"[...] fui tecendo o que Jorge Rodriguez Padrón certa vez estimou como sendo complexa maturidade formal, na verdade uma ambiciosa aposta de filiar complexidade técnica à experiência existencial. O corpo do poema como lugar de desenvolvimento da vida em si. A tudo recolhe a linguagem e lhe dá a dimensão da própria respiração. Desde Shakespeare a defesa de que a presença de determinadas personae fundamenta a estrutura de toda poesia. Firmeza ulterior, ao mesmo tempo em que distanciamento do ego. Deve então o poema propiciar um diálogo e não firmar-se como receituário. A partir daí fui compreendendo a importância de manifestar poeticamente a experiência pessoal, não sem evitar o decorrente ardil de contá-la, tendo em vista que essencialmente ali interessa desvelar a razão do próprio ser, e que tal operação se fundamenta na maneira especial de agir, na singularidade, o que, por sua vez, reflete o compromisso com uma ambição de recolhimento de todos os sinais à volta, assim como a intensidade fundante, aspiração por uma multiplicidade de leituras, métodos, códigos, fabulações etc. [...] A escritura poética não é senão a forma única de resistência, do sangue e do espírito, com a qual nos unimos ao mundo, em busca da permanência de sua estóica caminhada. Na viagem, emergem ritmos, discursos, similitudes, dissonâncias, alegorias, o que mais regule a fantasia humana. O emblema da alma em chamas não repercute senão uma recusa austera à morte em vida, ao alinhamento a esta ou aquela corrente dominante. Creio que a visceralidade da escrita poética pode muito bem somar as proposições de Bachelard e Calvino, visto que a idéia que temos de nós mesmos é uma mescla de devaneio e exatidão. Do que não podemos nos despir, sob pena de negação da própria espécie humana, é da função dos sentidos, de seu alcance e significação".
Fonte: MARTINS, Floriano. Alma em chamas (poesia). Fortaleza: Letra & Música Comunicação, 1998.
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