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Grandes entrevistas

Lygia Fagundes Telles

Entrevistada no Program Roda Viva, da TV Cultura, em   sob o comando de Matinas Suzuki, com a participação de Ignácio de Loyola Brandão, José Castello, Ana Miranda, Jorge Escosteguy, Rinaldo Gama e Claudinei Ferreira.

Matinas Suzuki: Boa Noite. Ela é uma das mais importantes escritoras brasileiras. No centro do Roda Viva, que está completando 10 anos, está Lygia Fagundes Telles. A arte da paulistana Lygia Fagundes, veio a público pela primeira vez em 1944 com a publicação do livro de contos Praia viva. A então estudante de direito no conservador Largo São Francisco, recebeu o alerta pessimista da mãe: “Você já entrou para uma escola de homens, vai publicar um livro, agora você não casa mais”. Previsão ignorada por Lygia e desmentida pela vida. A escritora casou-se duas vezes, teve um filho e é mãe também de 17 livros de contos e romances traduzidos para o espanhol, francês, inglês, russo e outras tantas línguas. Em 1994, destaque na feira de livro de Frankfurt, na Alemanha, Lygia explicou porque desafiou os tabus da década de 1940: ”O homem deve estar feliz vendo a mulher livre, os dois, lado-a-lado, nivelados, nem superior, nem inferior, nivelados”. Feminista muito antes do movimento se estruturar, Lygia se auto denomina uma romântica. “Tão impossível procurar novas palavras para dizer ‘Eu te amo’ e no entanto estou eu em busca dessas palavras, dessas nova fórmula, são as aventuras da linguagem.” Romântica, que sofre em busca do texto perfeito. ”Esses temas que eu uso, em geral são temas difíceis, duros. Essa busca, essa aflição, essa ansiedade é sofrimento. Agora eu termino, então é a celebração, é a alegria porque terminei, porque eu estou em paz comigo mesma.”  A escritora está quase onipresente na vida cultural brasileira. Seus livros viraram peças de teatro, novelas e até filme como As meninas. “É extraordinário você encontrar as personagens que você idealizou ali na sua frente, vivendo aquela história, aquela trama. Paulo Emílio Sales Gomes tem uma frase muito boa, tinha uma frase muito boa, ele dizia que pior filme brasileiro é melhor do que o melhor filme americano. Isso é muito bom.” Essa alegre defesa da cultura nacional ganha ar mais sóbrio na Academia Brasileira de Letras. “Os gênios ignorados em um país de memória curta, que parece preferir os mitos estrangeiros, como se estivéssemos ainda no século XVII sob o cativeiro do Reino.” Ao tomar posse da cadeira número 16 da Academia, em 1985, Lygia recebeu também o título de imortal, mas a verdadeira imortalidade já estava garantida muito antes, através de sua própria obra. Boa Noite, Lygia.

Lygia Fagundes Telles: Boa noite.

Matinas Suzuki: Lygia, eu gostaria de abrir este programa e aproveitar, pelo fato de ser uma feliz coincidência, que esta semana nós estamos tendo em São Paulo uma série de homenagens ao Paulo Emílio Salles Gomes, que se vivo estivesse, estaria completando 80 anos este ano. Você que foi companheira dele por um longo período, 15 anos me parece, poderia dizer alguma coisa sobre essas homenagens, alguma coisa sobre o Paulo Emílio, que eu acho que seriam oportunas?

Lygia Fagundes Telles: Matinas, antes de mais nada eu gostaria de lembrar que esse vídeo [do início do programa] que eu vi, assim como se fosse uma outra pessoa, é curioso. Eu fiquei olhando com muita curiosidade para mim mesma, mas era uma outra pessoa, era uma personagem, não sou mais eu. É curioso isso, mas é mesmo, aconteceu isso. Então, eu queria, eu gostaria de lembrar que nesse documentário que foi apresentado aqui, o editor é Ricardo Miranda e o meu filho, Goffredo Telles Neto [filho de seu primeiro casamento, com o jurista Goffredo Telles], e a produção é de Paloma Rocha, a filha de Glauber Rocha [(1939-1981), considerado um dos principais cineastas brasileiro].

Matinas Suzuki: Então, está aí, Ricardo, Gofredo e Paloma, os créditos estão devidamente dados, faltaram ser mencionados, mas estão aí devidamente dados.

Lygia Fagundes Telles: Agora, você me perguntou sobre Paulo Emílio. Carlos Augusto Calil [cineasta e secretário municipal de Cultura de São Paulo], um querido discípulo de Paulo Emílio, professor na ECA, Escola de Comunicações e Artes da USP [Universidade de São Paulo], foi quem teve a idéia de fazer essa homenagem ao Paulo Emílio, que morreu em 1977. Então, ele morreu antes dos 60 anos, ele faria agora 80 anos. Então, eu abri esta semana lá na USP, fazendo um depoimento sobre Paulo Emílio, uma das pessoas mais extraordinárias deste país e que, como sempre acontece num país como o nosso, de terceiro mundo e tão colonizado, as verdadeiras personalidades, as grandes inteligências, são afastadas, digamos, elas ficam um pouco fora de foco. Então, é muito bom que de vez em quando essas personalidades sejam sacudidas e trazidas ao público, para que o público, que nunca soube da existência dessas pessoas, saiba que esse homem existiu, ele fundou a cinemateca brasileira, ele morou cerca de 20 anos em Paris e lá aprendeu com o diretor da Cinemateca Francesa toda a estrutura da cinemateca francesa, trouxe para o Brasil e criou aqui este luxo para o terceiro mundo que é uma cinemateca brasileira, que tem no momento cerca de 50 mil filmes. Toda a obra dos grandes cineastas brasileiros e também estrangeiros. Então, Humberto Mauro [(1897-1983), um dos pioneiros do cinema brasileiro], Glauber Rocha, está tudo na cinemateca, cinemateca esta fundada pelo Paulo Emílio. Fundou ele, Paulo Emílio, escolas de cinema por todo o Brasil. Foi o primeiro doutor em cinema no Brasil. Eu brincava: "agora, Paulinho, você precisava ter um anel, todo doutor tem um anel". Ele dizia: “Vamos ver uma cor de pedra que combinaria com a minha tez?” Então, justamente, foi assessor de Antonio Cândido [professor e crítico literário], na USP, na teoria, que é professor de literatura, foi ele assessor dentro do cinema. Era uma pessoa extraordinária, autor de um livro que fez muito sucesso na Alemanha, curiosamente a ficção do Paulinho fez muito sucesso na Alemanha. Três mulheres de três Ps, foi o último livro que ele escreveu e ele me dizia: “Como é bom fazer ficção, por que é que você não me disse que é uma delícia fazer ficção?” E ele transpirava, fazia muito calor, nós estávamos em Águas de São Pedro [cidade do interior do estado de São Paulo], um calor, ventilador e eu escrevendo justamente As meninas, eu estava escrevendo meu romance As meninas, e ele fazendo o livro dele Três mulheres de três Ps. E ele dizia: “Ser ficcionista é muito mais interessante do que ensaísta. Por que que você não me avisou?”  
Matinas Suzuki: Está bom. Ignácio, você queria fazer uma pergunta?

Ignácio de Loyola Brandão: Lygia, você é das poucas pessoas, ou dos poucos escritores, que além de escrever maravilhosamente, fala maravilhosamente. Que é essa sua paixão pela palavra. Antes da minha pergunta, que é muito rápida, eu quero contar um pequeno caso que talvez você se lembre. Nós estávamos na Colônia fazendo uma leitura e a tradução era simultânea, não era aquela tradução consecutiva. Então, estavam os alemães todos com seu áudio e você falava. Como sempre acontece, você passa, a partir de um certo momento, a delirar e você delirou, delirou, delirou e acontece que o sistema de som pifou, porque também na Alemanha as coisas não são perfeitas. O sistema de som pifou e os alemães ficaram te ouvindo. E você transbordava, cada vez mais excitada, cada vez mais cheia de imaginação, falando, falando, falando, até que te avisaram que o sistema de som tinha pifado, mas você olhou e os alemães mandaram que você continuasse. Você continuou a falar em português, eles não entendiam nada e no final levantaram e aplaudiram de pé. Não sei se você lembra disso. Eu conto esse caso para que você fale um pouco dessa coisa da paixão pela palavra. Quer dizer, essa paixão é tão grande que chega um momento em que você pode falar em português para uma platéia em alemão e eles entendem. Isso transmite aquilo que você quer falar. Essa paixão transborda de você?

Lygia Fagundes Telles: Ignácio de Loyola Brandão, meu companheiro das Alemanhas, nos perdemos e nos achávamos em Berlim. Essa paixão pela palavra é comum. Você também, Ignácio, você também é um apaixonado pela palavra. Essa, essa nossa...Isso é muito bonito viu da nossa parte, porque acontece que sem paixão, mesmo com competência, sem amor, mesmo com competência, você não consegue dar conta do seu ofício, está certo? Então, essa luta com a palavra que falava o nosso poeta Carlos Drumond de Andrade [1902-1987]: “Lutar com a palavra é a luta mais vã, tanto lutamos mal rompe amanhã”, nosso poeta Drumond. Essa luta com a palavra que exige também a luta com as pessoas. Eu prefiro ultimamente lutar mais com as palavras do que com as pessoas. As pessoas estão mais difíceis. Olha que parado é difícil para lutar, você sabe disso? Lutar com a palavra é difícil, as pessoas estão mais difíceis ainda. Eu diria lidar, lidar com as palavras, lidar com as pessoas. Então, essa paixão que você também tem, que é comum nossa, querido Ignácio Loyola Brandão, é uma paixão que eu acho que é aquela coisa do Machado de Assis [1839-1908]: “Essa é a glória que fica, eleva e consola”. Enfim, acho que a frase é mais ou menos “Essa é a glória que fica, eleva e consola”. Então, essa glória que nós temos, que é tão pobre num país pobre como o nosso, mas que é justamente, é uma alegria, que é a vocação. Pronto, eu respondo dizendo: nós temos vocação. Isso sem a menor soberba, sem a menor arrogância. Ignácio, não há nenhuma arrogância em se dizer isso agora. Eu, quando era muito jovem, eu comecei muito jovem, eu estava na faculdade de direito, publiquei meu primeiro livro lá, livro esse que eu cortei das minhas obras porque eu era muito imatura, aquelas coisas. Então, essa paixão, que é tão antiga, é a vocação. Eu tinha vergonha de dizer que eu tinha vocação, porque eu achava que a vocação exigia sucesso. Com o passar do tempo é que eu percebi. Não, não tem nada a ver com sucesso a palavra vocação.E ela é pura, ela é nítida, ela é isolada, não tem nada a ver com sucesso. Eu achava que vocação, a minha vocação é escrever, eu achava que havia uma certa arrogância nisso. Não, nenhuma arrogância. Inclusive, grandes e extraordinários escritores não tiveram o menor sucesso. Está certo isso? Muito depois da morte descobertos, reconhecidos. Não, não implica no sucesso. A vocação, que é o chamado vocare, do latim, que eu acho lindo, é o chamado, é o chamado. Nós somos chamados e cumprimos. Eu estou falando com você porque a sua paixão também é a mesma. Então, são 2 apaixonados, modéstia à parte, pela palavra sem exigir dessa vocação o sucesso, que, aliás, venha ou não venha, não tem importância nenhuma, cumprimos a nossa tarefa.

Jorge Escosteguy: Lygia, por que que está cada vez mais difícil lidar com as pessoas?

Lygia Fagundes Telles: Quem está perguntando? Dificílimo, porque as pessoas, porque o planeta está enfermo. Este planeta aqui, o nosso planeta, o nosso país principalmente, é um planeta enfermo. Então, está dificílimo lidar com as pessoas, porque as pessoas...Há um medo para começar, um medo que se espalhou no mundo, um medo, um medo físico, um medo universal. Esse medo faz com que as pessoas fiquem mais complicadas, embrulhadas, se você quiser uma expressão diferente, embrulhadas. Esse embrulhamento das pessoas faz com que para desembrulhá-las seja mais complicado. Eu também teria de me desembrulhar, me dar a elas. Essa doação e essa recepção humana entre os seres eu estou achando mais difícil. Eu estou notando o seguinte: quando eu converso com as pessoas, principalmente pessoas que eu conheço pouco, que eu conheço mal, eu fico cheia de dedos. Eu tomo muito mais cuidado. Elas estão, sim, mais difíceis.

Claudinei Ferreira: Lygia, agora, como é que fica então escrever neste mundo? Porque quando você escreve, o livro vai para as livrarias, você escreve para essas pessoas também. Acho que, até quando você está escrevendo, não sei se você imagina um pouco isso, você está escrevendo para essas pessoas que são difíceis de lidar. Como é que, então, muda o jeito de escrever? Quer dizer, há 20 anos era mais fácil, porque lidar com as pessoas era mais fácil?

Lygia Fagundes Telles: Não, não há mudança nenhuma. Eu quero dizer o seguinte: eu continuo escrevendo com o mesmo amor, com a mesma compaixão e eu creio que o escritor tem que ter sim a emoção, a compaixão. Conversando com meu filho, Goffredo Telles Neto, ele gosta muito de separar as palavras. Ele separa: com - paixão. Essa compaixão com que eu escrevo é a compaixão, entende, que eu tenho pelo outro, sabendo como está difícil este mundo e sabendo que a minha palavra é a única forma de atingir o meu próximo. É a única forma. É a única forma. Então, eu procuro fazer com que essa palavra seja como uma espécie de ponte que se estende para o próximo. E eu, através dessa ponte, eu digo: vem até onde eu estou. Se eu puder ajudar o meu próximo, veja bem, no seu sofrimento, no seu medo, na sua luta que é a minha luta também, que é o meu medo, que também é o meu sofrimento, se eu puder ajudar o outro com essa palavra missão cumprida. Quando a morte olhar nos meus olhos e disser: “Vamos?”. Eu direi: "estou pronta, eu fiz o que pude".

Claudinei Ferreira: Não é um fardo grande demais para o escritor? Não é um trabalho grande demais para o escritor?

Lygia Fagundes Telles: Você sabe que não. Não considero um trabalho grande, assim, no sentido grande, não, não, não, inclusive...

Claudinei Ferreira: Nem pesado?

Lygia Fagundes Telles: Tem um peso, mas se você ama o seu trabalho, e aí eu não gosto de dar definições, mas há uma definição que é muito boa, que vocação é a felicidade. Ai que lindo heim! Ô Ana Miranda e os escritores aqui presentes, são todos escritores. Bom, estou rodeada de escritores. Então, vocação é a felicidade de exercer o ofício da paixão, pronto, paixão. Então, se eu estou exercendo esse ofício, dificílimo, pesado, seja o que for, eu estou feliz porque eu estou, como diz o jogador de futebol, suando a camisa, dando o melhor de mim mesmo. Eles dizem muito isso: eu dei o melhor de mim mesmo. Então, estou fazendo também isso.

José Castello: Lygia, você falou do medo dos outros, mas eu já li também entrevistas suas, inclusive na pesquisa que foi oferecida pelo programa, em que você fala muito do medo como um algo essencial para a própria criação. Quer dizer, escrever é um pouco lutar contra o medo. No seu caso pessoal, contra que medos você luta quando escreve?

Lygia Fagundes Telles: Querido José Castello, você que entrevista tantos e tão bem os escritores, você sabe que esse medo existe em nós todos, que é o medo universal, é o medo físico, é o medo...

José Castello: Mas de quê?

Lygia Fagundes Telles: É indefinido, é o medo da morte, da nossa própria fragilidade. Somos frágeis. Voltando ao poeta que eu amo tanto, Carlos Drumond de Andrade [1902-1987], quando ele diz: “Meu Deus, por que me abandonaste se sabias que eu não era Deus, se sabias que eu era frágil?”. Nós somos muito frágeis. Eu sou frágil, você é frágil, somos todos frágeis. Então, esse medo existe dentro da nossa condição, nascemos com ele e tentamos, aí sim com coragem, reduzir, pelo menos reduzir. Este gesto que eu faço [com os punhos fechados], está me faltando a palavra....Apoucar, fazer desaparecer mesmo esse medo. Você sabe que quando o polvo no mar se sente perseguido, certo tipo de polvo, ele destila, ele solta uma tinta negra. Eu acho bonito isso, ele solta tinta negra para não ser visto, para fugir, e no meio daquela água escura e ele pode desaparecer dos seus caçadores. Nós não temos tinta para destilar, nós estamos transparentes. Nós temos que ser transparentes para podermos nos ver. Eu tenho que ver você, porque eu sou escritora. Eu tenho que saber de você. Eu não tenho tinta nenhuma para fugir de você ou para justamente fazer com que você também suma. Nos proteja, nós não temos proteção. Então, é esse medo ao qual eu me refiro, porque tem pessoas arrogantes: “Ah, eu não tenho medo.” Eu tenho medo sim, mas é preciso vencer esse medo através...Por exemplo, eu acredito em Deus, pronto. Talvez seja uma resposta. Eu acredito em Deus, então, eu peço a Deus muitas vezes, e muitas vezes eu entrego nas mãos Dele, a minha fragilidade: “Por que me abandonastes? Sabias que eu não era Deus, sabias que eu era frágil.” Pois é, essa fragilidade eu entrego nas mãos de Deus e eu quero que ele me ampare e me ajude na minha luta, nessa luta que é uma luta dura, que nós estamos num mundo bastante duro, nós não podemos nos iludir. Castello, nem você se ilude, você sabe que é uma luta duríssima, é uma guerra. Você se levanta, principalmente mulher, agora a coisa está melhor, mas antes nós, as mulheres, tínhamos que matar 5, 6 leões e vocês menos. Sorte que agora a coisa está mais equilibrada.

Rinaldo Gama: Lygia, a senhora tem dito que às vezes prefere ser amada do que compreendida no universo diante dos leitores. Portanto, seria mais interessante ter esse reconhecimento aqui, agora, enquanto a senhora está viva, do que na posteridade. Eu queria saber se isso destoa desse empenho da escritora, de fazer o melhor, de ser perfeccionista, como a senhora é. Isso de algum modo vislumbra uma sobrevivência dos seus livros para além da sua morte. Eu queria que a senhora falasse um pouco dessa dualidade: a vontade de ser reconhecida, de ser amada e até nem compreendida, mas amada agora, no presente. E esse esforço de perfeccionismo para que seus livros não caiam no chamado mar morto, não desapareçam.

Lygia Fagundes Telles: Rinaldo, essa pergunta me remonta àquela que fez o Ignácio de Loyola Brandão. A Alemanha, foi lá justamente que eu disse isso, eu não quero ser, eu não faço questão de ser compreendida. O escritor não precisa ser compreendido, não é? Ei, Ana, os escritores, cadê os ficcionistas aqui presentes?

Matinas Suzuki: Televisão é um pouco de ficção também. [Risos]

Lygia Fagundes Telles: Televisão é ficção, pois é. Não, porque a compreensão é muito difícil. Muitas vezes uma palavra, o sentido que você quer dar, também é ambíguo, às vezes. O escritor pensa em ambigüidade, o escritor contorna, ele também não abre muito o jogo, ele joga, o leitor fica um cúmplice, fica um conivente, como um criminoso que vai cometer o seu crime e que precisa então de toda aquela circunstância que vai ajudá-lo a fazer a coisa o mais perfeitamente possível. Então, na Alemanha eu dizia, eu disse essa frase acho que também nesse documentário do meu filho e do Ricardo Miranda, eu acho que eu disse isso também: eu não quero ser compreendida, eu não faço questão. O amor me parece importante. O amor, o amor, a palavra eu acho que é insubstituível, o amor. Se um texto meu interessa...A Ana Miranda e o Ignácio Loyola sabem disso, e aquele extraordinário biógrafo ali, que escreve biografias também apaixonado, que é o Castello, as paixões todas, Vinícius de Morais [1913-1980, poeta, escritor, compositor, cantor e diplomata]... Eu acho que o Vinícius também pensava isso. Se não me engano ele disse isso um dia: “Olha, Lyginha”, ele me chamava de Lyginha. “Lyginha, o que me importa que não sei o quê e tal. Eu quero é o amor.” Aquele amor que ele falava, aquele amor carioca, amor, então, esse amor seria esse interesse pelo meu texto, porque nós estamos, e você me disse justamente isso, nós estamos num país onde os leitores, a faixa dos leitores, não é aquela faixa ideal, é uma faixa bastante...No Nordeste, se não me engano, os jornalistas e os técnicos aqui presentes, dessas estatísticas deslumbrantes que fazem às vezes, a faixa de analfabetos nos estados do Nordeste e do Norte é 46% da população. É muito grande. Então, os poucos leitores que vão a uma livraria, que compram seu livro, o que quê você quer deles? É simplesmente que eles tenham interesse por você de vez em quando. Essa é a glória que Machado de Assis talvez não tivesse pensado nela, mas eu penso nela. Essa é a glória que fica e eleva, honra e consola em honra. Eu tinha esquecido, essa é a glória que fica, eleva, honra e consola. Às vezes eu estou comprando laranja, comprando alcachofra e vem uma pessoa, bate no meu ombro e diz: “Gostei do seu livro”, ah, pronto [suspira]!

Matinas Suzuki: Ana, por favor.

Ana Miranda: Lygia, você falou de 3 coisas que são muito importantes como temas das suas dúvidas, das suas preocupações. Você falou no amor, você falou na paixão e você falou no medo. Tem um outro tema que eu percebo que é sempre uma preocupação sua e que eu encontro nos momentos mais inusitados, como, por exemplo, quando você fez o seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras. É um discurso belíssimo. Você começa falando sobre um professor de química que vai fazer uma experiência com os alunos, com vocês, e ele tem uns vidros com uns líquidos. E ele diz: “Este líquido é azul e ele vai se transformar em um líquido vermelho.” E ele faz as mágicas dos produtos químicos e tal. O líquido se transforma num líquido amarelo e não azul, como ele estava esperando, e ele fala sobre o imprevisto que existe no mundo, na vida. Isso, surpreendentemente, no seu discurso de posse, que é uma coisa muito importante, que se espera que seja uma coisa síntese da sua pessoa e das suas preocupações. É um intróito, é uma introdução a você falar sobre a loucura. Então, eu queria saber o quê que significa para você a loucura? Porque eu sinto que você não tem medo da loucura, como se a loucura fosse um descanso, uma dádiva de Deus.

Lygia Fagundes Telles: É curioso, Ana Miranda, você lembrar isso. O meu primeiro romance, no meu primeiro romance, Ciranda de pedra, que eu escrevi em 1953, foi publicado em 54, há uma personagem importante que é a mãe da menina, da Virgínia. Ela é louca. A temática me persegue de um certo modo. Você como ficcionista, Ignácio, também os ficcionistas aqui presentes sabem perfeitamente que há temas que vão até o fim. Às vezes até usam máscaras, são temas que às vezes mascaram para não ficarem repetitivos, mas você levanta a máscara e está lá o tema. É aquele. Então, a loucura, o acaso, o imprevisto, esses são temas que me apaixonam demais. Justamente nesse livro Ciranda de pedra, há uma louca. Ela vê nascer raízes das mãos. Então, me fascina sim a loucura. Eu estava lendo outro dia o Castello. Uma entrevista que você fez com o Cardoso Pires [(1925-1998), escritor português], que o Cardoso Pires teria tido um desastre qualquer, um vascular e tal, e ele ficou durante algum tempo sem memória, está certo?

José Castello: Sem sentimento e emoção.

Lygia Fagundes Telles: Eu diria melhor: sem emoção. Sem memória e sem emoção. Você sabe que quando eu li, eu fiquei parada nesse trecho da entrevista e pensando: seria como um certo fascínio ficar um tempo sem memória, se desaparece tudo. Entra a minha empregada: como é teu nome? O cachorro vem e te beija, no caso o gato. Eu tinha, vocês viram que apareceu um gato lá no vídeo [do início], eu tinha paixão, tenho paixão por gatos, gatos e cachorros, bichos da minha preferência. Então,o cachorro vem te beijar e você olha para ele e diz: meu Deus, eu preciso chamá-lo mas eu não sei o nome dele. Bonito isso. É o sentimento também, não é? A emoção também desapareceria, não é uma paz? Que não é morte, porque você está vivo, então, seria uma trégua. Você sabe disso porque você entrevistou o Cardoso Pires, que viveu essa espécie, que não é loucura porque ele não estava louco, mas era considerado um anormal, estava fora de todo contexto do cotidiano, do ser normal, do ser comum, do ser diário, ele ficou fora.

Matinas Suzuki: Lygia, o nosso telespectador lá de Salvador, o Suênio Campos de Lucena.

Lygia Fagundes Telles: Ah, eu gosto dele, nós nos correspondemos.

Matinas Suzuki: Está aqui na nossa nova fichinha do Roda Viva 10 anos. Está muito bonitinha.

Lygia Fagundes Telles: É, nós nos correspondemos. É um jovem.

Matinas Suzuki: Diga o seguinte: tempos atrás o Mário de Andrade [1893-1945, escritor] te fez um pergunta e eu gostaria de repeti-la hoje, você prefere ser bonita ou inteligente? [Risos]

Lygia Fagundes Telles: Ele é tão jovem, tão jovem [referindo-se ao Suênio]. Eu era muito jovem quando Mário de Andrade me fez essa pergunta. Nós fomos tomar um chá na Confeitaria Vienense. Você já imaginou uma confeitaria com violinos, garçons de smoking, finíssimos, e eu tomando um chá com Mario de Andrade. Então, ele fez esta pergunta, mas eu era jovem, bonita e eu queria ser mais inteligente do que bonita, porque era uma coisa o preconceito. Aquela escritora que é jovem e bonita deve sofrer esse preconceito que eu sofri na carne, o negócio assim de que eu era bonitinha e tal. Então, eu queria que me respeitassem e não respeitavam porque vinham com negócio de beleza. Eu ficava uma fúria, está entendendo? E eu dizia: "estou escrevendo tão bem e vocês não estão falando do meu texto, estão falando da minha cara". Isso me deixava muito infeliz e eu me sentia perseguida. Agora o Suênio me faz essa pergunta. Ah, Suênio, só você mesmo, tão jovem e tão delicado poderia fazer essa pergunta hoje.

Matinas Suzuki: Imagina, você continua bonita e inteligente.

Ignácio de Loyola Brandão: Lygia, há tempos atrás teve um poeta que se atirou num vulcão. Isso foi um ato de loucura? E esse seu fascínio pela loucura tem alguma relação com esse ato desse poeta que é parente seu?

Lygia Fagundes Telles: Silva Jardim [(1860-1891), aos 31 anos morreu no vulcão Vesúvio, na Itália]

Ignácio de Loyola Brandão: Silva Jardim.

Lygia Fagundes Telles: Foi um lutador pela república e tal. A minha mãe era Silva Jardim e quando meu pai ficava irritado com ela, o meu pai, Durval Fagundes, ele dizia: “Zazita, não venha com jardinadas.” Jardinadas é loucura. Porque esse Silva Jardim, segundo a história, ele teria afundado porque era muito ousado. Foi o guia atrás dele: doutor, italiano, Vesúvio, não, cuidado e tal. De repente ele desapareceu, foi engolido. É raríssimo alguém sumir. Ele era poeta também, proclamador, enfim, um lutador pela república. Então, na história aquilo era tido como um acidente, mas houve muita gente que achou que ele foi assassinado. Agora, quando eu era menininha, eu não sabia matemática. Então, eu tinha notas medonhas. Ainda não sei, até hoje os números para mim são misteriosíssimos. Até hoje eles me desafiam com uma arrogância antiqüíssima. Então, como eu não sabia aritmética, não sabia tabuada, não sabia nada, a minha professora dava notas baixas. Um dia eu disse: é, mas o meu tio caiu dentro de um vulcão [risos]. “Menina mentirosa.” Eu comecei a chorar. É verdade. Eu contei em casa aos prantos e a minha mãe então se vestiu para me defender. Minha mãe era uma defensora. Ela se vestiu, foi lá no grupo escolar, na escola, e disse: “A senhora chamou a minha filha de mentirosa. Silva Jardim caiu dentro de um vulcão. Era meu parente.”

Claudinei Ferreira: Lygia, você está falando de loucura e a Ana Miranda lembrou de uma outra expressão, outra palavra que também é grata a você, que é a coisa do imprevisto, do acaso, mas eu quero saber se isso tudo se reflete quando você senta na frente da máquina e começa a escrever. Você é uma ditadora dos seus personagens? Você é autoritária com eles ou eles tem liberdade?

Lygia Fagundes Telles: Olha, que pergunta. Pois é, você sabe que há uma mistura nisso, porque o escritor, o ficcionista, dá liberdade à personagem até um certo ponto, mas acontece que a personagem, como nós mesmos, cria forças, vida própria. Ela monta no cavalo e quer tomar os seus destinos, sua direção. E é bonito isso. Sartre, justamente Sartre, Jean Paul Sartre [(1905-1980), filósofo existencialista francês] tinha implicância pelos escritores que condenavam as personagens a um destino. Então, ele dizia: “Não, a personagem é viva como nós mesmos.” Então, a personagem tem que ter uma vontade às vezes e, muitas vezes, durante o texto em que ela está sendo formada, que ela está sendo criada, no próprio ato da criação, a personagem adquire uma vida. Você quer segurar e ela vai embora.

Claudinei Ferreira: Mas quando você começa um livro com tal personagem, ele é assim até o fim? Quer dizer, ele faz loucuras no meio ou não, você vai tendo as idéias?

Lygia Fagundes Telles: Há certas mudanças. Há sim, Claudinei, há certas mudanças com a personagem muitas vezes, mas em coisa menores. Hein, ficcionistas? Em coisa menores, ficcionistas presentes, em coisas menores. No principal, eu decido.

Claudinei Ferreira: Não tem loucura?

Lygia Fagundes Telles: Tem loucura também, minha decisão pode ser loucura [risos]. Mas acontece, Claudinei, que, por exemplo, eu vou dar um exemplo: quando eu escrevi meu romance As meninas, que é o livro que foi escrito no período da censura, no período do golpe militar de 1973, publiquei o romance em 74. Em 77, eu estava indo com, janeiro de 77, um parêntese, esse ano me deixa muito feliz por ter feito isso. Em 77, em janeiro, com Nélida Piñon [primeira escritora a presidir a Academia Brasileira de Letras], com o Jéferson de Andrade [escritor] e com Hélio Silva [1904-1995, historiador], fomos para Brasília, tomamos o avião, fomos levar o Manifesto dos Mil [assinado por mil intelectuais, que foi o primeiro manifesto importante da sociedade civil brasileira contra a censura. Aquele lá [aponta Ignácio de Loyola Brandão], censuradíssimo, certo?

Ignácio de Loyola Brandão: Foi por causa do Rubem [Fonseca, escritor que teve o livro Feliz ano novo censurado] e do Zé Louzeiro [o escritor José Louzeiro teve o romance Araceli, meu amor censurado] o manifesto?

Lygia Fagundes Telles: Zé Louzeiro, os livros censurados, peças teatrais censuradas, a música, tinha até uma censura na imprensa, não gostavam que falasse dos padres que abandonavam a batina. Tinha uma coisa que não podia dizer...[tentando lembrar] Ah, segundos casamentos também, eram contra os segundos casamentos. Eu quero dizer, a mulher ou o homem abandonava o primeiro casamento e ia morar com Antonio, com Pedro, com João, enfim, não interessa, uma nova união, não gostavam que essa notícia fosse divulgada. Era uma loucura. Então nós fomos, tomamos o avião, fomos para Brasília levar esse manifesto para o ministro Armando Falcão no Palácio da Justiça [Ver entrevista com Armando Falcão no Roda Viva]. Ele não nos recebeu, mas a imprensa estava lá. Ah, foi a glória! Era uma estratégia. Então, a imprensa deu o maior destaque a esse manifesto. Eu me lembro que as primeiras assinaturas, Claudinei, eram do Antonio Cândido, Prudente de Morais Neto, Oscar Niemeyer, Jorge Amado e aí vinha o Sergio Buarque de Holanda, Chico Buarque de Holanda, Tom Jobim, Paulo Emílio Sales Gomes, Décio Almeida Prado [citando escritores, músicos e intelectuais]. Então, lá fomos nós gloriosos levar o tal Manifesto dos Mil, mil assinaturas contra a censura, foi uma coisa lindíssima. Mas por que que eu estou falando nesse Manifesto?

Claudinei Ferreira: Estava falando das Meninas, tinha publicado As Meninas.

Lygia Fagundes Telles: Ah, sim. Pois é, pronto. Eu faço minhas regressões e vocês me ajudam a voltar ao tronco. Grande sertão: veredas [fazendo analogia livro famoso de Guimarães Rosa]. Então, eu vou para as minhas veredas e vocês me ajudam. Bom, justamente nessa época, que foi 73, eu escrevi As meninas, que eu considero um livro completamente contundente dentro daquela pasmaceira em que estava o momento, grande parte, certo Loyola Brandão, da literatura brasileira, das artes.

Matinas Suzuki: Lygia, você ficou satisfeita com o filme [baseado no livro As meninas]? Você gostou do filme, da adaptação feita pelo cinema?

Lygia Fagundes Telles: Eu gostei sim. É um filme delicado e digno. Você sabe, Matinas, o escritor não pode exigir que em um cinema como o nosso, que não tem uma estrutura como o glorioso cinema do primeiro mundo, nós estamos no terceiro mundo, nós não podemos fazer exigências maiores aos adaptadores, aos diretores. Eles fazem o que podem dentro das estruturas nossas que são modestíssimas. Então, esse filme é digno sim, muito delicado, as 3 jovens que fazem as 3 meninas do meu romance As meninas, as três atrizes, foram premiadas 2 vezes no exterior. Então, está certo. Eu que sou autora gostaria de fundamentar, o ficcionista quer fundamentar as suas personagens, ele quer interferir, mas eu nunca interfiro, eu nunca interferi, não, não. A máquina, a televisão, como o cinema, é uma máquina de fazer doidos, você não pode entrar nela. 

Jorge Escosteguy: Agora, o filme é melhor do que qualquer filme americano?

Lygia Fagundes Telles: Como é?

Jorge Escosteguy: O filme é melhor que qualquer melhor filme americano?

Lygia Fagundes Telles: Eu repito Paulo Emílio Sales Gomes: “Um filme brasileiro por pior que seja é melhor que qualquer filme do primeiro mundo.” E eu digo isso.

Jorge Escosteguy: Mas ao mesmo tempo você foi muito condescendente com o filme na sua descrição ao...

Lygia Fagundes Telles: Não existe condescendência, nós temos que compreender que estamos em um país tão maravilhoso, está certo, e tão miserável. Nós temos que compreender que essa força econômica, essa coisa assim...Somos, então, seres lutando justamente para mostrar a nossa face, que é uma face dolorida sim, é difícil, mas é a face que nós temos. Então, essa vontade de luta que existe em todo leque das artes brasileira, das artes no Brasil, essa vontade de mostrar essa face nossa com todos defeitos, com todos as fragilidades, essa vontade de não ser colonizado, de não mostrar o cinema colonizado - e nós nunca fomos tão colonizados como agora, você sabe disso - essa vontade heróica de lutar para mostrar o melhor também do cinema e por isso Paulo Emílio dizia: “Eu perdi tempo vendo o cinema do mundo. Eu devia estar no meu país”. Ele tinha uma certa tristeza de ter perdido tanto tempo,15, 20 anos no exterior. Quando ele voltou para cá, ele se entregou completamente ao Brasil, país mestiço, paupérrimo, com tantas deficiências e repito, tão miserável e tão maravilhoso. Você está compreendendo? É essa a luta.

Jorge Escosteguy: Por isso a provocação.

Lygia Fagundes Telles: A provocação. Quem me chamou?

Matinas Suzuki: Lygia, nós vamos fazer um pequeno intervalinho e a gente volta daqui a pouquinho com o segundo bloco da entrevista de Lygia Fagundes Telles. Até já.

[intervalo]

Matinas Suzuki: Nós voltamos com o Roda Viva que entrevista esta noite Lygia Fagundes Telles. Lygia, na nossa pesquisa sobre você, que o Jaime prepara tão bem para cada programa, com tanto carinho, eu li uma entrevista que outra grande escritora, Clarice Lispector, fez com você. Primeiro, fiquei imaginando que a imprensa já teve colaboradores melhores no Brasil. Quisera eu participar de um jornal que tivesse uma figura como Clarice Lispector fazendo entrevistas. Mas eu fiquei, desculpe até...

Ana Miranda: Ela foi mandada embora.

Matinas Suzuki: Foi mandada embora? Bom, pois é, olha aí, continua a mesma [risos]. Desculpe um pouco a indiscrição, mas eu fiquei curioso, na introdução ela diz o seguinte: “As nossas conversas são francas e as mais variadas. Ora se fala em livros, ora se fala sobre maquiagem e moda, não temos preconceitos, às vezes se fala em homens.” O que quê vocês falavam sobre os homens? [Risos]

Lygia Fagundes Telles: Ai, Clarice. Bom, o negócio é o seguinte: eu tive pouco, engraçado, eu não tive muito contato com a Clarice, mais os contatos que tivemos foram muito profundos. Sabe uma coisa assim? Eu a admirava muito e ela também gostava do meu trabalho. Então, conversávamos, principalmente em uma viagem que fizemos para a Colômbia, nós fomos à Cali, no Congresso de La Nueva Narrativa, fui milhares de vezes nesses congressos com o Loyola, com Ana Miranda, Congresso de la Nueva Narrativa Americana e tal. Lá estava eu com Clarice e estava o Vargas Llosa [Mário Vargas Llosa (1936-), escritor peruano consagrado internacionalmente,  é também jornalista, dramaturgo, ensaísta e crítico literário. Foi professor em diversas universidades americanas e européias, ao longo dos anos, e tem uma vasta produção literária, principalmente romances, entre eles: Conversa na catedral e Tia Julia e o escrevinhador. Ver entrevista com Llosa no Roda Viva], jovem, lindíssimo, ainda não era essa glória que é hoje, essa coisa toda. Estávamos lá e um dia íamos nas sessões. Então, a Clarice me disse, ela tinha aquela fala ótima, ucraniana, era uma fala assim: “Lygia, está muito chato aqui dentro, vamos sair.” [fala imitando o sotaque ucraniano] Então, nós fomos para o bar e ficamos conversando horas, enquanto lá dentro, porque a palavra, porque não sei o quê e tal, ela disse: “Essa gente é muito cacete. Eles interpretam a gente de uma maneira que eu não entendo.” Então, ficamos conversando e  falávamos muito sobre os problemas, as dificuldades, a discriminação, porque eu sou da geração de Clarice Lispector. Ela lançou o livro dela Perto do coração selvagem e eu estava lançando Ciranda de pedra. Então, Érico Veríssimo [(1905-1975) escritor gaúcho mundialmente conhecido por retratar com fidelidade a maneira de ser, pensar e sentir do brasileiro do extremo sul do país, autor da famosa triologia O tempo e o vento, teve a obra traduzida para vários idiomas destacando-se no panorama da literatura brasileira] nosso amigo comum e falava muito dela nas cartas que ele escrevia. Ela morava no exterior, estava casada com um diplomata e ele falava muito nela e também falava em mim. Então, quando ela me conheceu, ela disse: “Eu tenho um ciúme de você porque acho que o Érico gosta de nós duas igual.” Ela era uma pessoa .... Então, nós ficamos nesse dia, por exemplo, falando sobre o homem, sobre os homens, as coisas. Ela dizia: “Lygia...”, esta frase eu gostava tanto que às vezes eu digo para mim mesma. “Desanuvia a testa e põe um vestido branco.” Mas, enfim, e quando nós saímos desse bar, estavam saindo todos da sala suados, nervosos, coisa e tal. Nós felicíssimas, ela diz: “Olha a cara deles e olha a cara nossa. Nós estamos bem, fomos tomar os nossos Martini.” [Risos]

Rinaldo Gama: Aproveitando que a senhora falou da Clarice, gostaria que a senhora colocasse um pouco aqui a questão da literatura feminina. A senhora diz que não acredita em uma literatura, vamos dizer, feminina, não é nem feminista, feminina de uma maneira geral, que isso não tem muita importância. Eu queria saber se a senhora já foi acusada de escrever como homem ou se a literatura na sua opinião é, de algum modo, as artes de algum modo são assexuadas? Qualquer livro poderia ter sido escrito por qualquer um a qualquer momento?

Lygia Fagundes Telles: Rinaldo, agora, ótimo, porque agora eu posso te contar o seguinte: eu era estudante de direito, uma jovem estudante de direito de boina, com os livrinhos e tal, e completamente discriminada. Até parece que eu estou falando da idade da pedra lascada, não era, era 1940 e poucos e eu lançando meu livrinho de contos Praia viva na faculdade. E eu sentia discriminação que esta aqui não sentiu mais, porque esta veio muito depois. Então, essa discriminação fez que quando eu publicasse o livro ficasse felicíssima, porque um cronista escreveu o seguinte: “Esta menina é estranha. Ela escreve feito um homem, feito um homem barbado.” Eu fiquei na maior felicidade. Porque esse era o maior elogio, escrever como um homem, está compreendendo? Porque a mulher, as meninas, as moças que escreviam na época - pois é, até parece que eu estou falando da Idade Média - eram discriminadas. Era considerado uma literatura separada, assim como aquele poço separando a literatura masculina, que era sempre muito superior e tal, da literatura feita pelas moças. Então, só terminando, isso se você me pergunta hoje, hoje não. A literatura feminina evidentemente tem...Olhando aqui para Ana Miranda, que escreveu um romance tão belo que chama-se Desmundo e Boca do inferno, excelentes livros, só para citar 2. Eu fico pensando o seguinte: não existe literatura, eu não faço distinção hoje de literatura feminina e literatura masculina, não há esse divisor de águas. A divisão de águas está em relação à qualidade, está certo, Ana? Há escritores que escrevem bem e escritoras que escrevem bem, escritores que escrevem mal e escritoras que escrevem mal. A divisão é quanto à qualidade. Existe um momento, existe sim a literatura escrita pela mulher. Tem certas características dentro da nossa condição, há um subjetivismo talvez, Ana, maior na literatura escrita por mulheres. Isso vem da tradição da mulher, uma tradição que eu tento explicar em um livro meu, Disciplina do amor, justamente a tradição da mulher que começou a escrever, as minhas tiazinhas, aquelas tias lá de longe que escreviam, começaram a escrever os seus poemas, as suas tias, avós, bisavós, naqueles cadernos do dia-a-dia, onde elas punham o preço da cebola, da batata e de vez em quando vinha um pensamento. A mamãe, a minha mãe mesmo, tinha um livro, um diário, onde ela escrevia os seus pensamentos e um dia ela disse: “Sabe filha, você sabe que não é bonito uma mulher casada...”, olha minha mãe hein!, parece que eu estou falando exatamente. “Não é bonito uma mulher casada começar escrever coisas, pensamentos, devaneios, porque eu me lembro que o papai dizia que mulher casada quando começa a escrever essas coisas só pode ser bandalheira”, essa palavra bandalheira é uma expressão bastante antiga, mas muito boa na época. Só pode escrever bandalheira, só pode ser bandalheira, mulher casada não tem que escrever nada de suas confissões. Isso fica para as mocinhas e seus diários. Então, Ana, eu vejo nesses diários de capas acetinadas com pombinhas, coraçõezinhos pintados, o início justamente dessa literatura intimista e subjetiva. Eu conversei sobre isso com Clarice nesse encontro nosso lá longe, entende? Seria a fonte primária das mulheres tentando se dizer, tentando se explicar, tentando se desembrulhar. A mulher é mais embrulhada do que o homem. Não sei se as mulheres aqui concordam. A mulher é mais embrulhada do que o homem porque ela foi obrigada a ser embrulhada. Eu não preciso lembrar vocês que a mulher passou, no Brasil, dentro do espartilho lusitano, a mulher passou um tempo enorme calada. Ela não tinha o direito a palavra, ela não tinha o direito às artes. George Sand [pseudônimo de Amandine-Aurore-Lucile Dupin, também conhecida como Baroness Dudevant (1804-1876), novelista francesa] na França, teve que se vestir de homem, fumar charutos, para mostrar que ela era inteligente como os homens, porque, aqui no Brasil, a mulher calada e quieta sai, vai para a cozinha fazer doce, fazer goiabada. Tanto é que eu chamo sem ironia, eu chamava, eu vi a minha mamãe, a minha mãe fazendo aquela goiabada no tacho de cobre e eu dizia a expressão que eu acho boa: mulher goiabada, a mulher fazendo goiabada no tacho. Mulher goiabada, sem ironia nenhuma. Mamãe tocava Chopin [(1810-1849), Frédéric Chopin], mamãe quis ser cantora, tinha uma voz linda, ela me disse, mas o pai, enfim, minha família achava que aquilo não era profissão de uma moça fina da sociedade. Cantora? Então, ela casou-se, aonde eu nasci, tudo bem, mas ela foi frustrada na sua primeira vocação, que seria ser cantora e depois pianista, que ela também quis ser pianista. Então, ela foi fazer doce de goiaba: goiabada.

Matinas Suzuki: Como é que você vê hoje, por exemplo, principalmente nos Estados Unidos, um movimento que nasceu dentro do feminismo, mas que hoje faz críticas ao feminismo, dizendo que o feminismo foi para um caminho tão radical que esqueceu as diferenças entre o feminino e o masculino, que haveria em última instância? Como é que você vê esse momento da mulher?

Lygia Fagundes Telles: Eu não gosto muito desse grupo que lidera esse movimento, viu? Eu acho que são mulheres muito pernósticas, muito tentando ser originais. Original é aquele que anda com um pé para frente e outro para trás. Então, a vontade de se mostrar, uma vontade exibicionista, eu não gosto disso, está entendendo? Não, não, não, eu acho que a mulher....Agora eu quero citar um pensador importantíssimo do nosso século, que é Norberto Bobbio [(1909-2004), filósofo italiano], um grande pensador, jurista, que diz que a revolução não feminista, feministas, com essas estrelinhas, com essas coisas que não me agradam, essas agressões, não, não....Norberto Bobbio considera a revolução não feminista, a revolução da mulher, das mais importantes revoluções do século XX, da mulher. Da Ana, aqui presente, e esta, que modestamente também participou desse movimento.

José Castello: Lygia, eu queria só insistir um pouquinho mais nesse tema, talvez discordando um pouco de você, quando você diz que hoje...A Ana é de uma geração que já não tem mais tantos problemas, eu queria lembrar aqui 3 casos de mulheres escritoras. Hilda Hilst, eu acho que é uma grande escritora, sua amiga, muito desprezada pela crítica, que publica seus livros numa editora mínima, que é a Massao Ohno. Nelida Piñon, traduzida em todo mundo, recebeu o prêmio Juan Rulfo [Prêmio Internacional de Literatura Juan Rulfo, o mais importante da América Latina e do Caribe], e aqui no Brasil há um silêncio a respeito da obra de Nélida Piñon. A verdade é essa. Adélia Prado, uma grande poeta, mas tratada muito mais pelo folclore: a mulher católica que mora no interior de Minas, que escreve seus poemas em cima do fogão e a obra, tirando o que [a atriz] Fernanda Montenegro fez ao levar a obra dela [Adélia] para o teatro [referindo-se a peça Dona doida: um interlúdio], em geral é tratada como uma coisa, no fundo, menor. Coisa de mulher. Será que o quadro ainda não permanece um pouco o mesmo? A Ana quer complementar.

Ana Miranda: Posso completar essa lista? Quando o Boca do inferno [o livro se refere à sátira mordaz do poeta Gregório de Matos] foi publicado, também disseram...

Lygia Fagundes Telles: Quando?

Ana Miranda: Quando O Boca do inferno, meu primeiro romance, foi publicado, é um livro escrito de uma maneira tradicional, de uma literatura universal, e é um livro muito muscular, é um livro de muita ação, um livro vigoroso, também disseram que ele tinha sido escrito por um homem. Até deram o nome do homem.

Lygia Fagundes Telles: Agora, eu não sei bem porque o José Castello disse que discorda. Eu não disse nada em relação à discriminação contra as mulheres escritoras porque não desapareceu. Eu estou de acordo com você. Você entendeu? Eu disse que aquela líder lá do primeiro mundo que vem com umas coisas...Não, não, no Brasil, a coisa muda completamente porque existe sim um silêncio e não só em relação às mulheres, que escrevem e muito bem no Brasil, como a minha querida amiga Hilda Hilst, minha querida amiga Nélida Piñon. Você acabou de dar esse exemplo tão importante [referindo-se à Ana], com um livro tão importante o seu, o Gregório de Matos [1623-1696, poeta do Barroco brasileiro, chamado de "boca do inferno" pelas crítica mordazes aos políticos da Bahia do século XVI] eu tenho paixão por Gregório de Matos....

Ana Miranda: Mas isso foi só. Foi apenas um comentário. Não é uma coisa geral.

Lygia Fagundes Telles: Mas existe isso, viu, Castello, não só em relação às mulheres, aos escritores também. E será que eu estou certa? Porque nós estamos em um país, eu disse isso há pouco, o número de analfabetos e de miseráveis...Porque, além da faixa imensa de analfabetismo dentro do Brasil, quer dizer, aqueles que não podem nos ler, há aqueles que não podem comprar, que sabem ler, mas não podem comprar o livro porque não tem dinheiro. Eu ofereço livros, você também deve fazer a mesma coisa, a Hilda também, eu sei disso. Aliás, falando na Hilda, outro dia eu conversei com ela por telefone e ela me disse: “Lyginha, vem para cá, que já chegou, nós precisamos começar bordar, que chegamos à maturidade”, porque nós combinamos que quando chegássemos a maturidade, maturidade tem outra palavra que começa com v e que a gente evita [risos], "quando chegarmos à maturidade", disse a Hilda, "vamos bordar nossas almofadas". Então, outro dia eu conversei com ela e ela disse: “Lyginha, está na hora de você pegar seus bastidores, pegar sua malinha e vir”. Mas, enfim, essa discriminação, essa ausência de um respaldo, de uma resposta maior, de um público atento à boa literatura, não existe só em relação às mulheres. Minha querida, o Ignácio Loyola sabe disso, esta resposta abrange os homens que estão escrevendo bem no Brasil. O Carlos Drumond de Andrade dizia .....Isso também eu conversei, viu Castello, eu também conversei sobre isso com a Hilda Hilst. “O escritor no Brasil fica bom, fica maravilhoso, depois da morte. É necrofilia, é necrofilia.” A Clarice, quando estávamos lá, ninguém ligava para a Clarice, ninguém ligava para nada, estávamos em Cali [Colômbia], voltamos, ela se queixava nas cartas do silêncio, de tudo isso. Ela morreu: ah! A necrofilia é a vontade de exaltar o morto, porque o morto não está mais competindo, acho que só pode ser isso.

Ignácio de Loyola Brandão: Agora caiu o Fernando Abreu [Caio Fernando Loureiro de Abreu, escritor e jornalista, (1948-1996)], não é?

Lygia Fagundes Telles: Pronto, Ignácio, você deu um exemplo, pronto. Cai Fernando Abreu, o meu querido amigo, cai o amigo. Eu conversava com ele quase diariamente por telefone, primeiro quando ele morava aqui em São Paulo, ele me visitava, ele ia tomar chá comigo, ou eu ia ao apartamento onde ele morava, tomávamos chá, conversamos lindamente. Depois ele foi, para morrer, em Porto Alegre [Fernando Abreu portava o vírus HIV]. Então, era por telefone que falávamos. Ele cultivava rosas. Morreu: "ah”. Por que quê não fizeram as louvações enquanto ele estava vivo? Ah, pelo amor de Deus. Deixa eu só lembrar, viu Castello, isso aí você precisa lembrar nas suas entrevistas, acho que é de Thomás Antonio Gonzaga [(1744-1810), poeta e ativista político que participou da Inconfidência Mineira com Tiradentes]: “As glórias que vêm tarde já vêm frias”. Ah, que bonito isso. E aquela mulher, a linda Marilyn Monroe [(1926-1962) atriz norte-ameircana, ícone sexual do século XX, morta de forma trágica aos 36 anos]? Um dia, quando ela estava no camarim, veio um maquiador e disse: “Não, agora não.” E ela disse: “Venha me maquiar agora enquanto eu estou quente.” Muito bonito isso. As glórias que vêm tarde, Thomás Antônio Gonzaga, as glórias que vêm tarde, já vêm frias. As louvações, meu queridos, têm que vir enquanto a gente tem ouvidos para ouvir e olhos para ver.

Matinas Suzuki: Lygia, me permita introduzir uma questão relativa à essa. Também nós não vivemos o momento em que melhor se remunera os escritores no Brasil? Por exemplo, sai notícias nos jornais, essa coisa toda sobre isso. Pela primeira vez eu vejo, de alguns anos para cá, editoras disputando autores, pagando uma taxa, uma luva para escritores mudarem de editora. Não que isso oculte a outra realidade que você falou, mas também, simultaneamente, não estaria acontecendo alguma coisa diferente nessa área no Brasil? Eu estou perguntando porque eu não participo desse mundo, mas leio coisas sobre isso.

Lygia Fagundes Telles: Eu conversava muito a esse respeito com o meu queridíssimo amigo, filho do Graciliano Ramos [(1892-1953), escritor alagoano,um dos maiores autores da literatura brasileira, autor de São Bernardo e Vidas secas], Ricardo Ramos [publicitário e escritor], nosso amado amigo, eu conversava muito a respeito. Exatamente, Matinas, precisamos não ser pessimistas ao ponto de...Não, não, houve realmente uma, digamos, evolução nesse sentido. Não, nós precisamos dizer a verdade e esta é a verdade: os nossos livros estão sendo mais vendidos apesar de tudo. As editoras estão mais atentas à divulgação e tudo isso, mas é pouco ainda. Eu acho pouco.

Claudinei Ferreira: Você consegue viver da literatura?

Lygia Fagundes Telles: Não, não, viver não, da literatura não. Eu sou uma senhora procuradora do Estado aposentada do Ipesp, Instituto de Previdência do Estado de São Paulo.

Claudinei Ferreira: Mas você teve esse objetivo alguma vez ou sabia que isso era impossível?

Lygia Fagundes Telles: Ah, que beleza, Claudinei, [risos] que bonitinho que você perguntou. Isso eu vou responder. Quando eu fui ser procuradora do Estado, eu estava sabendo muito bem: tu não me enganas mundo, eu não engano a ti. Eu estava sabendo muito bem que eu não iria viver de literatura. Não dá. Dá para viver de literatura? Não, não dá. Eu pergunto aos ausentes, presentes, dá para viver? Alguns autores têm conseguido: Jorge Amado [(1912-2001) escritor baiano conhecido mundialmente, com obra traduzida em mais de 50 países e com inúmeras adaptações para cinema, teatro e televisão, autor, entre outros de Gabriela, cravo e canela]...

Matinas Suzuki: Se você perguntar para o Paulo Coelho [escritor brasileiro de livros esotéricos e de auto-ajuda, com sucesso mundial e obra traduzida em vários idiomas], ele vai dizer que dá para viver e muito bem.

Lygia Fagundes Telles: O querido amigo Jorge Amado, que eu gosto muito, eu não sei se eu citei o Jorge Amado naquela lista dos mil, do manifesto contra a censura? [alguém diz que sim] Citei. Pois é, o Jorge Amado vive da literatura. Ele é uma sorte, é uma maravilha isso: quando você aperta o botão certo e vem. Agora, no meu caso, eu sei... Aparece uma senhora, quando eu estava comprando alcachofra: “Como eu amo a senhora”. Porém não dá para viver. Viu, a vida, Claudinei, virou um artigo de luxo no Brasil. A vida é um artigo de luxo. É cara a vida aqui.

Matinas Suzuki: Lygia, e o Paulo Coelho? O que quê você acha do Paulo Coelho? Você já leu, você?

Lygia Fagundes Telles: Eu conversei com a Hilda justamente sobre isso. Sorte a dele: apertou o botão certo, está certo?

Jorge Escosteguy: Mas você já leu o botão que ele apertou?

Lygia Fagundes Telles: Não interessa, a minha opinião sobre ele, interessa é que ele está fazendo o caminho dele, tudo bem, está certo? Não deve haver o menor ressentimento, está certo Loyola Brandão e está certo Ana? Não deve haver o menor ressentimento diante daqueles que conseguiram. Eu repito, apertar o botão certo, e vem como naquelas maquininhas, vem aquela dinheirama. Faz tempo que estou escrevendo e não consegui ainda essa maravilha. Talvez negando a morte, talvez a procura justamente, a palavra escrita procura a negação da morte...Talvez na morte, rios de dinheiro, não vejo isso muito, mas em todo caso, talvez, talvez...

Jorge Escosteguy: Lygia, você falou 2 vezes da sua mãe, mas não falou do seu pai que sempre está presente nas suas entrevistas. Falou-se de risco, de imprevisto etc. Isso está muito ligado a vida do seu pai? Isso influenciou muito você: essa questão de risco, do imprevisto?

Lygia Fagundes Telles: Está. Meu pai era um homem extraordinário, um sonhador. Olha o sonho, olha o sonho, eu olhei para Ana porque nós falávamos há pouco sobre isso. Meu pai era um sonhador e era um jogador principalmente. Eu herdei do meu pai essa inaptidão para o poder político e para o poder econômico. Eu não tenho nenhuma aptidão para o poder, nem político, nem econômico, está compreendendo? Meu pai também não tinha. Essa incompetência para o poder econômico e político, meu pai não tinha e eu também não tenho. Meu pai era um jogador. Ele jogava com fichas, isso eu digo sempre, ele jogava com fichas, roleta, era um jogador. Eu jogo com a palavra. Então, é uma forma de jogo. Meu pai me levava para Santos, Hotel Parque Balneário, onde havia uma roleta e ele achava que eu talvez pudesse dar sorte. Talvez eu desse sorte realmente. Ele ia, eu dormia, ele me dava um sorvete - lindos em taças de prata. Eu dormia lá na sala. Eu não sei como é que eu podia entrar naquela sala de jogo, mas eu entrava e ficava vendo meu pai com suas mãos brancas, bonitas, enormes. Um homem enorme, fumava charutos...Então, vinha aquela pá e puxava tudo. Então ele dizia: “Hoje nós perdemos, mas amanhã a gente ganha”. [Risos] Então, é esse risco que é um risco bonito na vida: é arriscar. É o risco da profissão da vida.

Matinas Suzuki: Por falar em pai, seu filho Goffredo ligou aqui e fez uma pergunta para você. Ele perguntou o seguinte: “Você fala em paixão, paixão, paixão, o que existe entre o pai e o chão?”

Lygia Fagundes Telles: Olha aí, eu não estou dizendo? Eu não estou dizendo? Ele conversou hoje comigo sobre compaixão. Ele cortou a palavra: com paixão. A compaixão que o escritor deve ter no coração e a paixão com que o escritor escreve. E agora você fez...

Matinas Suzuki: O pai e o chão.

Lygia Fagundes Telles: Você veja, ele faz os trocadilhos. Eu acho que ele também tem essa paixão pela palavra. Ele é um descobridor da palavra. Ele gosta de desmascarar a palavra, porque as palavras, às vezes, são mascaradas e ele escreve muito bem. Viu filho, você escreve muito bem também. É um elogio de mãe. É suspeito, mas é verdadeiro. Mas é justamente essa vontade de pegar a palavra e desembrulhá-la como o escritor faz com as suas personagens e como eu mesma faço comigo mesma. Tentando desembrulhar as personagens, Matinas, de certo modo, eu estou me desembrulhando.

Matinas Suzuki: Lá do Rio Grande do Sul, o Moacyr Scliar [(1937-2011) escritor e médico gaúcho de origem judaica, autor, entre outros, de Os voluntários e O centauro no jardim, membro da Academia Brasileira de Letras] manda um abraço e pergunta: “Você acha que a política matou a literatura da nossa geração? E qual a marca da geração que vem agora?”   

Lygia Fagundes Telles: Ah, o querido Moacyr Scliar, nosso companheiro também. Sabe que eu fico muito contente de ter...Quer dizer, não é contentamento isso, é uma destinação sem condenação, porque a condenação é dizer que nós somos condenados a escrever, é uma palavra pesada. É uma alegria mesmo nós termos essa destinação, não condenação, em relação à palavra, porque os meus maiores amigos, os meus mais amados amigos, eu fiz justamente nesse círculo mais ou menos hermético. São os meus amigos que lutam com a palavra, que têm essa crença, essa fé e esse amor. O Moacyr é também esse lutador. Tivemos há pouco tempo em Provence [França], em um congresso de escritores, e o Moacyr lá estava. Também estivemos em outros congressos, esses encontros no mundo são muito agradáveis porque fazem com que nos sintamos solidários, nos sintamos amorosos um do outro. Mas voltando à pergunta...

Matinas Suzuki: Ele pergunta se a política marcou a geração de vocês e qual seria a característica da nova geração, se você vê alguma característica?

Lygia Fagundes Telles: Sem dúvida, sem dúvida, marcou muito a nossa geração. Somos da mesma geração e a política, sem dúvida, marcou muito a nossa geração. Nós, a literatura de Moacyr Scliar, o texto de Moacyr Scliar, como o meu texto, como o texto de Loyola Brandão e de Ana Miranda aqui presentes, são textos engajados, são textos de engajamento, nós estamos engajados. O bom escritor, sem arrogância eu digo isso, está naturalmente engajado na política. Não no sentido de agora: vou escrever um livro sobre...Não, não, naturalmente essa paixão pela política, essa paixão pela justiça, essa paixão pela liberdade, Matinas, essa paixão dentro de nós e que é tão forte. Essa paixão, ela vai para os personagens, ela vai para o texto. Nós nos comprometemos, nós somos escritores comprometidos sim com a política. Não políticos, no sentido da palavra, no sentido pobre da palavra. Eu acabei de dizer que nunca tive vocação para o poder político, nem sequer para o poder econômico, nunca tive cargo nenhum, nunca tive nada. Fui uma procuradora do Estado modestíssima. O meu procurador chefe dizia: “Doutora”, a gente se chamava de doutor. “Doutora, a senhora disse que salvo o seu melhor juízo no seu parecer. Fez bem porque tem um juízo melhor que o seu.” Então, nós estamos naturalmente engajados, Moacyr Scliar, Ignácio de Loyola Brandão, Ana Miranda, estamos engajados até o fim. É o engajamento natural.

Matinas Suzuki: Lygia, o Luis Bufoni, que é da Penha, de São Paulo, nosso amigo telespectador, diz o seguinte: “Tem uma fita da década de 50 ou 60 onde está gravado um comercial do carro Gordini. Esse comercial foi você que apresentou?”

Lygia Fagundes Telles: Não, não, não. Isso nunca. Eu até podia fazer para ganhar umas dinherocas que eu sempre fui...Nessa época, faz tempo isso, eu estava na maior dureza. Eu trabalhava, eu era funcionária pública, colava, mais precisamente, retratos na Secretaria da Agricultura, colava retratos e depois saía dali, ia correndo para a Faculdade de Direito para assistir as aulas e tudo isso. Eu gostaria, mas eu sempre tive muito cuidado, muito pudor em não misturar, está compreendendo? Sabendo da discriminação que havia em relação à mulher, eu tomava todo cuidado para não haver no futuro: ah e tal. Não, não, não, eu tomei muito cuidado. Até que gostaria de ganhar um dinheiro.

Matinas Suzuki: O que você acha de uma escritora, por exemplo, uma atriz como a Bruna Lombardi, posar nua para uma revista como a Playboy? Pensando um pouco nisso que você disse?

Lygia Fagundes Telles: Olha, você sabe de uma coisa, nessa altura, acho que as pessoas devem fazer o que lhes dá prazer. Se ela tem prazer e se ela acha que compensa posar nua: pose nua. Com toda liberdade dos seres, que façam o que quiserem. Acontece o seguinte, evidentemente há o risco. Olha o risco do jogo. Há um risco talvez nisso. Olha aqui, eu acho que o ser, tão efêmeros que somos, tão efêmeros, tão efêmeros, nós temos que ser felizes nessa efemeridade, na nossa condição humana. Se ela é feliz posando nua, tudo bem. Se você gosta, se ela gosta, ou mesmo que você não goste, ela está feliz. Cumpra o seu ofício e pose nua quantas vezes que quiser se isso lhe dá prazer. 

Matinas Suzuki: Feliz, feliz da literatura brasileira que tem autoras tão bonitas como Ana Miranda, você, Claudinei...

Lygia Fagundes Telles: Feliz dessas autoras com homens tão agradáveis assim.

Claudinei Ferreira: Você falou muito de você, falou muito de loucura, das coisas imprevisíveis, mas existe outro conceito importante para você que é o da disciplina. Por que a disciplina é importante para você?

Lygia Fagundes Telles: Pronto, Claudinei, a disciplina é importante para mim, porque eu acho que o Brasil, vou tomar um gole de água, é muito indisciplinado. É um mal nosso, é uma coisa assim de bagunça, de desordem, de vontade de quebrar as regras no trânsito, o trânsito nosso é medonho, por quê? Indisciplina. Você sabe que eu fiz o curso...Outra coisa da qual eu tenho um prazer enorme em me lembrar além desse manifesto contra a censura, que nós levamos para o ministro da Justiça, que não nos quis receber, além desse prazer, dessa alegria desse orgulho de participar desse movimento, foi muito bom para mim um curso que eu fiz. O curso na Escola Superior de Educação Física. Ali eu aprendi a disciplina. Nós entrávamos, meu querido Claudinei, no inverno, a água da piscina saindo fumaça, tremendo, magrinha, eu era magrinha, eu estava fazendo o curso pré-jurídico na Faculdade de Direito, e "tibum" na água. A disciplina, o horário.... Esgrima. Eu esgrimava bem, hein. Sim, eu esgrimava bem. O meu professor de esgrima dizia: “O menina, você tem apenas um defeito grande. Você deixa o seu coração... ” Nós tínhamos uma túnica muito bonita, branca, com um coração de feltro vermelho. E ele dizia: “Você deixa o seu coração descoberto. Olha o coração, olha o coração.” Eu acho que esse coração ficou descoberto por toda vida e ainda continua, entende? Nós usávamos a máscara e tínhamos aquela vontade da vitória, mas não a vitória competitiva, assim desagradável, justamente esta competição que não me agrada, que eu vejo hoje uma competição agressiva. Não, não. Eu adorava, por exemplo, a corrida de revezamento. Na corrida de revezamento nós todos éramos vencedores. Era bastão, a passagem do bastão. Eu correndo, correndo, correndo, atrás de mim já vinha o outro e eu passava o bastão e ele ia com toda a força. Quando ganhávamos éramos todos os heróis daquela corrida. Esse sentimento de solidariedade, de amor,de disciplina, eu aprendi na escola de educação física. Foi muito importante para mim e na faculdade de direito de São Paulo, sentimentos justamente da justiça, da liberdade, eu aprendi muito na faculdade de direito. É curioso como as lições que eu aprendi lá, não foram...Engraçado, eu não fui boa procuradora do Estado. Eu acabei de dizer isso a pouco, mas dentro de mim, lá na minha natureza mais profunda, ficaram lições em relação às desigualdades sociais. Essas lições ficaram, estão vivas dentro de mim e hoje, que eu vejo o meu país como está, este país que eu amo tanto e que está em uma situação tão dura, tão terrível, eu vejo este país dessa forma, justamente com a vontade que eu tenho que é mínima, que é uma palavra, mas de ajudar, de dar a ele o melhor que eu posso. É aquela coisa, a vontade de colaborar dentro da minha situação que é adversa. Eu sou escritora. É uma situação que de vez em quando me deixa tão feliz, que de repente vem alguém e bate no meu ombro e diz: “Olha, eu li o seu livro”. Que bom!

Claudinei Ferreira: E a questão daquele menino, você estava chegando em casa, começou a ouvir uns passos...Aquela é mais bonita, do menino, você começou a ouvir uns passos e você apertou os passos...Essa é bonita.

Lygia Fagundes Telles: Ai meu Deus. Não, ele, o Claudinei, ele lembrou uma coisa. Eu sou uma pessoa, o escritor é muito solitário, nós somos muitos solitários, mas eu sou solitária também, tenho amigos maravilhosos, mas também sou solitária. Na minha vida tenho amigos lindos que eu amo de paixão. Porém, meu cotidiano é um cotidiano de solidão. Então, eu fui ao cinema sozinha, como sempre vou, fui ao cinema perto da minha casa, mas a sessão atrasou e acabei vindo muito mais tarde do que eu pensava. E vim meia-noite pela rua da Consolação, que é a rua onde está o edifício onde eu moro, e começaram aquele...Olha o medo, aquele medo físico. Olha o medo: eu posso ser assaltada. Eu me lembro que eu tinha uma bolsinha, minhas bolsas são pequenas, e botei aqui [mostra como colocou a bolsa embaixo do braço]. De repente ouvi uma moto que vinha vindo e que foi travando na sua velocidade. Eu disse: eu estou sendo perseguida. Eu pensei: ai, mas que fim triste, eu aqui com meus pensamentos, que fim triste, levar uma estocada. Eu estava com pouco dinheiro, eu levei o dinheiro apenas para o cinema e estava com a bolsa, nem sei, levei a bolsa, um chiclete, mas estava sem dinheiro. Inclusive eu não podia dar dinheiro, porque estava sem dinheiro, tinha pouquíssimo, e a motocicleta parecia coisa de cinema, fita de terror: aquela motocicleta e eu apressando o passo. Percebi que a motocicleta apressou também. Eu disse: bom, agora é o fim. Quando atravessei a rua Oscar Freire para entrar no quarteirão do prédio onde eu moro, a motocicleta deu uma deslanchada, aí eu corri, corri alucinadamente. É um pedaço curto para chegar no prédio onde eu moro, meia-noite, deserto, ele [o condutor] acelerou junto comigo e quando eu estava subindo a escadaria, achando que ele iria vir por trás para me estocar com a faca, ele gritou: “Lygia Fagundes Telles, eu te amo”, e foi embora. Eu vi um jovem descabelado, nem usava capacete, eu nunca mais o verei. E aí eu entrei em prantos, entrei em prantos no meu prédio e o porteiro, muito delicado o porteiro da noite: “Aconteceu alguma coisa?”  Não, não, não aconteceu nada. Eu estou tão feliz".

Matinas Suzuki: Lygia, infelizmente o nosso programa está chegando ao fim, mas eu gostaria de reservar a última pergunta para a Ana Miranda.

Lygia Fagundes Telles: Ana, linda, você se lembra Ana, nós estivemos na Suécia. Olhe aí as viagens, ao menos isso a gente faz: viagens. Estivemos na Suécia, vimos a rainha Silvia, fomos fotografadas.

Ana Miranda: Ela ficou apaixonadíssima por você.

Lygia Fagundes Telles: Brasileira, brasileira, a rainha Silvia, vimos a sala onde é entregue o prêmio, todos os anos são entregues os prêmios do Nobel de Literatura.

Ana Miranda: Conversamos com os membros da academia do Nobel.

Lygia Fagundes Telles: Estivemos lá no Nobel, que mais? Ah, eu vi a casa de Greta Garbo [atriz], pronto, as glórias. Estivemos em Estocolmo.

Ana Miranda: A casa de...

Lygia Fagundes Telles: Também, vimos a pena de ganso com a qual ele escrevia graciosamente espetada no chapéu de feltro da mulher que ele amou. Ah, é uma coisa linda demais. Uma pena de ganso que ele escrevia, ele deu para ela e ela espetou no feltro do chapéu.

Ana Miranda: Uma estátua no meio da rua de uma poetisa que tinha se suicidado e que as pessoas depositavam flores nas mãos da estátua diariamente.

Lygia Fagundes Telles: A Suécia é linda. Nós precisamos voltar para a Suécia, a rainha não vai...Olha aí, deixa-me fazer um elogio para a rainha. Segundo verifico no noticiário, é a rainha mais elegante do globo no momento, a rainha brasileira, a rainha Silvia, a mais elegante coroa do mundo nesse momento.

Ana Miranda: Lygia, eu queria fazer uma pergunta, que é a mesma pergunta que você fez para o Borges [Jorge Luis Borges (1899-1986), escritor argentino], que é uma pergunta belíssima. Deixa ver se eu enxergo, que eu estou sem óculos aqui. “De tudo que o senhor viveu de alegrias, de tristezas, o que é que o senhor levantaria pulsante na mão, mesmo que estivesse naufragando, dizendo: isso foi a verdade?”

Lygia Fagundes Telles: Ah, foi lindo, foi o último encontro que tivemos, ele praticamente cego, ele me conhecia pela voz, devido a certas circunstâncias, havia um prêmio que ele recebeu aqui no Brasil, devido a essas circunstâncias, eu tive vários contatos com ele, com o Borges. Então, quando ele ouvia a minha voz, ele me procurava porque ele já não estava enxergando. Foi um encontro que nós tivemos, se não me engano no palácio, quando era o governador o Franco Montoro [governou São Paulo entre 1983 e 1987], exatamente. Então, eu ia embora, eu olhei para ele, eu sabia que nunca mais iria vê-lo, segurei na mão dele, ele com a bengala, falei: sou eu, Lygia. Então eu disse: "diga alguma coisa, diga uma coisa de despedida para mim, diga uma coisa que eu vou-me embora, eu não posso mais ficar, diga alguma coisa". E ele disse: “O sonho, o dia em que nós perdermos os sonhos, nós estaremos mortos. Lygia, Lygia, sonhe, não perca os sonhos Lygia. Sonhe.” E apertava a minha mão. Eu saí com os olhos rasos de lágrimas. Algum tempo depois ele morreu. O sonho, seria, então, o que eu desejaria dizer aqui nesta..., para os meus amados amigos que foram tão pacientes. Eu sou tão confusa, eu falei muita coisa desalinhavada, vocês costuram os meus fragmentos, mas é isso, o que eu quero dizer é isso: é que o dia que o sonho nos abandonar, nós estaremos tão tristes, vivos, mas tão tristes, como se tivéssemos morrido.

Matinas Suzuki: Lygia, muito obrigado pela sua presença esta noite aqui neste programa.

Lygia Fagundes Telles: Eu posso fazer um elogio à TV Cultura?

Matinas Suzuki: Pois não, por favor, será sempre bem-vindo.

Lygia Fagundes Telles: Eu queria dizer que esta é uma TV que justamente se preocupa com a cultura, com a cultura, não com o lazer. Eu quero dizer que o lazer é simpático, mas é superficial. Este é o canal que de fato afunda, vai até a raiz, em relação à cultura e que nós precisamos disso, Matinas. É disso que o Brasil precisa: da cultura, porque, em geral, as televisões pensam que o brasileiro é um ser alienado, idiota, vulgar. Não, o brasileiro é sério. Quando você ouve o povo falando, o povo falando em Deus, o povo fala em Deus, o povo é sério, o povo não é da dança da garrafa que algumas TVs exibem, essa de uma vulgaridade atroz. Eu odeio a vulgaridade e a TV Cultura jamais é vulgar. A TV Cultura é seríssima, os programas são seríssimos. Eu pediria a vocês que prosseguissem nessa programação, que justamente é uma programação que acredita na inteligência do povo brasileiro e que acredita na seriedade desse povo.

Matinas Suzuki: Eu te agradeço duplamente pela sua presença aqui, por esta grande entrevista, e em nome de todos meus colegas que trabalham aqui na TV Cultura. E também em nome dos nossos telespectadores que certamente apreciaram muito este programa. Eu gostaria também de agradecer bastante os nossos entrevistadores desta noite, a participação dos nossos telespectadores e lembrar a vocês que o Roda Viva volta na próxima segunda-feira, às 22h30, entrevistando o presidente Fernando Henrique Cardoso. Até lá, um grande abraço e uma boa noite para todos.

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