”A atividade jornalística é prejudicial aos aspirantes à literatura. Primeiro, porque é uma profissão hoje muito especializada, que requer uma grande dedicação. Segundo, porque não está fácil se manter nesse mercado de trabalho, o que significa que as empresas estão bem mais à vontade para explorar a dependência da mão-de-obra. Terceiro, porque o ambiente profissional também absorve demais, já que a relação com os colegas é altamente competitiva e pautada mais por uma lógica de prestígio do que por valores estritamente profissionais ou mesmo econômicos. Além disso, em decorrência dessa múltipla dependência, o vínculo pessoal com a empresa vai muito mais longe do que uma mera relação profissional. A questão aí é que esse tipo de alienação — nenhuma palavra descreve o fenômeno melhor do que esta — é incompatível com o ofício do escritor, principalmente se tivermos em mente uma concepção de literatura que valorize os ideais de independência, liberdade e crítica. Um outro problema, que tem a ver com a primeira razão, é que o jornalismo é uma atividade especializada não num determinado conteúdo e sim numa forma — acho que posso dizer assim, meio “em tese”, mesmo correndo o risco de excessivo esquematismo. De modo que, com relação à matéria do mundo, a espessura das coisas, o barro geral, que é a matéria da literatura, o jornalista chega aí de uma maneira admiravelmente variada, mas quase que sempre superficial Mas a literatura que se atém à superfície é o mesmo que nada — e é por isso que o momento literário se aproxima perigosamente desse ‘nada’. O escritor, ao contrário, ganha mais desconfiando, rememorando, perfurando. O escritor responsável está mais ligado à memória, à substância do tempo, à própria necessidade política de afirmar a existência do tempo, religar o tempo, refletir sobre/durante ele. Os fatos são meros fogos de artifício, cuja lembrança é descartável. Por isso os jornais dispõem de departamentos de pesquisa cada vez mais complexos e informatizados: trata-se da divisão do trabalho na indústria: o funcionário que recolhe os fatos não pode ser o mesmo que lhes faz o ‘histórico’ ou o ‘perfil’ Todas essas coisas, para mim, explicam por que o jornalismo é particularmente prejudicial à atividade literária... Talvez a questão aqui devesse ser invertida: a literatura prejudica o jornalismo? Minha resposta seria um ‘sim’ rapidíssimo: sim, sim, sim, mil vezes sim, quase impossibilita. Só um sujeito muito forte pode ser ao mesmo tempo escritor e jornalista competente — e devem existir vários bons escritores que são jornalistas incompetentes ou medíocres”.
Fonte: <www.penadealuguel.com.br> Cristiane H. Costa (13/12/2006) |