"No fundo, toda arte é testemunho e expressão da vida vivida, da vida sentida e sofrida. A questão está em como dar expressão artística a essa vida vivida. O poeta que prefere escrever sobre coisas nebulosas, porque de fato o emocionaram, tem todo o direito de escrever sobre elas. Se outro quer escrever sobre os poliedros geometricamente puros, serei eu o primeiro a defender esse direito de escolha de sua temática criadora. Nada mais livre e nada mais solitário, ao mesmo tempo, do que a criação artística. Entretanto, há os escritores que preferem tomar, como diz o companheiro, temas sociais, não porqe seja mais conveniente. É porque esse escritor é marcado por uma inquietação social, ou seja, ele tem um compromisso com a vida do seu povo, sofre, padece com a injustiça e com o sofrimento do seu poco. Tenho a impressão que esse escritor é movido por sua responsabilidade socal, está contribuindo mais para a interpretação e condenação dessa sociedade do que aquele que prefere outros temas que não dizem respeito à realidade social. Nesse sentido, acho que a posição da grande maioria dos ficcionistas brasileiros é admirável. Não só da minha geração ou da geração que nos antecedeu, mas também da geração mais jovem, como o Oswaldo França Júnior, o João Antonio, só para dar exemplos. Quem não leu Jorge, um brasileiro, deve ler imediatamente. Se não tiver dinheiro venha até a Biblioteca e pegue emprestados os livros do João Antonio. Seus livros são todos recriação literária da nossa realidade social, como também ocorre com grandes escritores da minha geração no campo da ficção. O Antonio Callado, que esteve aqui recentemente, é u exemplo luminoso. De resto,a história da literatura brasileira, como a da literatura latino-americana, que tenho a alegria de conhecer tão bem, essa história tem mostrado que a obra que permanece, a obra que atravessa e perdura no tempo, é a obra literária cujas raízes estão fincadas na vida vivida pelo povo. Enquanto existir literatura, todo o povo brasileiro continuará lendo cada vez mais José Lins do Rêgo, Jorge Amado, Graciliano Ramos. Sempre lerá Machado de Assis. Sempre há de ler Manuel Bandeira e Drummond. Essa, portanto, é a minha posição".
Fonte: Um escritor na biblioteca: 1980. Curitiba: Biblioteca Pública do Paraná, 2013.