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Jornalismo
Augusto Franco

“O jornalismo, em qualquer parte do mundo, sobretudo no Brasil, e particularmente no Rio, pode ser um fator ótimo ou um fator péssimo para a arte literária. É péssimo quando seus diretores na otêm critério na escolha das produções que a colaboração irresponsável e duvidosa de rabiscadores medíocres lhes oferece; quando permite que os próprios autores elogiem ou mandem elogiar os seus livros com fins essencialmente mercantis; quando afastam os escritores de real valor, de merecimento comprovado e protegem as nulidades apavonadas. É igualmente péssimo e, mais do que isso, profundamente pernicioso, quando dirigido por tipos ignóbeis como aquele finamente caracterizado por Villiers de l’Isle-Adam no seus belíssimos Contes cruels (pg.34-51). Mas quando o jornalismo conta entre os seus mentores um vulto a estatura moral do pranteado e meigo Ferreira de Araújo, então ele é bom, ele é fecundo, ele é ótimo, não simplesmente como vigoroso fator literário, senão também como um nobre impulsor da civilização de um povo. Tocando o nome augusto do grande e saudoso mestre da imprensa brasileira, não parece fora de propósito recordar um fato que deve ser aqui narrado por ter estreita conexão com o assunto deste artigo. Um moço de mérito, mas desconhecido, um moço que muito prometia, escreveu um dia um esplêndido conto. Onde publicá-lo?sem apresentação, sem proteção literária (até nas letras é preciso ter proteção no Rio!...), entendeu, contudo, de procurar o querido diretor da Gazeta de Notícias para que lhe publicasse o conto. Foi por uma bela tarde, após o jantr, que Ferreira Araújo, obeso, risonho, no jardim , a palitar os dentes, recebeu o jovem estreante. Depois de, naturalmente, lhe ter dito alguma frase corriqueira, igual aquela que Th. Gautier, no seu livro Portraits contemporains (pg. 47), conta haver dirigido ao estupendo Balzac, quando o visitou pela primeira vez, o tímido candidato à sagração fluminense entregou ao preclaro jornalista as tiras caprichadas do seu burilado conto, implorando-lhe a publicação dele na Gazeta, Ferreira Araújo passou ligeiramente os olhos pelo manuscrito, dobrou-o, pôs no bolso, dizendo languidamente ao rapaz: ‘Agora não posso ler’. Estas quatro palavras simplíssimas bastaram para afastar dali desacoroçoado e triste, o escritor de contos. Grande, porém foi a surpresa quando no dia seguinte, ao abrir a Gazeta, deparou estampado, na coluna de honra, o seu amado trabalho. E maior ainda foi o seu espanto quando, passando na Rua do Ouvidor em frente da redação da Gazeta, Ferreira de Araújo o chamou e disse-lhe: ‘Vá entender-se com o caixa; traga-me sempre contos como aquele e terá de cada um trinta mil réis’. Hoje o medroso contista de outrora é uma das figura mais salientes, demais nítido e claro destaque, da literatura nacional”.

Fonte: RIO, João do. O momento literário. R.Janeiro: 1904.

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