan, pasan, yo las coloco en su sitio… Sigo siendo la misma, lo que cambia es mi estatus en la cabeza de los demás. He vivido bastantes cosas y algo así no me resulta difícil de encajar. Sé muy bien quién soy y de dónde vengo. Eso no cambia, y un premio tampoco lo cambia.
Dice que sabe muy bien quién es y de dónde viene. ¿Quién es Herta Müller después de todo lo que ha pasado en y por su vida?
Al principio, solo sabía quién no quería llegar a ser. Por mi nacimiento, formaba parte de una minoría; por mi lengua, y luego dentro de esa minoría, yo me he comportado de una forma totalmente imposible y se me excomulgó, por así decirlo, por lo que escribía en mis libros. En mi primer libro escribí sobre la vida en esta minoría y también sobre la participación de muchos de sus miembros en el régimen nacional-socialista. Esto, por supuesto, me sacó de esa comunidad a la que había pertenecido. Me convertí en una minoría dentro de una minoría política. Esto hace que el círculo de amigos sea reducido y esté compuesto por personas que se encuentran en la misma situación.
Conoció la dictadura franquista por Jorge Semprún y usted vivió el régimen de Ceaucescu. Por todo ello, se ha convertido en luchadora incansable contra los regímenes totalitarios, independientemente de la ideología que los guíe.
Las dictaduras siempre se diferencian las unas de las otras, aunquen tengan muchas cosas en común. Es por lo que pienso que en la época de Franco ha debido de haber miles de biografías peores que la mía y también se pasó por una Guerra Civil. Esto a lo mejor causa más muertes que el chantaje frío que vivíamos nosotros. No es que no hayan muerto suficientes personas en Rumanía, no digo eso, pero el matar quizás era más abierto en España en la época de la contienda. Probablemente, en términos generales, lo que las dictaduras tienen en común es que el individuo no cuenta y que está prohibido pensar. Hay una ideología terrible a la que todo lo demás se tiene que someter y todo se instrumentaliza: la lengua, el pensamiento… Estos sí son denominadores comunes de todas las dictaduras. Cada dictadura tiene su propio estilo, pero los objetivos suelen ser los mismos. Lo que me alegró al recibir el Premio Nobel es que podía denunciarlas abiertamente, ante un amplio auditorio. Era una manera de llamar la atención internacionalmente y, sobre todo, quizás centrar el foco en las dictaduras de Europa del Este, hacia las que Europa Occidental ha sentido poco interés.
El escenario europeo no es muy halagüeño.
Hemos aterrizado en la era de Putin. Desde hace semanas, cuando empezaron las manifestaciones en Ucrania… En Alemania, al principio, casi no se prestaba atención a esos acontecimientos. No empezaron a fijarse hasta que dispararon los primeros tiros. También conozco a autores ucranios, y cuando se conoce a las personas y cuando se sabe que estaban allí, los acontecimientos se convierten en algo personal. Toda esa desestabilización en Ucrania fue fruto de una estrategia planificada por los servicios secretos. Un nacionalismo terrible en Rusia en esta ocasión, desde hace años, que ha ido subiendo de nivel.
¿De sus palabras se deduce que tiene bien tomado el pulso a Putin?
Putin lleva diez años haciendo que las cosas retrocedan hacia una dictadura. Los medios de comunicación prácticamente están unificados, todos son estatales. Hay un sinfín de personas en la cárcel o muertas, periodistas… Y para poder dar el paso que acaba de dar necesitaba una sociedad completamente vigilada y supervisada. Él es un hombre de la KGB. Era un pequeño hombre en la KGB y ahora lo es muy grande. Posiblemente ahí tenía algún complejo, alguna necesidad de recuperar su autoestima, y es terrible que Rusia ahora mismo esté siendo gobernada por la KGB. Todo el entorno de Putin, hoy, se compone de agentes de la KGB. Está instaurado el culto a la persona. Esto siempre es una mala señal. Los dictadores con culto a su persona se convierten en mucho más impredecibles en sus actuaciones. Todo esto es terrible y no se puede hacer nada, porque nadie quiere ni puede empezar una guerra, y Putin lo sabe, y eso es lo que lo hace tan terrible.
Ha logrado que el pueblo le apoye mayoritariamente.
Yo soy de la opinión de que en Rusia hay más nacionalismo y más personas que pertenecen a la extrema derecha, incluso con rasgos fascistoides, que en Ucrania. Es muy peligroso. Hace dos días leí un artículo en la prensa alemana, muy interesante, comparando a Putin y Mussolini. Un historiador lo demostró punto por punto: toda la actitud, todo el comportamiento exterior, toda la parafernalia y, por ejemplo, ese gusto por posar con el torso desnudo, las leyes o la colaboración con la Iglesia ortodoxa en Rusia. La institución está desempeñando ahora mismo un papel muy raro, nacionalista hasta decir basta. Es una Iglesia que ha recuperado todas sus posesiones, todo su oro, todas sus joyas, y ahora son seguidores incondicionales de Putin y están también contribuyendo a este resurgimiento del nacionalismo. Esto en el fascismo rumano también era así.
¿La Historia de Europa se repite alarmantemente?
Lo que estoy viendo ahora en la Rusia de Putin me recuerda mucho. Europa del Este vuelve a tener miedo, porque en Transnistria, Moldavia… Transnistria es otra zona con la que está intentando quedarse. Su argumento es siempre que es para proteger a los rusos. Le queda mucho por hacer. Todos los Estados bálticos tienen muchísimo miedo y la mayoría de estos países querían ser miembros de la OTAN para protegerse de Rusia. Y desgraciadamente se ve que tenían razón al pensar así, porque es quizá lo único que les pueda proteger.
Usted ha sido víctima de los nacionalismos. ¿Es el mal que siempre azota Europa?
Sí, el nacionalismo es algo peligroso, aísla, y siempre será contestado con otro nacionalismo. En España es otro tema que se conoce muy bien con Cataluña y los catalanes. Toda la promesa de felicidad de futuro se presenta como si dependiera de esta única dimensión. Ahí se pierde toda la racionalidad en último término.
Usted ha hablado mucho de la lengua y considera que esta no se puede identificar con el concepto de patria. No obstante, siempre se manipula con objetivos nacionalistas.
La lengua solo es una parte de la persona. Yo primero me crié con el alemán como lengua materna. Aprendí rumano en la ciudad a los 15 años, porque en el pueblo del que venía no había rumanos. Era de la minoría alemana. Había un pueblo húngaro, un pueblo eslovaco, tres pueblos rumanos alrededor, pero prácticamente siempre población de una etnia en cada uno de esos pueblos. De donde yo vengo, los únicos rumanos eran el médico y el policía, y no tenía especiales ganas de mantener relación con ninguno de los dos. Por eso yo aprendí rumano como lengua extranjera, en la ciudad, en una escuela, tres veces por semana.
Vayamos al lado literario. Siempre ha considerado el rumano una lengua muy próxima al realismo mágico.
A los 15 años me enamoré de ese idioma. Quise aprenderlo a toda prisa y me pareció sumamente sensual, las imágenes que esta lengua podía transportar… Ya había empezado a leer libros y ya me había fijado en la belleza de las metáforas o imágenes poéticas. Muchas veces me daba la impresión de que el rumano me era más próximo psicológicamente, en lo más íntimo, por cómo era su mirada hacia el mundo. Cada lengua mira el mundo de una manera distinta, afortunadamente.
¿Pero nunca ha escrito en rumano?
No sé hacerlo. No me sentiría segura. Pero el rumano escribe conmigo, porque también me he socializado en rumano, y por eso, a veces, no sé la procedencia de mucha de mis ideas. Las imágenes y la mirada del rumano han ido evolucionando en mi cabeza, por mucho que yo luego lo vierta al alemán, pero lo hago basándome en la mirada rumana. No puedo diferenciar entre las dos cosas. Incluso el dialecto en el que me he criado en el pueblo es diferente al alemán literario. Es decir, el primer idioma que tuve que aprender en serio fue el alemán para el colegio.
¿No siente cierta esquizofrenia lingüística?
Yo siempre tuve la impresión de que cada lengua es algo que tienes prestado. Después ya me fui a Alemania y es cuando más me di cuenta de que el idioma en sí no lo es todo. Mientras uno viva, lleva su idioma consigo, pero la patria también es aquel lugar donde pones los pies. Cuando no se puede vivir en el país en el que uno ha nacido y donde no siente una pertenencia, uno no tiene patria. Y esto el idioma no lo puede reemplazar. Es un tema complejo, algo que también apuntó Semprún. No es que la lengua sea la patria, sino que la patria es aquello que se habla. Es muy importante esa diferencia. Cuando lo que se habla es hostil, la lengua común no me sirve de nada. Todas estas perspectivas hay que tenerlas presentes.
Interpreto en todo lo que está diciendo que hay una gran reivindicación del individuo.
Es lo único de lo que uno se puede fiar. Todas las valoraciones colectivas son problemáticas y, por regla general, equivocadas, y siempre peligrosas. El nacionalismo siempre es algo colectivo. En los dos sentidos: se presenta como inofensivo de forma colectiva y también acusa de forma colectiva. En detalle, lo que vive es el individuo. En cuanto a lo personal, son los individuos, y, en cuanto a los objetos, son los detalles los que cuentan. Sin detalles y sin individuos no hay verdad.
¿Cuándo descubre que, de alguna manera, la escritura es necesaria para transmitir su experiencia?
No sé muy bien por qué escribe uno. No siempre he creído en ello, pero a pesar de todo, lo hago, posiblemente para ayudarme a mí misma, para encajar tantas cosas, enfrentarme a tantas cosas. Es un trabajo terriblemente duro, porque es artificial completamente. La vida se vive, no se escribe, afortunadamente. Y la vida no espera a que tú la hayas descrito o apuntado, afortunadamente. Yo, de alguna forma, intento llevar lo uno a lo otro, fundir lo uno con lo otro. Pero trasladar lo vivido a la palabra es un proceso totalmente artificial, y es algo que me da miedo de vez en cuando, y al mismo tiempo siento adicción por ello. Es muy complejo. Algo parece que me obliga a hacerlo, y es aquello que te da miedo, aquello que crees que no eres capaz de hacer.
Si no hubiera escrito, ¿qué piensa que hubiera sido de usted?
No tengo ni idea. Cuando era muy joven quería ser peluquera. Es una bonita profesión. También quería ser costurera. Tenía una tía en el pueblo que me caía muy bien, era muy bella. Tenía el pelo cobrizo y una piel como de porcelana, con muchísimas pecas. Y, sin embargo, se la consideraba fea en el pueblo, por el color del pelo y por las pecas. Y a mí siempre me parecía terrible que los alemanes la consideraran fea cuando a mí me parecía tan guapa. Yo siempre quería tener pecas y ser pelirroja. Pasaba días con ella. Hacía los patrones, cosía la ropa, ojales, los dobladillos… Todo eso lo aprendí con ella y sigo siendo capaz de hacerlo bastante bien. Después, cuando fui al instituto a los 15, había que pasar un examen de admisión, y mi madre me dijo: «Pruébalo, pero solo te dejo que pruebes una vez». Entonces yo ya sabía que solo tenía una oportunidad y tenía claro que, si no pasaba, me iba a convertir en peluquera.
¿Así que Herta Müller habría sobrevivido igual como peluquera que como escritora?
En realidad, yo creo que casi todas las profesiones son bonitas, pero, por supuesto, ahora sería otra persona. ¿Y qué? Nunca habría salido del pueblo, posiblemente me habría casado muy joven, posiblemente tendría niños, hijos, que ahora no tengo. ¿Y por qué no? No es nada tan especial ser escritora. Ahora hago otra cosa, pero bueno… Todos podríamos ser otra cosa. Hay tantísimas casualidades. ¿Usted siempre supo que quería ser periodista o que sería periodista? No, de repente, no se sabe lo decisivas que son estas coincidencias en nuestra vida, y es estupendo no saberlo. Empiezas de alguna manera y la vida te lleva hacia un sitio u otro, y el escribir en sí mismo también se debe a la casualidad, porque nadie te obligaba a empezar. Yo siempre he leído mucho y, de alguna manera, esto te lleva a la escritura. A veces también puede ser muy perjudicial, como todos los trabajos. Cuando es trabajo, muchas veces no me apetece escribir. A veces estoy muy bien sin escribir, como todo el mundo.
Parece una mujer tremendamente frágil. ¿Cómo se protege o se ha protegido a lo largo de su vida?
No, no me protejo. En todo caso, de forma instintiva. No tengo ningún sistema, ningún método, y creo que de poco me serviría. Todos los días hay momentos en los que uno no intenta entenderlo todo. Se necesitan estas ausencias, porque, si no, no se podría soportar la vida. Tensión, intensidad… Antes hablábamos de la política. Los nervios solo permiten hasta cierto punto dedicarse a algo con gran intensidad y con gran tensión. Posiblemente, en la cabeza haya algún chip que se desconecta cuando ya no puedes más y al poco rato vuelves a tomar conciencia de las cosas. Yo creo que tenemos una especie de circuito protector integrado. Esto, suponiendo que uno no esté muy dañado. Cuando los nervios están tan destrozados, este cuidado, esta autoprotección automática, ya no funciona. Yo conozco a personas así. Esto es terrible. Entonces, uno está perdido.
Usted conoce ese dicho de que el hombre es el único animal que tropieza dos veces en la misma piedra?
Lo malo es que no se repite exactamente lo mismo, sino que vuelve a surgir, porque son nuevos seres humanos los que cometen esos actos. Por ejemplo, la «guerra fría»: todos pensamos que había acabado. ¿Cuántas veces lo hemos dicho en estos últimos tiempos? Eso también te lleva a no fijarte más, a no prestarles más atención a las situaciones, porque yo creo que, por ejemplo, para Putin, la «guerra fría» nunca acabó. La restitución de un imperio era algo que él siempre tuvo claro que era su meta. O, por ejemplo, si miramos a América del Sur, una dictadura tras otra. Y el comunismo del siglo XXI: Venezuela ahora. ¿Qué demonios pretende que salga de esto? Ya lo estamos viendo, con Maduro… Acaba de morir uno y viene otro. Es siempre lo mismo. Y cuando ese tipo de personas empiezan a soñar, agárrate, porque entonces es verdaderamente terrible y pobla-ciones enteras tienen que suscribir estos sueños. Esto se repite ad infinítum. Digo «se repite» pero, insisto, no es repetición, es que vuelve a surgir. Creo que nunca habrá vida sin conflictos.
Disculpe, porque al final hemos hablado poco de sus libros. ¿Una obra con la que usted se quedaría de su producción literaria?
Por regla general suele ser la última obra, porque es la que más cerca está en el tiempo. El resto cae en el olvido. Yo olvido y además quiero olvidar mucho de lo que he hecho antes. No llevo este bagaje conmigo todo el tiempo.
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