"Em primeiro lugar, é paradoxal, mas verdadeiro, dizer-se que todo romance é um romance histórico, pela simples razão de que todo romance se situa no passado, longínquo ou próximo, e que um acontecimento situado há um ano ou há seis meses está tão irremediavelmente perdido, tão difícil de recuperar como se houvesse ocorrido há séculos. Assim, eu estava em Paris em 1968, quando da revolta estudantil: consequentemente, tenho daquele mês de maio recordações pessoais. Se me desse vontade de escrever um romance sobre aquela época, entretanto, faria exatamente o que fiz quando procurei evocar a Roma do século II a a Bruges do XVI, quer dizer, releria documentos daqela época, me informaria cm amigos meus para ver se eles têm documentos que confirmam, ou ao contrário contradizem minhas opiniões sobre os fatos em questão; abriria de novo as coletâneas em que estão impressos os graffiti escritos nas paredes de maio de 1968; enfim, faria o impossível para me informar da melhor maneira, exatamente como faço quando se trata de um acontecimento ocorrido num passado mais longínquo. Dois de meus romances, ou mesmo três, têm temas contemporâneos, ou que eram contemporâneos, ou quase, na época em que os escrevia, e constatei, não sem espanto, que com eles eu caía novamente na Historia. Há para isso uma razão muito simples, entre outras coisas: é que em nossa época, mais até que em todas as anteriores, a política tem em nossas vidas um papel muito importante, independentemente de querermos ou sentirmos isso. Consequentementte, mesmo se evocarmos uma aventura inteiramente privada de há cinco anos, ou de há dez anos, encontramos um certo número de fatos que já são 'históricos' no sentido mais oficial do termo e que temos de levar em conta".